O historiador e analista de relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Daniel Santiago Chaves aponta sinais de fraturas anteriores ao governo de
Evo Morales nos recentes conflitos envolvendo a construção de uma estrada em território indígena.
A entrevista é de
Wilson Tosta e publicada pelo jornal
O Estado de S. Paulo, 01-10-2011.
Eis a entrevista.
A atual crise na Bolívia, opondo indígenas a um governo chefiado por um indígena, é uma surpresa recente ou essas tensões internas são antigas?
A crise é resultado de um longo processo de tensões internas envolvendo as forças indígenas nacionais, que não necessariamente têm a mesma agenda e são diversas nas suas próprias formações. Não há um "indígena nacional" claro na Bolívia. Por sinal, foi
Evo Morales, como liderança nacional, quem conseguiu essa aglutinação, cuja falta sempre foi um problema histórico.
Os protestos têm apoio da Central Operária Boliviana (COB) e de parte do funcionalismo. São setores insatisfeitos com Evo?
Sim, há uma insatisfação geral com relação às políticas públicas para a classe trabalhadora. Talvez pela pluralidade de demandas, o governo não consiga fazer uma oferta de melhoria das condições de vida e de trabalho. Em um governo cuja base popular é ampla e fraturada, é difícil manter a governabilidade, ainda mais na Bolívia.
Pode haver divisão entre os setores indígenas e de esquerda que apoiam Evo?
A divisão existe desde a década de 80, com agendas distantes pela incapacidade das percepções da esquerda de contemplar as reivindicações indígenas. O que é novo no
governo Evo é a identidade do indígena, que historicamente não tem acesso, como a esquerda, às negociações de gabinete. Numa era de problemas ambientais, a luta pelos direitos sobre a terra ganha força, e investidores devem ficar atentos.
O Brasil tem sido acusado de ser imperialista na Bolívia. Isso é apenas um slogan ou a atuação brasileira por lá ameaça direitos e interesses locais?
É um slogan, mas merece atenção. O Brasil não intervém nos países vizinhos. Ter poder econômico em uma região pobre não representa imperialismo. No entanto, a pecha pode cair sobre nós com facilidade, caso não tenhamos sensibilidade para entender assimetrias internas dos vizinhos.
Há outros problemas potenciais na Bolívia?
Desde 2008, a oposição perdeu força com o esvaziamento promovido pela
Unasul, que apoiou
Evo. No entanto, se o governo não fizer sua oportunidade histórica virar realidade concreta, a opinião pública boliviana vai jogar o país de novo na ingovernabilidade.
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Tensão indígena é antiga no país" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU