26 Outubro 2011
É difícil imaginar que alguém como Dom Morris, que se doou tão fielmente ao serviço da Igreja Católica, não sinta na carta de seus coirmãos australianos um sentimento de rejeição pessoal.
A análise é de Andrew Hamilton, SJ, editor-consultor do sítio Eureka Street, revista eletrônica dos jesuítas australianos, 24-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Antes de fazer sua visita conjunta a Roma, os bispos australianos prometeram que levariam até lá a demissão de Dom Bill Morris e o processo que se seguiu a ele.
Em seu retorno, eles publicaram uma breve carta sobre o assunto. Eles relatam que encontraram os presidentes das duas chancelarias envolvidas e também tiveram discussões entre si. Eles não parecem ter falado com o Papa Bento XVI sobre o assunto.
Eles explicam que o papa pediu que Morris renunciasse quando este não podia dar satisfação de que as suas opiniões sobre o ministério católico estavam em concordância com a doutrina católica. O papa o demitiu quando Morris se recusou a renunciar. Ao agir dessa forma, o Papa Bento XVI estava exercendo a sua responsabilidade para confirmar a Igreja na unidade da fé.
Os bispos aceitaram a ação do Papa Bento XVI e reafirmaram a base de sua própria posição em comunhão.
Finalmente, eles afirmam o seu compromisso de curar as feridas da divisão, de estender o cuidado fraternal a Morris e de fortalecer os laços da caridade dentro da Igreja Católica australiana.
A carta é um ato de encerramento. Mas merece reflexão. O número de encontros mencionados deixa claro que os bispos levaram a sério seu compromisso de levantar o assunto. Podemos imaginar também as frustrações, os sentimentos mistos e a eventual satisfação ou decepção que eles podem ter experimentado.
Os bispos serão criticados por olhar para a questão através das lentes da sua própria relação com o papa. Mas essa era uma questão de integridade. Eles são bispos católicos cuja responsabilidade pela unidade na vida e na fé é exercida com e por meio do papa como sucessor de Pedro.
Na compreensão católica, o papa tem a responsabilidade e o direito pessoal de defender a unidade da igreja na fé e na unidade. Uma vez que os bispos sabiam que, ao dispensar Morris, o papa entendia estar cumprindo essa responsabilidade, eles sabiam que ele estava agindo dentro dos seus direitos.
Esse é um campo católico comum. Mas as questões levantadas pela demissão de Morris não tinham a ver com o direito do papa de agir, mas sim se a sua decisão foi sábia e prudente em sua forma. Não tinha a ver com a autoridade de governar, mas sim com o exercício da governança.
A razão pela qual muitas pessoas questionaram a decisão foi que os melhores padrões de governança nas democracias ocidentais são caracterizados pela transparência, justiça natural e processo devido. É experiência comum, até no tratamento dos requerentes de asilo, que, quando estes são escassos, são tomadas decisões que muitas vezes não respeitam a dignidade humana das pessoas afetadas.
A crise dos abusos sexuais na Igreja Católica levantou duras questões sobre seus padrões de governança. É por isso que a dispensa de Morris despertou tanta preocupação sobre o processo devido e transparência.
A descrição dos bispos das ações da Santa Sé como "fraternas e pastorais, em vez de jurídicas em caráter" aponta para as questões levantadas sobre a governança de forma ainda mais acentuada. Na Austrália, ao menos, reconhecemos como as decisões tomadas em processos informais podem prejudicar e deixar sem recurso as pessoas por elas afetadas.
No caso de Morris, esse processo fraterno e pastoral levou a consequências jurídicas: a demissão de um bispo e danos à sua reputação.
Morris é, necessariamente, o objeto da carta dos bispos. De sua perspectiva, a carta só poderia ser vista como o endosso, por parte de seus ex-colegas, tanto do processo que levou à sua demissão, quanto dos vereditos de que a sua fé, no que diz respeito ao sacerdócio ministerial, não é a da Igreja Católica, e que ele estava rompendo a comunhão.
É difícil imaginar que alguém que se doou tão fielmente ao serviço da Igreja Católica não sinta nesse julgamento um sentimento de rejeição pessoal.
Isso convida à reflexão sobre o admirável compromisso dos bispos de "fazer tudo o que pudermos para curar as feridas da divisão, para estender o nosso cuidado fraternal a Dom Morris e para fortalecer os laços da caridade na Igreja na Austrália".
Esses são propósitos louváveis. Mas as questões não abordadas da governança irão dificultar a sua realização. Eles provocam uma separação entre o significado humano do cuidado fraternal e da cura das feridas da divisão, e o significado mais restrito disponível nos círculos eclesiais.
Em termos humanos, o cuidado que oferecemos a um irmão que acredita ter sido tratado injustamente será fraterno apenas se estivermos abertos à possibilidade de que o processo judicial agiu injustamente. Nós podemos curar as feridas da divisão somente se estivermos abertos à possibilidade de que cada lado poderia ter agido de forma errada. Podemos construir laços de caridade só quando saímos ao encontro das pessoas de mãos abertas.
Mas se formos obrigados a insistir que o nosso irmão aceite não só o veredito do tribunal, mas também a equidade do processo, o nosso cuidado não será descrito normalmente como fraternal. Se abordarmos a divisão insistindo que o outro lado deve reconhecer a nossa versão dos fatos, o resultado não será descrito normalmente como uma cura das feridas. O significado do cuidado fraterno e a cura das feridas de uma divisão será um significado privado. Outros podem descrever nossas atitudes como um reforço das fronteiras.
Se a unidade e os laços da caridade devem ser construídos, isso é mais bem feito pela conquista, e não pela perda, dos nossos irmãos e irmãs. Mesmo depois de ler a carta dos bispos, é mais fácil ver o que foi perdido do que o que será conquistado.
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Encerrando o caso de Dom Bill Morris - Instituto Humanitas Unisinos - IHU