07 Janeiro 2012
"Passei alguns dias em repouso porque o médico me disse que devia parar, mas já estou em ação e inclusive voltei a levantar pesos", diz John Githongo. Hiperativo, muito alto e de torso enorme, Githongo, 46 anos, oferece uma presença imponente, para a qual contribui seu falar tranquilo e confiante. "Gosto deste lugar", acrescenta, olhando para o salão do restaurante, moderno e quase vazio. "A esta hora é muito tranquilo e está muito perto de meu escritório." Quando pede uma salada como prato principal, repete com simplicidade: "Minha mulher e o médico me dizem que preciso me cuidar".
A reportagem é de José Miguel Calatayud, publicada pelo jornal El Pais e reproduzida pelo Portal Uol, 07-01-2012.
De boa família - seu pai fez negócios com o primeiro presidente do país, Jomo Kenyatta, e foi um dos fundadores da Transparência Internacional -, Githongo estudou no País de Gales e, ao voltar ao Quênia, começou a trabalhar como jornalista, investigando casos de corrupção e fraude. Mais à frente criou o ramo queniano da Transparência Internacional.
Sua reputação lhe valeu em 2003 o lugar de secretário permanente anticorrupção do novo governo de Mwai Kibaki, que havia acabado com os 24 anos no poder do presidente anterior, Daniel Arap Moi. A experiência acabou mal. Githongo fugiu do Quênia depois de ser ameaçado de morte por investigar um caso de corrupção que chegava até o presidente.
"Os telegramas do WikiLeaks mostraram que houve uma reunião entre altos membros do governo na qual planejaram meu assassinato", conta entre bocados. "O telegrama não dava nomes, mas eu sei quem são. Nestes dias nos cruzamos em Nairóbi e eles são só sorrisos."
Githongo saiu do Quênia em 2005 e se refugiou na casa da jornalista Michela Wrong em Londres. Contou-lhe o que sabia e lhe mostrou as conversas com membros do governo que havia gravado em segredo, e ela decidiu escrever sua história. O livro, "Agora comemos nós", foi publicado em maio na Espanha mas chegou ao Quênia em 2009, onde estava proibido e era vendido em segredo. Em uma das cenas mais chamativas, Githongo está reunido com os então ministros das Finanças e da Justiça e leva um gravador preso ao peito. Em dado momento, a fita chega ao fim e para com um sonoro clique. Githongo pensou que tivesse chegado seu fim.
"Foi um incidente a mais que ela decidiu destacar no livro", ele diz. "Eu recebi ameaças, mensagens, ligações telefônicas de gente do governo dizendo-me para parar de investigar... tantas coisas que você se acostuma e no dia seguinte já se esqueceu."
Githongo passou mais de três anos exilado, voltou ao Quênia em 2008 e diz que não quer partir de novo. Hoje preside a Ni Sisi! ("Trata-se de nós!", em suahili), uma organização não-governamental dedicada a construir uma cidadania informada e responsável. Viciado nas notícias e no Blackberry, está muito informado sobre a atualidade e fala com desenvoltura sobre o Movimento 15-M e a situação econômica da Espanha.
"Sempre haverá uma certa corrupção, na Espanha, no Quênia, a questão é qual é o preço", diz. "Aqui a causa da fome é a ação do governo na forma de corrupção e sua alienação na forma de não fazer nada, nem sequer escutar os especialistas." "A fome não é causada pela seca: Deus cria as secas e o homem, a fome."
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Deus cria as secas, e o homem, a fome", diz ex-chefe anticorrupção do Quênia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU