06 Outubro 2011
O estudioso inglês John Barrow (foto), prêmio Templeton de 2006, explica a sua relação com a religião: "A ciência tem um lado espiritual". "Quem se concentra sobre as leis da natureza está acostumado a lidar com os aspectos não perceptíveis da realidade". "Eu encontrei o papa e estive no Meeting de Rimini, que é como falar em um estádio da Copa do Mundo".
A entrevista é de Piergiorgio Odifreddi, publicada no jornal La Repubblica, 04-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Todos conhecem o Prêmio Nobel, que todos os anos é concedido em Estocolmo para a literatura, física, química, medicina e economia, e, em Oslo, para a paz. Mas poucos conhecem o Prêmio Templeton, que todos os anos é concedido em Londres por "excepcionais contribuições para a afirmação da dimensão espiritual da vida".
O prêmio leva o nome do bilionário Sir John Templeton, que o instituiu em 1973 e decidiu que o cheque que o acompanha fosse, por estatuto, mais alto do que o do Prêmio Nobel: em particular, hoje, um milhão de libras esterlinas.
Embora muitas vezes se indique o Prêmio Templeton de maneira apressada como um prêmio para a religião, na realidade a espiritualidade é outra coisa. Einstein pensava que, hoje, os únicos seres verdadeiramente espirituais eram os cientistas, e, nos últimos 20 anos, o prêmio frequentemente confirmou a sua intuição.
Em particular, em 2006, ele foi conquistado por John Barrow, conhecido físico e divulgador popular. Nós nos encontramos em Roma para falar precisamente das relações entre ciência, religião e prêmio Templeton.
Eis a entrevista.
Permita-me, em primeiro lugar, perguntar-lhe que religião o senhor professa.
Pertenço àquela que, na Inglaterra, se chama de Igreja Reformada Unida e que nasceu há cerca de 40 anos da união entre a Igreja Presbiteriana e a Igreja Congregacional. Historicamente, trata-se da tradição protestante não anglicana.
Não que eu possa ambicionar a isso, mas como se ganha o prêmio Templeton?
Acima de tudo, você precisa ser nomeado: no ano passado foram nomeadas 400 pessoas. Depois, há subcomissões, que analisam os trabalhos dos nomeados pertencentes a uma mesma área. Depois, há um júri que recebe cerca de 50 processos e decide.
Parece semelhante ao mecanismo do Prêmio Nobel.
Na realidade, é exatamente o mesmo. Sir John Templeton tinha cuidado dos investimentos financeiros da Fundação Nobel e, dessa experiência, surgiu-lhe a ideia de instituir um prêmio cujo valor superasse o deles.
Por que é o Duque de Edimburgo que entrega o prêmio, e não a rainha?
Pediram-lhe isso [à rainha], mas, sendo a chefe da Igreja da Inglaterra, ela não o considerou apropriado. Templeton pediu, então, ao duque, que era seu amigo. No início, ele era cético, mas aceitou quando lhe disseram que a primeira premiada seria a Madre Teresa. Conta-se que, depois da premiação, as suas irmãs a cercaram festejando, pedindo-lhe para ver o cheque, e ela se deu conta de que o havia esquecido na sala da cerimônia.
Onde?
No Palácio de Buckingham. Onde, entre outras coisas, eu voltei algumas semanas atrás, para a entrega do prêmio ao astrônomo Martin Rees.
Sobre Rees, alguns cientistas criticaram duramente pela sua aceitação do prêmio.
Não me parece que haja motivos para essas críticas: nem para o financiamento da fundação, que é conferido com base em pedidos oficiais, para projetos ou congressos. Na matemática, por exemplo, há um interesse particular pelos fundamentos: por isso, financiaram o congresso sobre Gödel em Viena, em 2006, do qual participamos, tanto eu quanto ele. Não vejo nada de mal.
Mas se acusa a Fundação Templeton de ser um cavalo de Troia da religião na ciência.
Na realidade, o estatuto da fundação proíbe o apoio a qualquer religião. John Templeton, de fato, não era um fundamentalista religioso, apesar do que muitos pensam. Ele não tinha nenhum interesse pelas organizações e pelas práticas religiosas, que acusava de instigar as diferenças entre as pessoas. E nem pela teologia e pela história. Ele se interessava, ao contrário, pelas grandes questões da ciência, tais como a natureza e a origem do universo ou da vida.
Aplicações, portanto, mais do que teoria.
Exatamente. Por exemplo, na matemática, ele se interessava por áreas como a teoria dos jogos, para compreender aspectos como o comportamento humano em geral, e o altruísmo, em particular.
Mas não se pode dizer o mesmo da Igreja Católica, que é obviamente um organização confessional. E o senhor não se encontrou apenas com a rainha e o duque, mas também com o papa.
Três vezes, eu acho. Mas, enquanto Hawking é membro da Pontifícia Academia de Ciências, eu não sou.
Mas o senhor participou do projeto Stoq sobre "ciência, teologia e questão ontológica", organizado pelo cardeal Ravasi.
É um projeto novo, do qual honestamente eu não sei muito. Fiz apenas uma conferência sobre a cosmologia. Acredito que me convidaram por causa de Gennaro Auletta, um padre da Gregoriana, que escreveu um grande livro de mecânica quântica com Giorgio Parisi.
Ainda não lhe convidaram para o chamado Átrio dos Gentios, também organizado pelo cardeal Ravasi, que gostaria de reunir os crentes com os não crentes menos incômodos, ou mais acomodados?
Não, eu nunca ouvi falar disso. Mas eu estive no Meeting de Rimini, que é mais ou menos como ir falar em um estádio da Copa do Mundo de futebol. Lá, eu havia sido convidado por Elio Sindoni e Giulio Giorello, que também organizaram uma espécie de exposição interativa sobre a história da ciência.
Como o senhor se sente, frequentando todas essas pessoas: Templeton, o papa, Ravasi, Comunhão e Libertação... ? O senhor sabe que, na Itália, tentam lhe fazer passar por um "cientista colaboracionista"?
São coisas muito ocasionais. Em geral, frequentemente não aceito convites desse tipo, nem conferências de divulgação. Senão, eu não faria outra coisa. Muitas vezes, os divulgadores abandonam a pesquisa, mas eu continuo escrevendo uma dezena de artigos técnicos por ano: esse é o meu verdadeiro trabalho.
E qual é a relação entre o seu trabalho científico e a sua prática religiosa?
Eu penso que, quando se fala de ciência e religião, as relações são diferentes dependendo de qual ciência e quais cientistas são levados em consideração. É muito diferente falar sobre biologia e biólogos, ou sobre física e físicos.
De fato, a porcentagem mínima de cientistas crentes é encontrada justamente entre os biólogos: só 4% no mundo!
Os físicos e os astrônomos se concentram nas leis da natureza e estão acostumados a lidar com aspectos não perceptíveis da realidade. Estão impressionados com a lógica e com a precisão matemática do universo e facilmente se tornam pitagóricos ou platônicos. Os biólogos, ao contrário, não se interessam pelas leis da natureza em si mesmas, mas só pelos seus efeitos. Por isso, os físicos e cosmólogos são muito mais abertos com relação a problemáticas que têm a ver com o significado oculto das coisas.
Na verdade, muitos físicos olham com suspeita para as cordas ou para a teoria do tudo.
É verdade, veem no desejo de chegar a uma única teoria unificada uma motivação de tipo metafísico ou até religioso. Mas a questão interessante a ser feita é se aqueles que trabalham em um certo campo tendem a desenvolver certas ideias, ou se, ao contrário, escolheram trabalhar nesse campo aqueles que eram propensos a ter certas ideias. Talvez, as diferenças religiosas entre Dawkins e eu se reduzem ao simples fato de que ele é um biólogo, e eu sou um cosmólogo.
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Como a física convive com a minha fé. Entrevista com John Barrow - Instituto Humanitas Unisinos - IHU