02 Novembro 2011
Ele não é um bispo. É um monge, o Prior de Bose, a comunidade encravada na Serra d"Ivrea em 1965, que se destaca entre os sopros residuais do Concílio. Mas Enzo Bianchi (foto), assim como Pe. Pellegrino a ele tão caro da Camminare insieme, a carta pastoral publicada exatamente há 40 anos, poderia e pode se espelhar em Agostinho quando afirma que o pastor serve "com o coração, com a voz, com os escritos".
A reportagem é de Bruno Quaranta, publicada no jornal La Stampa, 30-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E, saindo da gráfica, Perché avete paura? (Ed. Mondadori, 109 páginas) é uma leitura do Evangelho de Marcos, um novo retorno à Palavra, peculiaridade da apreciada oficina de Bose, depurada de toda incrustação, apologética ou cosmética, isto é, de adaptação a esta ou aquela passagem de tempo.
Eis a entrevista.
Qual medo encarna o homem com o qual nos encontramos costumeiramente?
O medo da morte. É a suma injustiça que contradiz profundamente a vida humana e o amor. Também pertence ao cristão, apesar da fé da Ressurreição.
Das coisas últimas às coisas penúltimas...
Eis o medo do cristão: ser insignificante, não conseguir mais comunicar a Boa Notícia. Passou-se do ateísmo militante ao rochedo que é a indiferença. As formas amadoras de espiritualidade não os induzem ao erro: da New Age ao sincretismo.
O Evangelho de Marcos...
É o primeiro. Marcos, discípulo de Pedro, inventou o gênero literário Evangelho. O seu é anterior a 70 d.C. É o texto mais elementar, aquele que mais se aproxima do Jesus da História. O cardeal Martini o definiu admiravelmente como o Evangelho do catecúmeno. Catecúmeno por excelência é o desorientado homem hodierno.
Católicos e política depois de Todi. Entre a tentação partidária e a perseverança da diáspora. Qual caminho o Evangelho indica?
Os cristãos são o sal da terra, destacam-se na sua identidade. O Evangelho cria a diferença cristã oposta à indiferença. Quanto ao resto, ele não fornece receitas. As respostas mudam com a mudança das estações. Houve a era da Democracia Cristã, uma força que, sem dúvida, favoreceu o crescimento italiano. Uma experiência que não esgota a relação católicos-política.
Onde a unidade dos católicos, quando muito, pode se manifestar?
Em uma dimensão pré-política, onde os católicos se interroguem sobre a sua inspiração, a definam, a confirmem. Portanto, caberá aos leigos a tradução técnica dos princípios na esfera política.
Meio século atrás, em 1963, o início do Concílio, que recomendaria "um contato contínuo com as Escrituras". Em que ponto estamos?
Deram-se passos, e significativos. Por último, a exortação apostólica de Bento XVI Verbum Domini: é um documento epocal; pede e encoraja o contato pessoal do cristão com a Palavra de Deus. É um convite a tirar o pó das Bíblias que dormem nas nossas prateleiras.
O senhor deseja um Vaticano III?
Não, ainda é preciso que o Vaticano II dê plenamente os seus frutos.
O que, em particular, o senhor espera que se realize?
O caminho sinodal, o "caminhar juntos" do Padre Pellegrino: papa, bispos, presbíteros e fiéis juntos.
O senhor, em Perché avete paura?, diz sobre Jesus: "Não teólogo, mas narrador de Deus". Não acredita que a teologia, o raciocinar sobre Deus, corre o risco de exaurir Deus?
Sim, isso pode acontecer, e acontece. É preciso voltar à narração, feita através de uma vida humana. Jesus contou Deus, diz João. Ninguém jamais viu a Deus, mas a vida humana de Jesus O revelou.
As vidas de Jesus além dos Evangelhos. Há alguma que o senhor prefira?
Eu tinha 18 anos, o romancismo de Renan me fez sonhar. A melhor, de longe, é Um judeu marginal, de Meier: o Jesus da fé não é uma invenção, é a meditação do Jesus na História.
O Evangelho de Marcos e as suas interpretações. Nos anos 1970, o senhor enfrentou o Evangelho de Fernando Belo, a análise marxista de Marcos, arrefecendo o entusiasmo ideológico que ele despertava. O que resta daquela época?
Nada. Ou talvez sim. No sentido de que a pluralidade dos métodos exegéticos corrige a pretensão de uma única interpretação da figura de Jesus.
O senhor recém voltou de Assis. Em que ponto está o diálogo inter-religioso?
Não estamos no ano zero, ao contrário. Bento XVI, nas pegadas de João Paulo II, desfez a tentação integralista de opor o Ocidente ao mundo árabe, ao islamismo: diálogo, não cercas.
Por um templo que – segundo Marcos – seja "para todos os povos". Não hesitando, porém, em expulsar os mercadores. Cristo é inexorável, não como a Igreja.
A expulsão dos vendedores do templo é um dos trechos de Marcos predileto de Ratzinger. Ele recorria a ele desde quando era cardeal. Eu acho que é uma garantia certa de palingênse [metamorfose brusca].
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"É da indiferença que é preciso ter medo". Entrevista com Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU