15 Setembro 2011
Dona Maria Tavares, fundadora do Patronato Lima Drummond, de Porto Alegre, aos cem anos de idade, convive com os encarcerados. "Resolvo tudo só com conversa, conversa fiada", diz rindo. Antonio Cechin, irmão marista e miltante dos movimentos sociais, autor do livro Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010, comenta o caso
Eis o artigo.
No dia 18, no jornal Zero Hora de Porto Alegre, página 3, uma curtíssima reportagem encimada de uma pequena fotografia de um rosto, bem ao estilo das antigas carteiras de identidade. Eis a minúscula entrevista, precedida do esclarecimento do repórter anônimo.
"Ela completará cem anos em novembro. Dona Maria Tavares é a fundadora do Patronato Lima Drummond, uma cadeia do regime semiaberto da Capital que é referência no sistema prisional gaúcho. Desde que começou a sua obra, Dona Maria mora, come e passa seus dias junto com os apenados. Durante a semana, ela conversou com o Informe Especial.
Por que o seu patronato é diferente?
– Quando eu comecei a frequentar a antiga Casa de Correição, era uma revolta por semana. Fui conversar com as pessoas. Resolvi tudo só com conversa, conversa fiada (risos). Cansei de levar presos para minha casa. Nunca me fizeram sujeira. Sempre confiei nos meus "anjinhos".
Existe algum bandido tão ruim que não possa ser recuperado?
– Até mesmo as piores pessoas têm algo bom. É só descobrir e trabalhar com isso.
A senhora já recebeu o reconhecimento que merece?
– Eu não fiz nada. Não gosto de aparecer. Gosto de ficar aqui no meu canto, sossegada.
Até aqui a notícia com a reportagemzinha. Fiquei embasbacado. Na verdade depois de ter lido a primeira vez, reli, trêsli e mais vezes. Sempre com mais vagar e a cada nova leitura, contemplava por vários minutos o rosto dessa anciã, não acreditando no que eu fui começando a ver e a sentir.
Essa mulher de cem anos me pareceu ser de outro mundo, não deste. Uma autêntica mulher santa, candidata direta ao Reino dos Céus, aqui entendido como a nossa definitiva pátria ao lado de Jesus de Nazaré que, com sua ascensão, nos prometeu que iria preparar uma morada para que o amasse na pessoa dos mais pobres, dos mais pequeninos, dos últimos..
Lastimei que a foto de seu rosto fosse tão pequena. Se fosse maior teria curtido bem mais a profundeza de sua alma. Lembrei-me de meu velho pai que faleceu aos 92 anos, ele também na tranqüilidade de sua fisionomia de pessoa de fé convicta e de muita oração, ao contemplá-lo sempre me pareceu que já estava com um rosto de ressuscitado, anunciador da pátria celeste em que estava prestes a entrar pela proximidade da partida para este outro mundo de Deus. Convenci-me, olhando para esta macróbia santa, que a auréola ou o resplendor que costumam os pintores colocar em roda da fisionomia dos santos, não é apenas devocional mas é real nos últmos anos de qualquer pessoa de fé profunda e de grande virtude. A santidade transparece em todo o rosto.
Essa mulher de nome Maria Tavares é santa já aqui e agora, com tudo a que tem direito como tal. Depois do falecimento de uma pessoa santa, nossa Igreja Católica, no processo de canonização exige um milagre. Ora nossa santa Maria Tavares já está fazendo não um só milagre mas dezenas, talvez centenas de milagres, representados na transformação de revoltados prisioneiros em anjinhos. E com que meios ela consegue tais prodígios? Só com conversa. E que conversa?.... Ela até ri quando acrescenta, conversa fiada. Só que o fiado da conversa dela é transpassado de amor, muito amor, dedicação, carinho, amizade e quejandos substantivos relativos às diferentes expressões que traduzem relações pessoais muito ricas.
No catecismo de perguntas e respostas que a minha geração decorava, aprendíamos os nomes das oito obras de misericórdia que devemos praticar como bons cristãos. Entre elas está a de visitar as pessoas encarceradas. Pois esta mulher está praticando muito mais do que visitas, ela mora junto com apenados. É a obra de misericórdia em grau heróico, aquilo que a Igreja exige para um candidato a santo que morreu de morte natural, a fim de pô-lo sobre os altares: a heroicidade das virtudes.
Essa mulher santa, quando se encontrar com a pessoa de Jesus Cristo, será por Ele recebida com os braços largamente abertos e lhe dirá como está no Evangelho de Mateus capítulo 25, versículos 34 e 36; "Vem, bendita de meu Pai, recebe por herança o Reino preparado para ti, desde a fundação do mundo. Eu estava preso e vieste ver-Me."
Quantas vezes ouvimos repetir que as cadeias no Brasil são autênticas escolas para o crime e não casas de recuperação; que preso que se recupera é porcentagem mínima diante do número dos que saem dos cárceres. Pois está aí, no meio de nós, uma mulher anciã de nome Maria Tavares, autêntica santa. Ela é verdadeiro manancial capaz de alimentar uma Pastoral Carcerária verdadeira. Ela é também uma mina de Políticas Públicas para apenados.Por que não aproveitá-la se o resultado com encarcerados é tão milagroso e com um método tão simples quanto conversa fiada com, segundo expressão dela?
Lastimo que a entrevista com ela tenha sido tão curta. Teria o maior prazer de saber mais, saber tudo desta santa mulher, mãe e padroeira dos encarcerados, ainda em vida e com certeza candidata oficialmente a santa. Isto naturalmente após sua páscoa definitiva, depois de completar três dígitos de idade e algo mais. Será então, post mortem, a santa padroeira dos prisioneiros e encarcerados.
Que melhor SINAL nós podemos ter da palavra de Jesus, quando assegura de que o Reino de Deus está no meio de nós? Para isto, naturalmente, o próprio Nazareno nos alerta: "É preciso ter olhos para ver e ouvidos para ouvir".
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Uma Mulher Santa em Porto Alegre, na Carceragem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU