26 Novembro 2011
Os movimentos sociais podem superar as fronteiras do Estado nacional. Porém, não se trata de acrescentar o adjetivo "europeu" à sua ação. Mas sim de identificar os nexos entre local, nacional, supranacional para construir uma rede política que tenha como marco a rejeição do ajuste do orçamento.
A reportagem é de Benedetto Vecchi, publicada no jornal Il Manifesto, 25-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Europa é um sonho de liberdade que os percursos muitas vezes transformam em um pesadelo para aqueles que nela nasceram ou nela escolheram morar. A frase lapidar é de Zygmunt Bauman, em um texto enviado à imprensa poucos meses antes que a crise dos empréstimos subprime se abatesse sobre o Velho Continente. O estudioso de origem polonesa enfatiza assim a distância entre um projeto político de forte marca cosmopolita e a "Europa real", nascida de um processo de unificação política que se baseou sobre a moeda unida e sobre o Tratado de Maastricht, isto é, sobre dois elementos que, com aquela inspiração democrática, estão em aberta contradição.
Além disso, a entrada dos países do ex-socialismo real teve bem pouco a ver com esse modelo social e político que Bauman considera como uma das grandes conquistas da civilização humana, isto é, o estado de bem-estar social (welfare state). O verbo dominante na Europa é, de fato, o do livre mercado, que tem nos tecnocratas de Bruxelas zelosos sacerdotes. Por isso, o sonho de uma Europa como terra tolerante e acolhedora logo se tornou o pesadelo de uma província de um mundo cada vez mais na crista da catástrofe social.
As razões dessa brusca passagem da promessa de liberdade à chamada "ditadura dos mercados" devem ser buscadas justamente naquela dimensão monetarista e espacialmente delimitada que diferenciou a formação da fortaleza Europa. Ambiguidade presente também quando o pensamento político democrático europeísta pôs os limites dentro dos quais a economia de mercado pode agir. Mas, mesmo nesse caso, as propostas de constituição que surgiram foram marcadas por uma engenharia institucional certamente articulada sobre os valores do Iluminismo, mas que sempre olhou para os governados como súditos.
Além disso, para os democratas, o neoliberalismo econômico é o duro princípio de realidade do qual deve-se partir e ao qual deve ser contraposta uma arquitetura institucional alimentada por um princípio democrático e solidário que possa ser usada às vezes. Em nível nacional, o desaparecimento do welfare state ou as limitações dos direitos sociais de cidadania entram em rota de colisão com os princípios universalistas introduzidos, precisamente, por uma constituição supranacional.
A ingenuidade, ou melhor, a fragilidade dessa visão política surgiu em toda a sua dramaticidade com a crise dos empréstimos subprime antes, e depois com a da dívida soberana. Assim, enquanto os democratas continuaram declamando a necessidade de um modelo social alternativo ao neoliberal, os tecnocratas de Bruxelas, juntamente com a França de Nicolas Sarkozy e a Alemanha de Angela Merkel, abriram espaço para um verdadeiro projeto político para uma saída neoliberal da crise do capitalismo neoliberal, que, com um charme indubitável, Étienne Balibar chama de "revolução de cima".
Tudo isso parece, portanto, perdido. Mas só se o olhar permanece circunscrito aos fatos institucionais da União Europeia. Nos últimos anos, os fatos do Velho Continente viram também outros protagonistas subindo à cena pública. Como não esquecer daqueles movimentos que, como um furão escavaram dentro da crise econômica sem nenhuma nostalgia pelo passado. Em uma era de grandes remoções, as revoltas que marcaram o processo de unificação política foram equiparadas a ações criminosas, quando queimavam as banlieue francesas ou as ruas de Londres e de Roma. Porém, não é na crônica que devemos encontrar sinais de uma possível inversão de tendência da ditadura comissária ou da "revolução de cima" iniciada pelo sistema dominante neoliberal. Um projeto político de uma indubitável capacidade hegemônica. Mas frágil, porque não propõe soluções à crescente pobreza, à precarização generalizada e à dificuldade de continuar a acumulação de capital através da expropriação.
Na sua cuidadosa reconstrução histórica da shock economy, a jornalista militante Naomi Klein defendeu que o capitalismo neoliberal era o saque sistemático das riquezas do Estado. E assim foi com a privatização do estado de bem-estar social e das atividades industriais estatais. Mas o elemento que determinou a crise dos empréstimos subprime e da dívida soberana é outro. É a financeirização da "vida ativa". A dívida tornou-se, assim, a via mestra para garantir a continuidade do processo de acumulação. Apenas que quem se endividou foram os indivíduos, mas também as empresas e o Estado. Os indivíduos se endividaram porque os salários se mantiveram praticamente imóveis por mais de 20 anos; as empresas, porque fizeram do casamento entre finanças e atividade produtiva a sua razão social; o Estado porque devia garantir justamente a expropriação da riqueza social por parte das empresas financeiras.
Que fique claro: o capitalismo contemporâneo não é apenas rapina e saque. É também saber e conhecimento enquanto matérias-primas processo de trabalho; é inovação permanente; é produção material e imaterial, ambas marcadas por formas do processo produtivo que vão de reedições inéditas do trabalho escravo ao trabalho altamente qualificado. Mas, para garantir o seu controlo, o caminho escolhido foi a precariedade. Também nesse caso, a dívida individual é consequência da governança preposta ao processo de trabalho.
É nessa contingência que os movimentos sociais agiram, escolhendo a dimensão local ou nacional como espaço privilegiado para a sua ação política. Um espaço que se tornou estreito e destinado a se limitar, isto é, a conter a crítica das políticas de austeridade. Daí a necessidade de uma dimensão supranacional. Não se trata, porém, de voltar à temporada dos movimentos globais, nem de substituir por "território" ou "nacional" o adjetivo "europeu". Mais realisticamente, trata-se identificar os nexos existentes entre nacional e supranacional, a fim de estabelecer uma rede de movimentos sociais em nível europeu que funcione justamente como um contrapoder, que desenvolva instituições autônomas das dominantes.
Na era dos governos técnicos e da austeridade, isso significa revelar a natureza política das escolhas feitas em Bruxelas, impostas ou assumidas justamente em nível nacional. A austeridade, assim como o rigor, têm o objetivo de acumular riqueza, que não é destinada a relançar, em um segundo momento, políticas redistributivas e de desenvolvimento econômico, mas sim tendem a reconstruir e a tornar novamente operante o círculo virtuoso entre acumulação por expropriação, finanças e economia da dívida que dominou a cena nos últimos 15, 20 anos.
Não é por acaso que em Madri, assim como em Londres, Paris, Roma e Atenas, a palavra de ordem dominante é uma nova desregulação guiada por um rigoroso e compassivo sistema de valores. A palavra de ordem do direito à falência, portanto, não tem nada de escandaloso. No máximo, expressa um primeiro e aproximativo quadro para definir uma rede europeia dos movimentos sociais.
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Os hóspedes inesperados da resposta neoliberal à crise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU