06 Outubro 2011
Antes das chuvas de verão, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação pretende inaugurar um centro nacional de alerta de desastres naturais e prever o risco de deslizamentos de encostas e inundações de rios em 25 cidades brasileiras. Em um primeiro momento, o Cemaden, como foi batizado, trabalhará com as cidades que já tem mapeadas as áreas de risco, mas a ideia é chegar a mil municípios no futuro.
O leque de desastres naturais também será ampliado e o centro passará a examinar também o risco de incêndios em vegetação no Centro-Oeste, por exemplo, ou os danos da erosão costeira, a ocorrência de vendavais ou quebras de safras de subsistência no Nordeste, devido à seca intensa.
O Cemaden está sendo montando em Cachoeira Paulista, interior de São Paulo, em prédio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "No começo, trabalharemos mais com deslizamentos de encostas e inundações, porque são os desastres naturais que mais causam vítimas fatais", diz o climatologista Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do ministério.
Em quatro anos, deverão ser investidos R$ 250 milhões, sem contar os salários do quadro técnico. Estão sendo comprados 2.500 pluviômetros (equipamentos que medem o volume de chuvas), que serão espalhados nas áreas de risco. A estimativa é que entre 3 milhões e 5 milhões de brasileiros vivam nessas áreas. "Esse não é um desafio simples, e não é só do governo federal", diz Nobre. "Não pode ser visto só como se o centro, sozinho, fosse resolver o problema."
A entrevista é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 06-10-2011.
Eis a entrevista.
Quando o Cemaden será inaugurado?
Queremos abrir até o fim do ano, para que o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) esteja funcionando antes das chuvas pesadas do verão. Será em Cachoeira Paulista, em um prédio que o Inpe já não usava e nos deu. Faremos a sala de situação lá.
Por que o centro será ali?
Fizemos um estudo técnico e decidimos colocá-lo em Cachoeira Paulista, no campus do Inpe, para aproveitar a infraestrutura que o ministério já construiu naquela região. Temos lá o supercomputador Tupã e toda a experiência do Inpe na área de previsão do tempo. É um projeto de altíssima urgência e esforço. Estamos fazendo um concurso público para 75 técnicos e pesquisadores para o quadro inicial do centro. O diretor é o professor Reinhardt Adolfo Fuck, da Universidade de Brasília, geólogo muito conhecido e membro da Academia Brasileira de Ciências.
Como irá funcionar?
O centro fará alertas, com precisão, de desastres naturais. No começo trabalharemos mais com deslizamentos de encostas e inundações, porque são os desastres naturais que mais causam vítimas fatais no Brasil.
O senhor diz que o centro começa trabalhando com 25 cidades? Como foi feita a seleção?
O centro é nacional, mas vamos começar com os municípios que têm bons mapeamentos de áreas de risco. Não podemos ter uma boa previsão de desastre natural sem isso. O desastre acontece, por exemplo, onde há uma situação geológica instável e populações na área. Não vamos monitorar processos naturais de deslizamentos em áreas onde não vive ninguém. O número de municípios com bons mapeamentos é pequeno ainda, mas são cidades com grandes contingentes populacionais: São Paulo, Rio, região serrana do Rio, Campos do Jordão, muitos municípios da Serra do Mar, o Grande ABC, cidades do litoral paulista, cidades do Vale do Itajaí, Grande Salvador, Grande Recife, Grande Maceió. Essas cidades representam um grande número de pessoas em áreas de risco.
Quantas pessoas?
Esse é um número estimado, não é científico: o Brasil tem entre 3 milhões e 5 milhões de pessoas vivendo em situação de risco de desastre natural. É um número muito alto.
Onde elas vivem?
Em encostas ou em planícies de rios, que saem do seu leito e inundam. Há uma série de outras situações, mas as duas principais são essas.
Ressacas de mar?
A população já se adaptou à ressaca, que é um fenômeno bem mais raro. O mais preocupante é a erosão costeira, um processo mais lento. Pode-se ter uma vila de pescadores ou uma infraestrutura importante costeira, e a erosão afeta a ponto de inviabilizar a área. Está acontecendo no Nordeste, da erosão ir comendo a praia. Ressaca causa distúrbio, a água invade alguns lugares, mas, nesse caso, a preocupação maior é com o aumento do nível do mar. Aí, sim.
O que acontece?
Em cem anos, o nível do mar pode aumentar entre 0,5 metro e 1,5 metro. Este aumento é global, não irá aumentar em cada ponto da costa, claro, mas é preciso somar este valor à altura do nível do mar e associá-lo à ressaca. Como os ventos e as tempestades sobre os oceanos também estão ficando mais intensos em função do aquecimento global, o número deve ser multiplicado por, no mínimo, dois. Ou seja, se em um local se estima que, em cem anos o nível do mar vai aumentar "x", as obras e os cálculos para ver onde se alocam as pessoas têm que ser feitos duas vezes aquele "x", por causa do aumento da intensidade das ressacas. Isso já está sendo observado em várias partes do mundo.
O aumento do mar?
Isso. Se a ideia é fazer, por exemplo, uma barreira de proteção de tsunamis no Japão, tem que se observar essa conta. A onda do tsunami japonês, na hora em que estourou, tinha 50 metros de altura. Na média, teve entre 10 e 12 metros.
Como funcionará o centro brasileiro?
Os mapeamentos mostram em alta resolução as áreas de risco. A classificação é em quatro níveis: muito alto, alto, médio e baixo. Nos lugares de risco muito alto e alto, as chuvas serão monitoradas com grande detalhe. O desastre é o rio saindo de seu leito ou uma camada de solo escorregar e levar tudo, aquele rio de lama, como na região serrana do Rio de Janeiro. O deflagrador, nos dois casos, é a chuva persistente e excessiva. Estamos agora desenvolvendo modelos matemáticos para ligar a chuva ao risco de deslizamento ou ao risco de o rio transbordar e afetar populações ribeirinhas. O centro vai ficar 24 horas monitorando esses deflagradores de desastres.
Isso já existe no Brasil?
Em escala nacional, não. Na cidade do Rio de Janeiro, existe um excelente exemplo, o Alerta Rio, para deslizamentos. Foi inaugurado este ano, mas o sistema precursor vem sendo montado há 20 anos. Criaram capacidade, desenvolveram um mapeamento muito detalhado das áreas de risco da cidade. Agora, sirenes tocam nas favelas quando existe risco.
Como a população é avisada do risco?
O exemplo do Alerta Rio é o melhor que temos para deslizamentos. O serviço é fornecido por uma instituição da Prefeitura do Rio, a GeoRio, que tem geólogos e meteorologistas. Quando os técnicos querem dar o alerta, acionam as sirenes, lá do centro, a partir de um sistema eletrônico. As populações já foram preparadas, sabem para onde devem ir e como proceder. Têm que pegar um kit com documentos e itens de emergência, como lanterna, porque pode acabar a luz. E então sair e ir para um lugar seguro. Ninguém vai pegar móvel nem nada. Salvar a vida em um evento desses é questão de minutos. Esses sistemas funcionam, com bons alertas, entre seis e duas horas antes da ocorrência de desastres. São sistemas para salvar vidas.
Já existe algum sistema que dê alerta de inundações?
Tem o exemplo do Vale do Itajaí. Em 2008, morreram lá mais de 130 pessoas, duas ou três por afogamento. A maioria foi pelo deslizamento. O sistema do Vale do Itajaí foi desenvolvido a partir da grande inundação de 1983, que matou mais de 200 pessoas. A Defesa Civil avisa com horas de antecedência quanto o rio vai subir, as pessoas já tem seu kit, sobem para uma igreja ou escola mais alta e saem do vale do rio. O que aconteceu é que muita gente saiu do vale e ocupou as encostas. E aí morreram, porque a encosta deslizou. Quer dizer, se correr o bicho pega, se parar o bicho come. Não devia ter sido permitido que as pessoas ocupassem outras áreas de risco. Antes elas tinham o risco de morrer afogadas, porque as inundações ali são muito rápidas, já matavam gente nos séculos XVIII e XIX. O rio pode subir seis metros em uma ou duas horas. Se acontece de madrugada, muita gente é pega dentro de casa, a água entra e mata.
A comunicação do que fazer em caso de desastre é responsabilidade da Defesa Civil?
Sim, o principal cliente do centro é a Defesa Civil. Para funcionar bem, a Defesa Civil também tem que instalar esta capacidade em todas as áreas de risco. Não é desafio simples e não é só do governo federal, é preciso se colocar isso com clareza. Não pode ser visto só como se o centro, sozinho, fosse resolver todo o problema. Trata-se de um esforço articulado.
Há outros exemplos de sistemas de alerta no Brasil?
Temos um sistema muito bom de alerta de inundação também em Minas, no Vale do Rio Doce. Para deslizamento, há boas experiências no litoral paulista. Quando chove muito, geólogos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) vão inspecionar Campos do Jordão e cidades do litoral, examinam sinais de que possa vir a ocorrer um deslizamento e, com a Polícia Militar e a Defesa Civil, retiram as pessoas das casas. No começo, as pessoas não queriam sair, demorou para adquirir cultura. Hoje, saem. O Cemaden dará escala nacional a essas iniciativas e colaborar com os esforços locais que existem.
Qual é o investimento?
Só na parte do alerta, que não engloba o trabalho da Defesa Civil, estimamos em R$ 250 milhões, em quatro anos. Não estou considerando aí o gasto com pessoal. Se colocar salário, a conta passa de R$ 350 milhões. Este ano, para começar a instalar o sistema, vamos gastar R$ 20 milhões. Para atingir mil municípios, teremos que investir 250 milhões, mais salários.
Quantas cidades sofrem deslizamentos e inundações?
Estimamos algo em torno de mil municípios.
Como o município pode mapear suas áreas de risco?
O PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] tem verba para as prefeituras requisitarem mapeamentos. O complicado é que o município tem que requisitar, ou seja, se a cidade quiser fazer, faz. Para os muito pequenos, que não pedirem ajuda, vamos encontrar outro mecanismo. Para os outros, ótimo. Só terão que seguir uma metodologia determinada, porque hoje é o samba do crioulo doido.
O sr. pode dar mais exemplos do trabalho do centro?
A médio prazo queremos atingir mil municípios e generalizar a previsão do tipo de desastre natural. Como prever risco de colapso de safra de subsistência, como feijão ou mandioca, no semiárido do Nordeste, por seca violenta, por exemplo. O governo tem que colocar bilhões de reais quando isso acontece. Não podemos impedir a seca, mas queremos desenvolver um sistema que permita um alerta precoce para o governo não ser pego no contrapé. A ciência indica que conseguimos ter uma boa estimativa de risco de colapso de safra com um ou dois meses de antecedência. Isso daria margem para uma série de ações preparatórias, de o governo deslocar alimentos, planejar carros-pipa e frentes de trabalho. O custo de se fazer um trabalho emergencial é muito maior do que se fazer um trabalho planejado.
O centro poderá prever erosão costeira, ventos, incêndios?
Erosão costeira é outro ponto. Vendavais, também. Dá para ter boa previsão de ventos muito fortes, que provocam grandes prejuízos, com duas a quatro horas de antecedência. E criar, com a Defesa Civil, um meio de educar as pessoas para que não fiquem em lugares abertos, que não saiam de casa. É possível também prever o risco de ocorrência de grandes incêndios de vegetação, muito comuns em áreas do Centro-Oeste, Nordeste e Norte. São incêndios naturais que acontecem no Cerrado, no Nordeste, na Amazônia. Dá para prever o risco: o supercomputador dá o indicativo climático. São eventos associados a momentos de baixa umidade, alta temperatura e ventos fortes, com uma fonte de ignição, que extravasa para a vegetação. Temos que desenvolver modelos matemáticos para esses eventos e um bom sistema nacional de alerta. No desastre da região serrana do Rio, o prefeito que pediu para alguém sair com um alto-falante e avisar a população, salvou todo mundo. Mas o sistema não pode depender disso. Temos que trazer racionalidade ao processo.
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País terá centro de alerta para prever desastres naturais. Entrevista com Carlos Nobre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU