21 Outubro 2011
As palavras do brasileiro Dom Demétrio Valentini abriram hoje (19), os trabalhos das Jornadas Teológicas Andinas 2011, que acontecem em Bogotá, na Colômbia. Na conferência inaugural, que teve como tema 50 Anos do Concílio Vaticano II: Esperanças, Interrogações, desafios, ele discorreu sobre toda a história e importância deste momento da Igreja.
A reportagem é da agência Adital, 19-10-2011.
Ao falar dos desafios, Valentini se centrou na vigência do Concílio Vaticano II para os dias atuais, fato questionado por várias esferas. Mas numa conclusão otimista, afirmou: "O Concílio Vaticano II, realizado há 50 anos, ainda continua, certamente, nos inspirando, e nos animando a retomar seus objetivos e sua dinâmica".
As Jornadas Teológicas Andinas encerram este ciclo de preparação para o Congresso Continental de Teologia, que acontecerá em 2012, no Brasil. Ao longo deste ano foram realizadas a Jornada para o Cone Sul e Brasil, no Chile; a Jornada Teológica da América Central e Caribe, na Guatemala; a Jornada Região Norte, no México.
Recordamos a possibilidade assistir a transmissão, ao vivo, das JTA 2011. Basta clicar aqui (obs: somente acessível no Internet Explorer).
A seguir, leia a apresentação, na íntegra, de Dom Demétrio Valentini.
Eis o texto.
Estamos chegando aos 50 anos do Concílio Vaticano II. Comparando o ambiente que a Igreja viveu, com tanta intensidade, nos tempos do Concílio, com a situação que vivemos hoje, se levantam muitas interrogações, e nos deparamos com muitas perplexidades.
Para tomar o exemplo que me parece o mais emblemático, quem diria que depois de 50 anos de iniciada a reforma litúrgica, com tanto entusiasmo e com tanta dedicação, iríamos chegar à situação que vivemos hoje, com a proposta de equiparação completa entre as duas formas de celebração da Eucaristia?
Reconhecendo a complexidade dos problemas envolvidos nesta questão litúrgica, que precisam ser reconhecidos e respeitados, o fato não deixa de levantar sérias interrogações sobre o Concílio Vaticano II, sua recepção, sua vigência, suas conseqüências, sua validade, sua abrangência.
A interrogação maior que paira hoje sobre o Concílio Vaticano II é se ele já esgotou sua vigência, se já passou o seu tempo, se já entrou no "arquivo morto" da história! Ou se ainda permanece como evento que continua impulsionando a realidade, suscitando desdobramentos, fundamentando iniciativas, levando em frente um processo que ainda não se esgotou.
Em todo o caso, parece evidente que a celebração do seu jubileu de ouro pode se constituir na grande oportunidade de dar-nos conta do alcance deste Concílio, de sua grande consistência, e de sua validade que ainda permanece.
Uma constatação me parece evidente: depois de 50 anos, o Vaticano II corre o risco do desconhecimento. A geração de bispos que participaram do Concílio já desapareceu. E muitos hoje ignoram completamente o ambiente suscitado pelo Concílio, os grandes temas abordados, as reações suscitadas, as idéias força deste evento. De tal modo que para muita gente o Vaticano II é coisa do passado.
Em vista disto, é preciso "revisitar o Concílio", para conhecer melhor este grande evento eclesial do nosso tempo. Foi o que tentei fazer, com o pequeno livro que leva este título, publicado pelas Edições Paulinas: Ele já deu origem a uma coleção de outras obras, todas sob este título: REVISITAR O CONCÍLIO. Para ao menos ir lembrando os assuntos principais dos seus 16 documentos.
Pessoalmente, senti minha consciência inquieta. Tive a rara oportunidade de acompanhar de perto o desenrolar do Concílio, como estudante de teologia em Roma nos anos de sua realização. Vivi com muita intensidade este Concílio. Precisava partilhar um pouco as esperanças que ele suscitou com tanta generosidade naquela época.
Assim fazendo, poderemos concordar mais facilmente com a observação feita por João Paulo II, ele mesmo, na "Novo Millenio Ineunte: "Sinto ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa".
Para concordarmos com esta apreciação de João Paulo II, vale a pena acenar para alguns aspectos centrais deste Concílio, como me permito fazer aqui, nesta Jornada Teológica, destinada a resgatar a memória do Vaticano II.
1 – Contexto histórico do Concílio
Para entender o Vaticano II, é importante situá-lo no contexto histórico em que ele aconteceu. Ele foi anunciado no final da década de 50, e realizado na década de 60. Por razões históricas, podemos dizer que estas duas décadas foram as mais otimistas dos últimos séculos.
Para avaliar adequadamente este concílio, é importante ter presente este dado. O Vaticano II aconteceu numa época de intenso otimismo, sobretudo na Europa Ocidental, em plena reconstrução do pós-guerra, no impulso desenvolvimentista que contagiou a todos, inclusive a própria Igreja que publicou a encíclica Populorum Progressio em 1967, afirmando que "o desenvolvimento é o novo nome da paz!".
Por sua vez, o concílio veio descortinar novos horizontes para as esperanças já existentes. Não se entenderia um concílio como este, se fosse realizado na época anterior a Pio XII, ou depois da revolução cultural de 1968.
Tentemos, brevemente, acenar para algumas características de ordem política, cultural e eclesial daquela época, todas marcadas pelo otimismo.
Do ponto de vista político, estávamos em plena recuperação econômica do pós guerra, com a reconstrução da Europa, e com um cenário mundial que contava com a referência importante das Nações Unidas.
Mesmo que ainda existisse a tensão política entre Leste e Oeste, já se vislumbrava a sua distensão, que teve no episódio dos mísseis de Cuba, em 1962, o acontecimento mais simbólico, com a emergência de personalidades que compunham um cenário muito positivo, na pessoa de Kennedy nos Estados Unidos, de Nikita Krushov na União Soviética, e de João XXIII no Vaticano.
Do ponto de vista eclesial, em 1958, ano da morte de Pio XII, nada indicava a necessidade, ou a conveniência de um concílio. A Igreja estava em ordem, disciplinada e sob controle. Com Pio XII, a Igreja tinha chegado ao auge de centralização administrativa, que vinha se acentuando desde o inicio do século vinte.
Do ponto de vista cultural, agora dá para constatar, a sociedade estava próxima ao esgotamento de um modelo, às vésperas da secularização, que eclodiu com o movimento estudantil de 1968.
Se o concílio tivesse sido realizado depois de 1968, com certeza a Gaudium et Spes teria outros capítulos, e todos os documentos do concílio seriam afetados pelas profundas transformações produzidas pela secularização, que se alastrou rapidamente na Europa Ocidental, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, mas que perdeu ímpeto antes de chegar à América Latina.
Há um equívoco de interpretação histórica, quando se atribui ao Concílio as conseqüências que, na verdade, foram desencadeadas pela secularização. E muito superficial a acusação de que o Concílio foi responsável pela diminuição da prática religiosa, especialmente em alguns países da Europa.
2 – A personalidade de João XXIII
Com certeza, nenhum concílio na história da Igreja dependeu tanto de um Papa como o Vaticano II dependeu de João XXIII. Por diversas razões, o Vaticano II pode ser identificado como o Concílio do Papa João XXIII.
O Vaticano II foi convocado por iniciativa exclusiva e pessoal de João XXIII. O seu anúncio, em 25 de janeiro de 1959, se constituiu em surpresa ainda maior, do que a inesperada eleição papal do Cardeal Angelo Giuseppe Roncalli.
Pela demora em concluir o conclave, e pela idade avançada do eleito, logo se difundira a idéia de "um papa de transição", que ocuparia o posto até que aparecesse alguém em condições de substituir ao sábio Pio XII.
Tanto maior foi a surpresa do anúncio do concílio, na conclusão da Semana de orações pela unidade dos cristãos.
A rápida difusão deste anúncio, e sua entusiasta acolhida, se deveram a algumas circunstâncias, que ajudam a compreender o fato, mas que agora, depois de 50 anos, lançam algumas perguntas.
João XXIII usou de uma manobra muito inteligente para contornar as possíveis resistências da Cúria Romana, e as prováveis advertências dos cardeais. Ele pediu ao serviço de imprensa da Rádio Vaticana, que difundisse a notícia do anúncio de um concílio. Mas como a cerimônia demorou mais do que o previsto, a noticia se divulgou antes que a cerimônia terminasse.
Assim, tanto a cúria, como os cardeais, se viram diante de um fato consumado, e que, além disto, começou logo a contar com a acolhida favorável e entusiasta em todos os setores, tanto dentro da Igreja, como no contexto ecumênico, e mesmo no mundo inteiro.
Esta pronta acolhida da ideia de um concílio se deveu, em primeiro lugar à figura do Papa João XXIII, que àquela altura já era identificado como o "Papa Bom", o "Papa da bondade", pelas atitudes caritativas que demonstrou logo no início do seu pontificado.
Assim as resistências a um concílio foram facilmente contornadas.
A pergunta que hoje se faz é outra. Essas resistências, que pareciam completamente neutralizadas pelo imenso prestígio que o Papa João XXIII vinha angariando, será que não foram subestimadas?
Na verdade, elas foram se rearticulando dentro do próprio Concílio, culminando com a organização do Coetus Internationalis Patrum, que tentava deter o avanço modernizador das propostas conciliares.
Mas sobretudo, estas forças conservadoras foram subestimadas após o concílio. Elas foram crescendo, até assumir as claras feições de um cisma, fruto da resistência sistemática à proposta de "aggiornamento" da Igreja, feita por João XXIII.
Lidos os fatos a uma distância de 50 anos, certamente a busca de consensos e o cuidado pela unidade eclesial, deviam ter merecido muito mais empenho e insistência. Quando olhamos o "concílio" de Jerusalém, nos damos conta de quanto foram importantes as medidas conciliadoras, que acabam sendo acolhidas, desde o respeito às tradições religiosas, até as "carnes imoladas aos ídolos".
Quando se trata da unidade da Igreja, é preciso agir com cuidado redobrado. Pois acontecida a ruptura, fica muito mais difícil reconciliar as posições opostas.
3 – A abrangência do Concílio
Uma acusação fácil que se faz ao Concílio Vaticano II, é que ele não teria peso teológico, pois sua intenção era meramente pastoral. Com isto, se tenta esvaziar sua importância, reduzir sua influência, e relativizar suas afirmações.
Como o concílio foi anunciado no contexto da semana de orações pela unidade dos cristãos, espontaneamente todos entenderam que o Concílio iria tratar da grande questão ecumênica, envolvendo as divisões entre os cristãos. Seria um Concílio a serviço da causa ecumênica.
Esta versão se espalhou tanto, e tão convictamente, que o próprio João XXIII se viu na obrigação de moderar as expectativas, alertando que o Concílio era de iniciativa da Igreja Católica, e se destinava primeiramente a ela. Até porque não caberia à Igreja Católica convocar as outras Igrejas, sem prévio entendimento mútuo.
Mas, olhada agora, depois de 50 anos, esta forte expectativa ecumênica, suscitada pelo anúncio do concílio, revela um dado mais profundo. Mostra como, desde o início, a proposta de um "concílio ecumênico" foi levada a sério e entendida como muito vasta e abrangente. Pois envolvia a temática densa e desafiadora, da natureza e da missão da Igreja de Cristo.
De fato, nas esperanças ecumênicas começava a surgir a temática central do Concílio. Seu grande tema seria a própria Igreja.
De maneira superficial, os que hoje pretendem diminuir a importância deste Concílio, dizem que ele foi convocado sem ter assunto, e que se limitou a recomendações de ordem pastoral, sem definições doutrinárias de peso.
Muito ao contrário! Ele abordou, de maneira delicada e esperançosa, a grande questão que vem se arrastando há séculos na Igreja.
Portanto, desde o seu anúncio, este Concílio se defrontou com um tema teologicamente muito denso, e pastoralmente muito complexo.
Isto nos leva a outra observação muito importante: por ter abordado uma questão que atravessava séculos, esse concílio não se esgota em décadas. Ele requer uma recepção mais demorada e progressiva. Daí a demanda por continuar o processo que ele desencadeou. Daí também o risco de ser anulado por resistências inerentes a cristalizações históricas.
Por isto, a sustentação de suas verdadeiras intenções é tão importante agora, quanto foi o empenho em realizá-lo 50 anos atrás. A causa do Concílio ainda continua em pauta. Daí a importância de uma consistente celebração do seu jubileu, para resgatar sua temática, consolidar seus avanços, e impedir retrocessos. A aplicação do Concílio não se esgotou, e ela depende de o processo conciliar é levado adiante.
4 – A estratégia adotada
Para entender este Concílio, precisamos nos dar conta de outra circunstância importante. Ele tinha que contornar as resistências, vindas do peso de uma longa tradição, sedimentada na Igreja, que devia ser respeitada, para conseguir a adesão dos bispos, e ao mesmo tempo devia ser superada, para acolher as propostas de renovação eclesial, em todos os seus âmbitos.
Isto fez com que se firmasse um procedimento que consistia em concordar com as posições mais tradicionais, deixando, porém as portas abertas para ulteriores avanços, que eram genericamente acenados pelos textos que iam sendo aprovados.
A estratégia era conseguir os grandes consensos, deixando as "portas abertas" para ulteriores avanços.
Quem mais precisou carregar esta tensão entre "o novo e o velho" foi o documento Sacrossantum Concilium, sobre a liturgia. O número 36 deste documento serve de exemplo para ilustrar esta estratégia. Afirma que a língua oficial da liturgia continua sendo o latim. Mas vai citando diversos motivos que abrem caminho para o conveniente e progressivo uso das línguas vernáculas, quando fosse conveniente para o povo.
Terminado o Concílio, não demorou muito a aprovação das normas que reconheciam o conveniente uso das línguas vernáculas em todas as partes da liturgia e em outras celebrações!
Mas, esta estratégia pagou o seu preço. Não tomando decisões, mas confiando que aos poucos as portas se abrissem, acontece que muitas foram, ao contrário, foram se fechando. E assim, este concílio pode ser caracterizado como um Concílio rico nas intenções, mas tímido nas decisões.
Não explicitou as conseqüências derivadas de uma Igreja entendida como Povo de Deus, onde todos são chamados a participar, de maneira adequada e orgânica. Não apontou as conseqüências práticas da colegialidade episcopal, não apontou critérios para reforma da Cúria Romana e para o novo relacionamento entre a Santa Sé as Igrejas Locais, e assim por diante.
A única decisão prática referente ao exercício do ministério ordenado, foi a restauração do diaconato permanente.
Depois de 50 anos, este concílio precisa ser resgatado a partir de suas grandes intuições, que precisariam agora de um forte respaldo eclesial para a sua implementação.
Será que é possível retomar um amplo consenso em torno das grandes intuições do Concílio?
5 – As articulações no Concílio
Não se entende o desenrolar deste Concílio, sem o eficiente trabalho de articulação, exercido por alguma algumas instituições e algumas pessoas.
Na pequena síntese que apresento no livro Revisitar o Concílio, menciono o intenso trabalho realizado especialmente por D. Helder e D. Larrain, e Mons. Echegaray.
Vale ressaltar que a única articulação continental de bispos era o Celam, que tinha sido fundado em 1955 no Rio de Janeiro. E a CNBB, fundada em 1952, já existia há dez anos, e já tinha assimilado bastante o método de trabalho realizado em conjunto, que introduziu no Concílio a prática de assinaturas coletivas em propostas apresentadas na aula conciliar.
Agora, depois de 50 anos do Concílio, vale a pena perguntar: existe clima favorável para articulações eclesiais, visando a renovação da Igreja?
6 - A recepção do Concílio
Sabemos que a eficácia dos eventos eclesiais depende da recepção que encontram. No que se refere a este Concílio, que assumiu um tema tão rico e profundo como é o da renovação da Igreja, depois de 50 anos surge com força a pergunta: será que ele teve a recepção que seu conteúdo merecia?
De um lado, já lembramos as resistências, que começaram durante as sessões conciliares, e se acentuaram depois, sobretudo provenientes de ambientes conservadores e resistentes a mudanças.
Vale ressaltar que a Igreja da América Latina foi a única que, prontamente, organizou uma recepção continental ao Concílio, com a Conferência Geral de Medellin, em 1968.
Ao nível de Conferências Episcopais, de novo, o destaque precisa ser dado a iniciativas muito fecundas de conferências episcopais de países latino-americanos.
A CNBB, por exemplo, aproveitou a última sessão conciliar para, ainda em Roma, renovar sua organização e elaborar um Plano Nacional de Pastoral de Conjunto, aprovado em sua assembléia de 1966, todo ele voltado a efetivar as mudanças propostas pelo Concílio.
Não é de estranhar que o Concílio tenha encontrado resistências localizadas. Por razões históricas, a Igreja vinha de um longo processo de cristalização de suas práticas pastorais, e de suas formulações doutrinais, devido sobretudo ao embate decorrente da Contra Reforma, suscitada pela Reforma Protestante, que durava séculos, desde o Concílio de Trento.
Por isto, as propostas de renovação eclesial podiam causar algumas inseguranças, que foram prontamente superadas onde a implementação do Concílio foi feita de maneira orgânica e progressiva.
Certamente aconteceram instabilidades, decorrentes de alguns equívocos, sobretudo de ordem pastoral, e também de ordem vivencial. Estes se manifestaram sobretudo em milhares de casos de abandono do ministério ordenado, e de desistências da vida religiosa. Estas situações de mostraram mais graves, nem tanto pelo fato em si, mas pelas resistências oferecidas por parte da hierarquia, em integrar eclesialmente as novas situações decorrentes destes episódios.
É de salientar o Sínodo especial de 1985, dedicado a avaliar os vinte anos de aplicação do Concílio. Este sínodo, sem dúvida, produziu uma forte inflexão na recepção do Concílio, ao relativizar a descrição da Igreja como "Povo de Deus", e ao substituir esta ênfase por outra, afirmando que a consistência maior do ensinamento conciliar está no capítulo primeiro da Lumen Gentium, que trata do "Mistério da Igreja". Perdeu força a visão de "Igreja Povo", e voltou a ganhar força a visão da "Igreja instituição".
Em síntese, dá para dizer que depois de 50 anos, não se concluiu ainda uma adequada recepção deste Concílio, tão complexo em suas propostas e em seus desdobramentos.
7 - As grandes intuições do Vaticano II
Foi no final da primeira sessão conciliar, em 1962, que emergiu com força a constatação de que este Concílio se defrontava com o vasto tema da Igreja, de sua identidade, de sua organização, de sua missão.
De fato, ele pode ser identificado como um concílio claramente eclesiológico. Como os primeiros grandes concílios foram cristológicos, dedicados a formular adequadamente o mistério de Cristo, este Concílio se dedicou a descrever a identidade da Igreja e sua missão no mundo.
Suas afirmações mais consistentes, do ponto de vista teológico e pastoral, podem ser identificadas em três grandes afirmações:
- a Igreja como Povo de Deus, recuperando a dimensão bíblica e histórica da Igreja de Cristo.
- a Colegialidade Episcopal, reconhecendo o caráter apostólico do episcopado, presidido pelo Bispo de Roma, e co-responsável pela vida de toda a Igreja, colocando o verdadeiro fundamento da unidade e da descentralização administrativa da Igreja.
- a Igreja como servidora da humanidade, abrindo caminho para o anúncio da mensagem evangélica, destinada a todas as nações.
Destes três pontos centrais decorem os grandes desdobramentos teológicos pastorais deste Concílio: a importância das Igrejas Locais como encarnações da verdadeira Igreja Universal, o valor das Conferências Episcopais como encarnação prática da Colegialidade Episcopal, a valorização das Comunidades Eclesiais, como ambiente propício da vivência do Evangelho encarnado nas realidades cotidianas, a presença de serviço na sociedade, no respeito mútuo pela autonomia das realidades temporais, sem prejuízo da missão eclesial de testemunhar o Evangelho.
Afinal, a Lumen Gentium, em sintonia com os ouros quinze documentos conciliares, colocou as bases firmes para a edificação da verdadeira Igreja de Cristo. Como aos Coríntios, São Paulo nos adverte: o fundamento é este! Agora veja cada um como constrói!
8 - A vigência do Vaticano II
Pela amplitude e profundidade dos temas abordados, este Concílio, certamente, ainda não esgotou a sua vigência.
A este propósito vale recordar, de novo, as palavras de João Paulo II no Novo Millenio Ineunte: "Sinto ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa".
Para isto, vejo como necessário voltar ao Concílio, para perceber a densidade de suas propostas. É preciso "revisitar o Concílio", para conhecê-lo melhor, e colocá-lo em prática.
Mais que propor um novo Concílio, que sempre pode acontecer na Igreja, me parece que a atitude mais positiva é recuperar a conciliariedade da Igreja. Que se fortaleça e se respeite o clima de diálogo teológico e pastoral, que se valorizem os instrumentos de participação orgânica na Igreja, que se potencialize melhor a prática dos "sínodos", que se recupere o clima de esperança em nossas comunidades.
9 - Conclusão: um novo Concílio?
Para concluir, permito-me lembrar a modesta sugestão, apresentada pelo Cardeal Martini, no Sínodo Continental da Europa, na década de 90!
Ele disse que seria bom convidar todos os bispos do mundo, para abordar três assuntos:
- no interior da Igreja, que se renove o exercício dos ministérios, desde o petrino até os ministérios comunitários confiados aos leigos. Portanto, uma ampla mudança na estrutura ministerial da Igreja.
- No relacionamento com os outros cristãos, que se coloquem as bases de um amplo entendimento teológico, que possibilite a progressiva aproximação e finalmente a superação das divisões existentes.
- E diante do mundo de hoje, empreender uma ampla reflexão sobre a urgente necessidade da inculturação do Evangelho, para que a Igreja de Cristo possa assumir as feições das diversas culturas existentes neste mundo, e não se limite a uma só delas, sufocando a força do Evangelho, e impedindo que ele seja acolhido por todos os povos.
O Concílio Vaticano II, realizado há 50 anos, ainda continua, certamente, nos inspirando, e nos animando a retomar seus objetivos e sua dinâmica.
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Dom Demétrio Valentini abre as Jornadas Teológicas Andinas, em Bogotá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU