21 Dezembro 2011
Às vésperas de cortarem o laço que marcará o início das operações da usina de Santo Antônio, com o funcionamento da primeira turbina, os vizinhos das hidrelétricas do rio Madeira se perguntam: há vida após a morte em Porto Velho? O pico das obras civis, que chegaram a envolver mais de 40 mil trabalhadores, levando em conta os canteiros de Jirau, ficou para trás. Até 2016, uma desmobilização gradual do contingente empregado nos dois empreendimentos ganhará corpo, gerando efeitos ainda incertos no futuro da economia local.
A reportagem é de Daniel Rittner e publicada pelo jornal Valor, 21-12-2011.
"É provável que haja alguma desaceleração", disse o governador de Rondônia, Confúcio Moura (PMDB). Nos dez primeiros meses deste ano, o recolhimento de ICMS - termômetro do nível de atividade - subiu 33%, liderando o crescimento da arrecadação no país. "Se a nossa economia se ajustar à média de expansão dos demais Estados da região Norte, já será muito bom."
O tamanho da desaceleração, a partir de agora, é um assunto que intriga os moradores de Porto Velho. "A nossa economia ainda não está preparada para a desmobilização dos canteiros", afirma Pedro Costa Beber, secretário municipal de Programas Especiais.
Novas obras de infraestrutura, como as eclusas, que prometem facilitar a navegação pelo rio Madeira, e um ramal de 550 quilômetros do gasoduto Urucu-Manaus, para atrair indústrias de setores como plástico e cerâmica, são frequentemente apontadas como as maiores prioridades do período pós-usinas. Só que ainda não há perspectiva, conforme o planejamento do governo federal, de saírem do papel nos próximos anos. O gasoduto sequer faz parte dos planos do Ministério de Minas e Energia.
Sinais de desaquecimento já são observados, por exemplo, no mercado imobiliário. Nos últimos cinco anos, grandes construtoras, como Gafisa, Direcional e Bairro Novo, desembarcaram em Porto Velho. Um condomínio de quatro torres de alto padrão, lançado no início de 2008, teve 200 das suas 280 unidades vendidas até três meses depois do lançamento. Um servente de pedreiro, cujos rendimentos mensais dificilmente ultrapassavam um salário mínimo quando as usinas começaram a ser construídas, hoje costuma ganhar pelo menos R$ 1 mil. "O mercado entrou em ebulição. Desde os anos 80, na época do garimpo, nunca vi tanta muvuca", comenta Cézar Zoghbi, proprietário da Zoghbi Imóveis e vice-presidente do Creci, a associação dos corretores.
O panorama, no entanto, mudou nos últimos meses. Entre 2007 e 2009, as incorporadoras lançaram mais de 10.000 unidades habitacionais, espetando no mapa de Porto Velho os primeiros arranha-céus. "Neste ano, o número de lançamentos não chegou a 2.000", compara Zoghbi. O valor dos aluguéis, inflado pela procura de profissionais vindos de outras cidades, se multiplicou desde o início das obras das usinas, mas hoje está cerca de 20% menor do que no momento de pico da demanda.
Cada uma das hidrelétricas pagará, ao longo de toda a sua construção, em torno de R$ 1,5 bilhão em salários. Boa parte do dinheiro fica em Rondônia. Quando as obras terminarem, o receio do empresariado local é que haja desaquecimento da economia. "Para cada emprego direto gerado pelas usinas, temos três ou quatro indiretos. A nossa preocupação é manter esse crescimento para absorver a mão de obra", afirma o superintendente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero), Gilberto Baptista.
Além das obras de infraestrutura e da exploração sustentável de recursos naturais (madeira com plano de manejo e beneficiamento de minérios como o estanho), Baptista vê a permanência de indústrias recém-chegadas à região como fundamentais para manter o nível de atividade. "Mesmo após o encerramento das obras das usinas, existirá no Estado sustentabilidade para um crescimento de 8% ao ano até 2020."
Uma das empresas que fincaram raízes é a Indústria Metalúrgica e Mecânica da Amazônia (IMMA), associação da Alstom com a Bardella, instalada no semivirgem distrito industrial de Porto Velho para fornecer equipamentos pesados à hidrelétrica de Santo Antônio. Em um terreno de 253 mil metros quadrados, a IMMA fez investimentos de R$ 90 milhões e hoje tem capacidade para produzir 12 mil toneladas por ano de equipamentos de levantamento e hidromecânicos.
"Viemos para ficar", define o gerente de recursos humanos da empresa, Gustavo Almeida, responsável pelo treinamento de mil pessoas desde a chegada da IMMA. Cada uma passou por 700 horas-aula de curso teórico e prático - mais de 600 foram contratadas ao fim do processo. "Hoje, 85% da nossa mão de obra é local, e pretendemos chegar a 95% até meados de 2012", diz Almeida.
Com a montagem dos equipamentos em Porto Velho, a Alstom e a Bardella planejam atender à demanda que surgir com futuros empreendimentos hidrelétricos na Amazônia. As chapas de aço vêm de siderúrgicas de Cubatão (SP) e de Ipatinga (MG), evitando o pesadelo logístico que significa o transporte rodoviário em esquema especial. E o futuro já é realidade para a empresa.
"Temos encomendas que preenchem a capacidade da fábrica por pelo menos quatro anos", comemora o executivo. Foram assinados contratos para fornecimento às usinas de Belo Monte, Teles Pires e Santo Antônio do Jari. Além disso, a IMMA espera atender a encomendas de usinas brasileiras no Peru e na Bolívia.
A Votorantim Cimentos, que instalou uma unidade em Porto Velho e destina cerca de 70% de sua produção às usinas, também continuará na cidade após a conclusão das obras. O governo de Rondônia ainda quer uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) funcionando na cidade.
Outros projetos para estimular a economia local são tocados diretamente pela União. É o caso da instalação de 50 mil tanques-rede nos reservatórios de Santo Antônio e de Jirau para o desenvolvimento da pesca em cativeiro. "A nossa ideia é ter de 4.000 a 5.000 famílias envolvidas com a aquicultura nos lagos das hidrelétricas", afirma o superintendente regional do Ministério da Pesca, Jenner Menezes. A exploração será feita em apenas 1% das águas, mediante contratos de 20 anos.
Atualmente, segundo Menezes, Rondônia produz 15 mil toneladas de peixe cultivado por ano - 95% disso é de tambaqui. A meta do governo estadual é chegar a 80 mil toneladas, mas há potencial para muito mais, garante o funcionário. "Queremos ampliar a criação de pirarucu, de pintado e de bagres em geral."
A vocação florestal de Porto Velho também é ressaltada pela prefeitura. O secretário Pedro Beber calcula que é possível obter R$ 3 bilhões por ano com planos de manejo sustentável só na reserva extrativista de Jaci-Paraná, que tem área total de 192 mil hectares. Ele estima que, explorando metade disso - com reposição permanente da mata - a um ritmo anual de 30 metros cúbicos de madeira por hectare, chega-se "facilmente" a esse valor.
O futuro da cidade pós-usinas causa angústias na população e o receio de que, como a borracha e o garimpo em décadas anteriores, tudo não passe de mais um ciclo sem legados. Por isso, o promotor Aluildo de Oliveira Leite, responsável pelo grupo instituído no Ministério Público Estadual de Rondônia para monitorar a implantação das hidrelétricas, recomenda cautela com a "ideia utópica" de que o Estado entrou em um processo inesgotável de prosperidade.
"Nós somos um laboratório para os impactos de futuros empreendimentos do governo federal na Amazônia. Hoje é difícil contratar um carpinteiro, um pedreiro ou uma empregada doméstica em Porto Velho, tamanho o movimento causado pela construção das usinas. Mas, e depois? Não vejo a atração de empresas em número suficiente para empregar tanta gente quando as obras terminarem."
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Porto Velho já teme impacto do pós-usina na economia local - Instituto Humanitas Unisinos - IHU