03 Janeiro 2012
O ano de 2011 ofereceu ao mundo católico uma série de grandes histórias: a implosão da Igreja na Irlanda; os primeiros indiciamentos de líderes católicos, incluindo um bispo, na trágica saga dos abusos sexuais do clero; o início dos movimentos de reforma por padres católicos na Irlanda, na Áustria, na Alemanha, nos Estados Unidos e na Bélgica; e a implementação forçada pelo Vaticano do novo Missal Romano.
A reportagem é do sítio do jornal católico norte-americano National Catholic Reporter, 30-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entre as histórias que viraram manchetes do NCR, houve uma história aparentemente menor e de certa forma mais pessoal. No entanto, ela teve um significado importante e trará consequências de longo alcance. Foi a desconcertante notícia da condenação, por parte da comissão de doutrina dos bispos dos EUA, de um livro de 2007 de autoria da teóloga da Fordham University e irmã josefina Elizabeth Johnson. No centro da severa condenação (aprovada pelo Comitê Administrativo dos bispos dos EUA) de Quest for the Living God: Mapping Frontiers in the Theology of God, está um conflito teológico não resolvido que revelou uma rixa entre os principais teólogos e bispos católicos dos EUA.
Esses conflitos, embora não sendo novos, se solidificaram enquanto uma geração de bispos teologicamente conservadores e nomeados pelo Papa João Paulo II chegaram às principais posições de liderança da hierarquia norte-americana. Raramente a rixa teólogos/bispos foi exibida de forma tão pública como nas críticas e nas defesas envolvidas na avaliação episcopal de Quest for the Living God.
Poucos poderiam imaginar a confusão que o livro um dia causaria quando ele foi publicado pela primeira vez em outubro de 2007. O editor observou na época que a fé cristã não acredita em um Deus novo, mas, encontrando-se em situações novas, procura a presença de Deus ali. O livro exploraria essa presença. Não sendo uma obra estritamente acadêmica, Quest for the Living God, ao contrário, estava bastante destinado a um público maior. Era um esforço deliberado para envolver os estudantes e outras pessoas famintas por orientação espiritual e teológica católica de substância. Voltava-se a encontrar a presença de Deus no nosso mundo multidimensional e contemporâneo. Quest for the Living God foi bem recebido, especialmente entre os professores teólogos católicos, que rapidamente o acrescentaram aos seus programas de ensino.
Poucos também poderiam imaginar Johnson apresentada como uma rebelde teológica. Ex-presidente da Sociedade Teológica Católica dos EUA, ela é profundamente respeitada entre os seus colegas. Tem uma reputação de ser uma estudiosa cheia de fé e meticulosa. Nesse contexto, a ardente crítica capítulo a capítulo da Comissão de Doutrina a Quest for the Living God pegou a academia católica de surpresa. A comissão afirmou que o livro de Johnson estava marcado por "deturpações, ambiguidades e erros". Considerou que o trabalho "não está de acordo com a autêntica doutrina católica sobre pontos essenciais". Para seu crédito, os bispos não pediram medidas disciplinares. No entanto, sua condenação veio sem nunca terem lhe oferecido a decência de comentar ou de se defender.
Longe de terem apoiado o trabalho de uma estudiosa católica fiel, uma alma gêmea de acordo com qualquer medida, eles semearam dúvidas e expuseram-na a extremistas católicos – poucos em número, mas capazes de capturar a atenção pública – que têm pouca noção, se é que a têm, ou se preocupam com a natureza da teologia e o seu crítico lugar dentro da Igreja.
Após a condenação, Johnson falou pouco, mas observou de sua forma discreta que "a simples cortesia humana indicaria que levantar tal crítica pública sem aviso não é uma forma generosa nem respeitosa de tratar um adulto". Isso é um eufemismo, mas caracteristicamente johnsoniano na forma.
Enquanto isso, o corpo docente da Fordham se reuniu ao seu redor, assim como a liderança da Sociedade Teológica Católica dos EUA e a College Theology Society, cada um deles emitindo declarações de apoio. A Canon Law Society of America se ofereceu para ajudar os bispos a refinar os seus procedimentos.
A disputa oferecia um momento de ensino único. Parecia ser uma oportunidade para explorar a teologia contemporânea através de intercâmbios pessoais, talvez até dando um exemplo cristão. Mas não era para ser assim. Em outubro, a Comissão de Doutrina dos bispos reafirmou a sua crítica anterior, novamente sem ter se encontrado com a teóloga face a face.
O processo – ou, melhor, a falta de processo – nesses eventos infelizes fala de um colapso no diálogo que implora a atenção para a saúde da nossa Igreja. Isso apenas poderia ter sido o fundamento para escolher essa polêmica como a "história do ano". Mas a saga em conflito não é a única razão pela qual o NCR acredita que essa história é importante. Enquanto os editores discutiam o assunto, o que começou a dominar a nossa discussão não era simplesmente a questão de um processo mal feito, mas também a importância do ímpeto e do conteúdo da teologia de Johnson.
Grande parte de Quest é uma reapresentação do que outros teólogos bem respeitados disseram e continuam dizendo sobre "o Deus vivo" hoje. Tomando emprestado do falecido teólogo alemão jesuíta Karl Rahner, Johnson escreveu em seu refutação aos bispos que o objetivo da teologia é "buscar o sentido da fé a fim de acreditar, esperar e amar mais profundamente". Esperar que os buscadores de Deus simplesmente repitam velhas fórmulas negligencia a realidade e as ricas ofertas que chegaram à mesa católica no último meio século dos avanços na teologia. Johnson, por sua vez, ofereceu imagens poderosas do divino. Elas falam aos buscadores de todos os lugares. A incomum popularidade de Quest for the Living God confirma isso.
Por baixo da polêmica e da visão de Johnson, repousa uma questão emergente inegavelmente mais ampla que todos os líderes da nossa Igreja devem abordar honestamente: o fantasma feminino/masculino que obscurece muitas discussões sobre a autoridade eclesial. Sem dúvida, alguns dos maiores redespertares na teologia cristã na última metade de século vieram com o advento da teólogas mulheres. Até meados do século XX, a teologia católica, com poucas e notáveis exceções, era um mundo de homens, quase inteiramente um mundo de padres. Séculos de representações de Deus foram pintadas através dos olhos masculinos. Por muito tempo ausentes, as intuições femininas acompanharam as mulheres nas escolas de teologia, onde elas começaram a estudar e a examinar Deus através de novas lentes. Infelizmente, essas preciosas intuições femininas ainda ameaçam alguns. Não deveria ser assim. Deus criou homem e mulher; Deus criou ambos à imagem de Deus e deu a ambos mentes para explorar o divino.
Quest for the Living God nos lembra enfaticamente que Deus está engajado no nosso mundo e que a teologia católica, apesar, às vezes, das pressões regressivas, continua ativa nas nossas vidas e na nossa Igreja. Elizabeth Johnson, como teóloga e indicação da comunidade teológica católica em geral, é, portanto, a nossa Personalidade NCR para o ano de 2011.
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Elizabeth Johnson: personalidade de 2011, segundo jornal católico dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU