21 Setembro 2011
Manfred Max-Neef estudou economia e fez carreira como empregado da Shell. Em 1957, deu as costas à indústria e se dedicou a estudar os problemas dos países em desenvolvimento. Trabalhou para organizações da ONU e em diversas universidades dos Estados Unidos e da América Latina. Inspirado pelo imperativo de Schumacher "small is beautiful", desenvolveu teses que denominou de "Economia Descalça" e "Economia em Escala Humana". Nos anos 90 formulou, com a hipótese do "Umbral", a ideia de que a partir de determinado ponto do desenvolvimento econômico, a qualidade de vida começa a decair.
Manfred ganhou em 1983 o Right Livelihood Award, conhecido como o Prêmio Nobel Alternativo, dois anos depois de ter publicado o seu livro Economia descalça, sinais do mundo invisível. O economista começa por nos explicar o conceito de economia descalça.
A entrevista é de Amy Goodman e está publicada no sítio da revista chilena Mundo Nuevo, 31-08-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Bom, é uma metáfora, mas é uma metáfora que se originou de uma experiência concreta. Eu trabalhei em torno de 10 anos da minha vida em áreas de pobreza extrema nas serras, na selva, em áreas urbanas de diferentes partes da América Latina.
No começo deste período estava um dia em uma aldeia indígena na serra do Peru. Era um dia horrível, choveu o tempo todo. Era uma zona muito pobre e na minha frente havia um homem parado na lama (não na favela pobre, mas na lama). E bom, nos olhamos. Era de estatura baixa, magro, com fome, desempregado, cinco filhos, uma esposa e uma avó. Eu era o refinado economista de Berkeley, que ensinava em Berkeley, etc. Nos olhávamos cara a cara e logo me dei conta de que não tinha nada coerente a dizer nessas circunstâncias a este homem, que toda a minha linguagem de economista era inútil. Deveria lhe dizer que ficasse feliz pelo fato de que o PIB havia aumentado 5% ou algo assim? Tudo isto era completamente absurdo.
Então descobri que não tinha uma linguagem apropriada a esse ambiente e que tínhamos que inventar um idioma novo. Essa é a origem da metáfora "economia descalça’ que, concretamente, simboliza a economia que um economista deve usar quando se atrever a se entranhar nos bairros pobres. O ponto é que os economistas estudam e analisam a pobreza desde seus luxuosos escritórios, possuem todas as estatísticas, desenvolvem todos os modelos e estão convencidos de que sabem tudo o que é preciso saber sobre a pobreza. Mas eles não entendem o que é a pobreza, esse é o grande problema e é também o motivo pelo qual a pobreza ainda existe. Isto mudou completamente a minha vida como economista: inventei uma linguagem coerente com essas condições de vida.
O que você acredita que devemos mudar?
Oh, quase tudo. Somos dramaticamente idiotas. Agimos sistematicamente contra as evidências que temos. Sabemos exatamente o que não devemos fazer. Não há ninguém que não saiba isto, especialmente os grandes políticos sabem exatamente o que não se deve fazer. E mesmo assim o fazem. Depois do que aconteceu em outubro de 2008, você acharia que vão mudar porque se deram conta de que o modelo econômico não funciona, que inclusive tem um alto nível de risco, dramaticamente arriscado. E se perguntar: qual foi o resultado da última reunião da Comunidade Europeia? Agora são mais fundamentalistas do que antes. De tal modo que a única coisa de que se pode estar certo é que a próxima crise já está vindo e que será o dobro mais forte que a atual. Mas então já não haverá dinheiro suficiente. Essas são as consequências da sistemática estupidez humana.
Se você estivesse à frente da economia, o que faria para evitar outra catástrofe?
Antes de mais nada, temos necessidade novamente de economistas cultos, que saibam história, de onde vêm, como se originaram as ideias, quem fez o que e assim por diante. Em segundo lugar, uma economia que entenda que é subsistema de um sistema finito maior: a biosfera, e como consequência a impossibilidade de ter um crescimento econômico infinito. Em terceiro lugar, um sistema que tenha claro que não pode funcionar sem levar a sério os ecossistemas. Mas os economistas não sabem nada de ecossistemas, não sabem nada de termodinâmica, nada de biodiversidade, são totalmente ignorantes em relação a estes temas. Um economista deve ter claro que se os animais desaparecem, ele também desaparecerá, porque então já não haverá o que comer. Mas ele não sabe que dependemos totalmente da natureza, você se dá conta? Entretanto, para os economistas de hoje a natureza é um subsistema da economia, conceito que é totalmente absurdo!
Além disso, devemos aproximar o consumidor da produção. Eu moro bem no sul do Chile, uma região fantástica onde temos toda a tecnologia para a elaboração de produtos lácteos da máxima qualidade. Há alguns meses estava tomando café num hotel e ao pegar um pacotinho de manteiga descobri que esta vinha da Nova Zelândia, absurdo não lhe parece? E por que acontece uma coisas dessas? Porque os economistas não sabem calcular os custos reais. Trazer manteiga de um lugar que fica a 20.000 quilômetros para um lugar onde se produz a melhor, com o pretexto de que é mais barato é uma estupidez monumental porque não leva em conta o impacto causado sobre a natureza nesses 20.000 km de transporte. Como se fosse pouco, é mais barata porque é subsidiada.
É um caso muito claro em que os preços nunca dizem a verdade.
Tudo tem seu estratagema, sabe? Essas artimanhas causam enormes danos. Ao se aproximar o consumo da produção, se comerá melhor, se terá alimentos melhores e se saberá de onde vêm. Inclusive se poderia chegar a conhecer a pessoa que o produz. Humaniza-se o processo, mas atualmente o que os economistas fazem é totalmente desumanizado.
Não acredita que a própria terra nos forçará a agir de maneira diferente? Estaremos chegando ao fim?
Sim, claro. Alguns cientistas já estão dizendo isso, mas eu ainda não cheguei a esse ponto. Mas muitos acreditam e pensam que é definitivo, que estamos fritos, que dentro de algumas décadas não haverá mais humanos. Eu não creio que tenhamos chegado a esse ponto, mas que estamos próximo e direi que já cruzamos o primeiro dos três rios. Observe o que está acontecendo em todas as partes, é alarmante como a quantidade de catástrofes foi aumentando e se manifesta de todas as formas: tempestades, terremotos, erupções vulcânicas. O número de eventos cresce dramaticamente, é assustador e nós continuamos na mesma.
O que você aprendeu com as comunidades pobres nas quais viveu e trabalhou e que lhe dá esperanças?
A solidariedade das pessoas; o respeito pelos outros; a ajuda mútua; nada de avareza, um valor inexistente dentro da pobreza, quando se está inclinado a pensar que é ali onde mais está presente, que a avareza deveria ser patrimônio dos que menos têm. Não, todo o contrário, quanto mais se tem, mais se quer ter; a crise atual é produto da avareza. A avareza é o valor dominante do mundo atual. Enquanto persistir, estamos acabados.
Quais seriam os princípios que ensinaria aos jovens economistas?
Os princípios da economia devem estar fundamentados em cinco postulados e um valor fundamental.
Primeiro: a economia está para servir as pessoas e não as pessoas para servirem a economia.
Segundo: o desenvolvimento se refere às pessoas, não às coisas.
Terceiro: crescimento não é a mesma coisas que desenvolvimento e o desenvolvimento não necessariamente requer crescimento.
Quarto: não pode existir uma economia com um ecossistema falhando.
Quinto: a economia é um subsistema de um sistema maior e finito: a biosfera. Portanto, o crescimento permanente é impossível.
E o valor fundamental para poder consolidar uma nova economia é que nenhum interesse econômico, sob nenhuma circunstância, pode estar acima da reverência pela vida.
Explica o que acaba de dizer.
Nada pode ser mais importante que a vida. E digo vida, não seres humanos, porque para mim o ponto chave é o milagre da vida em todas as suas manifestações. Mas se predominar o interesse econômico, as pessoas não apenas se esquecem da vida e dos outros seres vivos, mas acabam ignorando os seres humanos. Se analisar esta lista que acabo de mencionar, um a um, verá que o que temos agora é exatamente o contrário.
Voltemos ao terceiro ponto, crescimento e desenvolvimento, e explica melhor.
Crescimento é uma acumulação quantitativa. Desenvolvimento é a liberação de possibilidades criativas. Todo sistema vivo da natureza cresce e quando atinge um determinado ponto deixa de crescer; você já não está mais crescendo, nem ele, nem eu. Mas continuamos nos desenvolvendo, de outro modo não estaríamos conversando neste momento. O desenvolvimento não tem limites, mas o crescimento sim. E este é um conceito muito importante que políticos e economistas ignoram, pois têm verdadeira obsessão pelo fetiche do crescimento econômico.
Trabalhei durante décadas e neste tempo foram realizados muitos estudos. Sou o autor de uma famosa hipótese: a hipótese do limite, que diz que em toda sociedade há um período de crescimento econômico – entendido convencionalmente ou não – que traz uma melhoria na qualidade de vida, mas apenas até certo ponto: o ponto limite, a partir do qual, se há mais crescimento, a qualidade de vida começa a decair. Esta é a situação na qual nos encontramos hoje.
Seu país é o exemplo mais dramático que pode encontrar. No meu livro que será publicado na Inglaterra, intitulado "A economia desmascarada", há um capítulo chamado "Estados Unidos, um país em desenvolvimento", o que é uma nova categoria. Atualmente, usamos os conceitos de desenvolvimento, subdesenvolvimento e em desenvolvimento. Agora temos o novo conceito de em desenvolvimento e seu país é o melhor exemplo, no qual o 1% dos norte-americanos estão cada vez melhor, melhor e melhor, ao passo que 99% estão em decadência em todos os sentidos. Há pessoas que moram em seus carros, sabe? Agora dormem em seus carros, estacionados em frente a que um dia foi sua casa. Milhares, milhões de pessoas perderam tudo. Mas os especuladores, os que criaram todo este problema, esses estão fantasticamente bem. Para eles não há problemas.
Então, como mudaria as coisas?
Bom, não sei como mudá-las. Quer dizer, sozinhas vão mudar, mas de maneira catastrófica. Para mim não seria estranho se de uma hora para a outra milhões de pessoas saíssem às ruas dos Estados Unidos para se manifestar. Não sei, mas poderia acontecer. Não sei. A situação é absolutamente dramática e se supõe que é o país mais poderoso do mundo. E ainda nestas condições, seguem com suas guerras absurdas gastando bilhões e trilhões. Treze trilhões de dólares para os especuladores e nem um só centavo para as pessoas que perderam suas casas! Que tipo de lógica é essa?
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"Temos necessidade de economistas cultos". Entrevista com Manfred Max-Neef - Instituto Humanitas Unisinos - IHU