14 Dezembro 2011
Uma jovem italiana de 16 anos afirma ter sido estuprada por "ciganos". Mas depois descobre-se que não houve nem estupro nem "ciganos": ela inventou a história para não sofrer as consequências de ter mantido relações sexuais com seu namorado perante a sua família. O que leva uma menina a inventar tamanha mentira?
A análise é da escritora italiana Michela Murgia, ex-animadora da Ação Católica italiana, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 12-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A notícia do estupro de uma jovens de 16 anos italiana por dois membros da comunidade Rom no sábado à noite bastou para transformar o bairro de Vallette, em Turim, no ardente set de Mississippi em Chamas. Só depois é que a jovem, aterrorizada com o alcance da reação do bairro, admitiu que não houve nenhum Rom e nenhum estupro.
As notícias indicam que ela esteve, ao contrário, com um jovem italiano, que era a sua primeira vez e que ela ficou aterrorizada com a possível reação dos seus familiares perante a perda da virgindade.
A grave notícia é a do pogrom contra a comunidade Rom, mais um fruto de uma cultura onde se cresce aprendendo a temer o diferente e o estrangeiro, independentemente do fato de eles ser culpado de qualquer coisa. Imagino que se poderá encontrar, sem dificuldade, alguém pronto a dizer que, se não foi verdade desta vez, será em uma próxima. O fato de que essa cultura, nos últimos 20 anos, encontrou uma margem política e conseguiu gerar prefeitos, assessores, presidentes de província e de regiões, deputados europeus e até ministros ajudou muito a fazer com que ela passasse do balcão do bar ao senso comum.
É também graças a isso que hoje, na Itália, há quem deixou de se envergonhar por ser racista. A notícia que aparece como secundária, ao contrário, é que uma menina de 16 anos acreditou que seria menos perigoso e grave para ela dizer que havia sido violentada por dois "estrangeiros" do que admitir que fez amor voluntariamente com um rapaz local. Eu não quero acreditar que uma jovem diga uma calúnia semelhante por brincadeira. É muito mais crível que ela fez isso porque sentiu que, se tivesse dito a verdade, isto é, se tivesse declarado que fez amor porque queria fazer, teria sido percebido e tratada como "culpada" de algo e iria ao encontro de algum tipo de sanção, social ou familiar, moral ou física.
Algumas notícias relatavam o hábito da família de fazer com que ela fosse controlada periodicamente por um ginecologista para verificar a sua ilibalidade, um costume tribal que, se confirmado, dirá muito sobre o clima em que a menina deve ter concebido a sua mentira irresponsável e protetiva. Mas é algo marginal. Continua sendo a imagem de uma jovem que, na Itália de 2011, custa mais a admitir que consentiu com o ato do que a se passar por vítima de estupro que indica o primeiro culpado crível, talvez aquele cuja etnia é por si só uma sentença: Rom.
Essa jovem não podia prever que muitos, no bairro, instrumentalizariam a sua falsa condição de vítima como um gatilho para a sua raiva e a sua antiga vontade racista de pôr fogo nos campos Roms de todas as latitudes. O incêndio do acampamento não é, de forma alguma, culpa sua. Mas ocorreu, e os bombeiros se encontraram diante não só das chamas, mas também de uma multidão decidida a impedir que o incêndio fosse apagado antes de queimar tudo.
Alguns, solidários com aqueles que atearam fogo independentemente das responsabilidades no estupro, me escreveram no Facebook que já era hora, que os moradores do bairro estão assustados e que, se até agora não passou o medo de sair de casa em meio a todos esses ciganos, pelo menos a raiva foi desafogada.
Diante das cinzas e das mentiras, agora vai se falar de racismo, e é sacrossanto que isso aconteça. Também se perguntará o que está acontecendo na civil e solidária Turim, e é justo que se pergunte. Mas espero que alguém também se faça perguntas sobre que tipo de cultura muito italiana é essa que induz uma jovem mulher a acreditar que a condição de estuprada é, para ela, socialmente mais suportável do que a de quem faz amor porque quis.
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Entre a lógica do pogrom e o mito da virgindade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU