06 Outubro 2011
O jesuíta italiano Paolo Dall"Oglio (foto) escolheu viver na Síria, onde fundou a comunidade Al-Khalil, um mosteiro de Mar Musa, há 30 anos. Enquanto a Síria se afunda na crise, ele quer acreditar na reconciliação nacional e convida todas as partes a fazer a escolha da não violência.
A reportagem é de Julien Couturier, publicada no jornal La Croix, 03-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Como se explica a crise que atinge a Síria?
O país está agora sob o domínio de duas formas de tensão. A primeira é de natureza cultural e geracional. Uma grande parte da população síria não quer mais viver sob uma ditadura totalitária. O que era aceito ou tolerado antes, já não é mais. A segunda tensão é de natureza confessional e ética. O regime sírio é construído sobre a dominação absoluta da família Al-Assad, que faz parte da minoria alauíta, associada às outras minorias do país e a certos "clientes" sunitas, por motivos de natureza econômica e tribal. Aqueles que detêm hoje o poder não estão dispostos a abandoná-la. Mas a capacidade desse sistema de ir até o fim nessa "lógica do poder" supera todos os limites da razoabilidade.
Por que os membros da comunidade cristã ou defendem o regime ou permanecem neutros?
Os cristãos da Síria têm medo da democracia, a tal ponto de aceitar que sejam cometidos atos totalmente contrários aos direitos humanos. Isso se explica com a recordação da guerra civil no Líbano, que atingiu profundamente os cristãos da Síria, seja pela existência de muitos laços familiares entre os dois países, seja mais recentemente pela vontade de certas potências estrangeiras de introduzir a democracia no Iraque, que se resolveu com a perseguição dos cristãos iraquianos, que não tiveram outra escolha do que o exílio. Assim, tanto no Líbano quanto no Iraque, ou até no Egito hoje, a experiência democrática se revela desastrosa para os cristãos.
A instauração da democracia na Síria teria necessariamente como consequência a marginalização dos cristãos ou o seu exílio?
Isso é o que muitos acreditam! A democracia não faz parte da herança cultural dos cristãos da Síria. Ela jamais existiu no seio da Igreja, que não funciona de modo democrático, assim como não existe na família, regida pelo sistema patriarcal, e muito menos no nível da sociedade, que jamais a conheceu como tal. Os cristãos são confrontados com uma escolha difícil: pede-se que eles confiem em um sistema democrático do que eles não sabem nada e no qual correm o risco de perder tudo. Por esse motivo, a maioria prefere continuar apoiando um regime que os protege, em vez de apostar em valores hoje abstratos e teóricos.
Os muçulmanos são os primeiros a reivindicar a instauração da democracia na Síria e a invocar a queda do regime ditatorial de Bashar Al-Assad...
Sem dúvida, mas, para os muçulmanos desse país, a democracia significa o fim da ditadura das minorias e a retomada dos negócios por parte da maioria sunita, que hoje vive em uma situação muito semelhante à que a maioria xiita conhecia no Iraque no tempo de Saddam Hussein.
Existe um sistema político que seja adaptável à complexidade da sociedade síria?
Sim, se trataria de um sistema no qual não seria a comunidade de pertencimento que constituiria o elemento determinante, mas sim a capacidade – garantida pela Constituição – de obrigar todos os componentes da sociedade a buscar soluções de compromisso. É o que eu chamei de "democracia consensual", em que todas as decisões importantes devem ser adotadas com um amplo consenso, recolhendo algo como 70% dos votos, e não com uma maioria por um único voto. Nesse sistema, o presidente da República deveria ter um papel de árbitro e não de líder.
Bashar Al-Assad ainda pode se transformar em árbitro ou é muito tarde?
Restam poucas esperanças. No entanto, não queremos fechar a porta ao diálogo. O regime ainda pode fazer a escolha de abandonar a lógica da violência, aceitando perder uma parte do seu poder, se não quiser perder tudo amanhã. Mas a escolha da não violência deve ser aceita por todos. Os manifestantes devem continuar sendo pacíficos, e somos contrários a qualquer forma de intervenção militar estrangeira, assim como condenamos as sanções econômicas, uma violência infligida sobre os mais pobres da sociedade, enquanto economiza os mais ricos.
Há uma esperança de reverter a tendência de repressão maciça do regime?
Será difícil, porque a não violência não faz parte da cultura do país. Recém organizamos, justamente aqui, uma semana de "reconciliação". Também lançamos um apelo a todos os movimentos pacifistas do mundo, por exemplo, o movimento mundial dos escoteiros, ou os órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos, para que ofereçam a sua mediação para permitir que as partes em conflito se comuniquem. Para viver juntos amanhã, é preciso respeitar hoje a dignidade do outro, enquanto ser humano, excluindo qualquer outra condição.
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"Os cristãos da Síria têm medo da democracia". Entrevista com Paolo Dall'Oglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU