Por: André | 07 Dezembro 2011
A proibição de dar a comunhão eucarística aos católicos divorciados e em segunda união é cada vez mais contestada e desobedecida. Bento XVI resiste. Mas republica um ensaio seu de 1998 que abre duas exceções, a segunda é confiada à consciência.
A reportagem é de Sandro Magister e está publicada no sítio Chiesa, 05-12-2011. A tradução é do Cepat.
Durante a recente visita de Bento XVI à Alemanha, muitos esperavam do Papa "aberturas" em relação aos católicos divorciados e em segunda união: com a atenuação, senão com a revogação, da proibição de receber a comunhão.
Esta esperança foi expressa pelo próprio Presidente da República Federal alemã, Christian Wulff, católico e em segunda união, ao dar as boas-vindas oficiais ao Papa na sua chegada a Berlim.
Mas durante os quatro dias da viagem à Alemanha, e também depois, o Papa Joseph Ratzinger não disse nada sobre o assunto.
Mas sabe-se que a questão já está muito presente em seu coração. Ele falou muitas vezes sobre o assunto no passado, e já disse que "o problema é muito difícil e ainda deve ser aprofundado".
No dia 30 de novembro passado, Bento XVI voltou ao assunto de forma indireta: republicando no L’Osservatore Romano um ensaio "pouco conhecido" de 1998, enriquecido por uma nota que informa as palavras pronunciadas por ele sobre o tema ao clero da diocese de Aosta, no dia 25 de julho de 2005.
Esta última é uma nota importante, porque remete precisamente a um ponto sobre o qual Bento XVI considera que se pode fazer uma abertura na proibição geral da comunhão.
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Na primeira parte de seu ensaio, o Papa confirma que esta proibição não é uma invenção da Igreja católica. A Igreja não poder fazer outra coisa que ater-se ao ensinamento de Cristo, que se expressou com absoluta clareza a respeito da indissolubilidade do matrimônio.
Mas de qual matrimônio? São Paulo – recorda o Papa – reconhece a indissolubilidade absoluta ao único matrimônio sacramental, aquele celebrado entre cristãos. Para o matrimônio entre um cristão e um não cristão o apóstolo admite a possibilidade da separação, se a finalidade é o de salvaguardar a fé do cônjuge batizado. Assim também faz ainda hoje a Igreja com o chamado "privilegium paulinum", quando admite a dissolução de um matrimônio não sacramental.
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Na segunda parte do ensaio, o Papa Ratzinger enfrenta a objeção de quem defende que a Igreja católica deveria imitar a práxis mais flexível da Igreja antiga e das Igrejas orientais separadas de Roma.
Nos primeiros séculos, o Papa recorda que alguns Padres [da Igreja] "buscaram soluções "pastorais’ para raros casos limite", e dá o nome de São Leão Magno. Mas em seu conjunto diz, "os fiéis divorciados e em segunda união nunca foram admitidos oficialmente à sagrada comunhão", nem sequer depois de algum tempo de penitência.
Mas nos séculos posteriores, o Papa pontualiza que houve duas evoluções contrapostas:
"Na Igreja imperial posterior a Constantino se buscou, devido ao progressivo entrelaçamento cada vez mais forte entre Estado e Igreja, uma maior flexibilidade e disponibilidade ao compromisso em situações matrimoniais difíceis. Uma tendência semelhante se manifestou também no âmbito gálico e germânico até a reforma gregoriana [do século XI]. Nas Igrejas orientais separadas de Roma, esta evolução continuou posteriormente no segundo milênio e levou a uma práxis cada vez mais liberal".
Mas no Ocidente, "graças à reforma gregoriana, se recuperou a concepção originária dos Padres [da Igreja]. O Concílio de Trento sancionou em certo modo esta evolução e foi proposta novamente como doutrina da Igreja pelo Concílio Vaticano II".
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Na terceira parte de seu ensaio, o Papa Bento responde àqueles que exigem que a Igreja católica deve respeitar a opção dos divorciados e em segunda união, quando "em consciência" consideram justo tomar a comunhão, em contradição com a norma jurídica que a proíbe.
Bento XVI parte de uma consideração que parece fechar qualquer abertura:
"Se o matrimônio precedente dos fiéis divorciados e em segunda união era válido, em nenhuma circunstância sua nova união pode ser considerada conforme o direito e, portanto, por motivos intrínsecos, é impossível que recebam os Sacramentos. A consciência de cada um está vinculada, sem exceção, a esta norma". Uma norma, a indissolubilidade do matrimônio, que é de "direito divino" e "sobre a qual a Igreja não possui nenhum poder discrecional".
Mas imediatamente depois acrescenta: "Mas a Igreja tem o poder de especificar que condições devem ser cumpridas para que um matrimônio seja considerado como indissolúvel segundo o ensinamento de Jesus".
Ora, nem sempre – escreve – os tribunais eclesiásticos que deveriam comprovar se um matrimônio é válido funcionam bem. Às vezes, os processos "se alongam excessivamente". Em alguns casos, "ditam-se sentenças problemáticas". Em outros, também "ocorrem erros".
Nestes casos, então – reconhece o Papa –, "não parece que se exclua, em princípio, a aplicação da epikeia no "foro interno’", isto é, uma decisão da consciência:
"Muitos teólogos são da opinião de que os fiéis devem ater-se, mesmo no foro interno, aos julgamentos do tribunal eclesiástico, mesmo que pareçam falsos. Outros defendem que no "foro interno’ cabe pensar em exceções, porque no ordenamento processual não se trata de normas de direito divino, mas de normas de direito eclesiástico. Mas este assunto exige mais estudos e esclarecimentos. A fim de evitar arbitrariedades e proteger o caráter público do matrimônio – subtraindo-se ao juízo subjetivo – deveriam, com efeito, ser esclarecidas de modo muito preciso as condições para que se verifique uma exceção".
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Na quarta parte do ensaio, Bento XVI indica precisamente um novo campo a ser explorado, que se refere aos motivos que tornam um casamento nulo.
O Papa exclui taxativamente que um matrimônio possa deixar de valer simplesmente "quando não existe mais o vínculo pessoal de amor entre dois esposos".
Mas prossegue: "Ao contrário, novos estudos aprofundados são necessários para esclarecer a questão de se os cristãos não crentes – batizados que nunca creram ou que já não creem em Deus – podem contrair verdadeiramente um matrimônio sacramental. Em outras palavras: deveria se esclarecer se verdadeiramente todo matrimônio entre batizados é ipso facto um matrimônio sacramental. De fato, o próprio Código indica que apenas o contrato matrimonial "válido’ entre batizados é um sacramento (Cf. Código de Direito Canônico, c. 1055 § 2). A fé pertence à essência do sacramento; resta por esclarecer a questão jurídica de qual evidência de "não-fé’ teria como consequência que não se realize um sacramento".
Em uma nota acrescentada ao final do ensaio está a frase aos sacerdotes de Aosta, na qual o Papa retomou e desenvolveu esse raciocínio:
"É particularmente dolorosa a situação dos que se casaram pela Igreja, mas que não eram realmente crentes e o fizeram pela tradição e, depois, encontrando-se em um novo matrimônio não válido se convertem, encontram a fé e se sentem excluídos do Sacramento. Realmente, trata-se de um grande sofrimento. Quando era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, convidei diversas Conferências Episcopais e vários especialistas para estudar este problema: um sacramento celebrado sem fé. Não me atrevo a dizer se realmente se pode encontrar aqui um momento de invalidez, porque faltava ao sacramento uma dimensão fundamental. Pessoalmente, eu pensava, mas os debates que tivemos me fizeram compreender que o problema é muito difícil e deve ser aprofundado ainda mais".
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Enfim, na quinta e última parte do ensaio o Papa Bento coloca novamente de guarda sobre o perigo de "diluir", em nome da misericórdia, essa verdade revelada que é a indissolubilidade do matrimônio.
E conclui: "A palavra da verdade pode, certamente, ser prejudicial e incômoda; mas é o caminho para a cura, para a paz e para a liberdade interior. Uma pastoral que queira autenticamente ajudar as pessoas deve basear-se sempre na verdade. Só o que é verdadeiro pode, em definitiva, ser pastoral. "Então conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’ (Jo 8, 32)".
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Até aqui o pensamento de Bento XVI sobre a comunhão aos católicos divorciados e em segunda união, pensamento que quis manifestar com a reimpressão deste seu ensaio de 1998.
As "aberturas" indicadas pelo Papa no ensaio e na nota adjunta são ao menos duas.
A primeira é a possível ampliação dos reconhecimentos canônicos de nulidade dos matrimônios celebrados "sem fé" por ao menos um dos cônjuges, mas batizado.
A segunda é a possível apelação a uma decisão "no foro interno", por parte de um católico divorciado e em segundo união, de aceder à comunhão no caso do não reconhecimento da nulidade de seu matrimônio anterior (por efeito de uma sentença considerada errônea ou pela impossibilidade de provar a nulidade por via processual) contrastar com sua firme convicção de consciência que esse matrimônio era objetivamente nulo.
De fato, esta segunda é uma prática que tende a se estender muito além de seus limites, por parte de católicos divorciados e em segunda união que nem sequer recorreram aos tribunais eclesiásticos para regularizar sua situação, nem tentaram fazê-lo, mas igualmente receberam a comunhão por sua vontade, com ou sem a aprovação do confessor.
Tanto em uma como em outra pista Bento XVI espera que haja um aprofundamento.
E dá a entender que se deve esperar um resultado positivo em ambos os casos, "sem comprometer a verdade em nome da caridade".
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Nada de comunhão aos que estão fora da lei. Mas o Papa estuda duas exceções - Instituto Humanitas Unisinos - IHU