13 Setembro 2011
"Os tiros entre Exército e criminosos no Alemão não representam o fracasso das UPPs, mas a premência de as Forças Armadas saírem de lá", escreve Pedro Vieira Abramovay, professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio) e ex-secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça (2007-2009) e ex-secretário nacional de Justiça (2010), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 13-09-2011.
Eis o artigo.
O enfrentamento entre traficantes e Exército ocorrido na última semana colocou sob fogo cruzado a festejada política de segurança pública do Rio de Janeiro.
Muitos que saudavam a situação carioca como resolvida se transformaram em críticos ferozes, e alguns sorrisos escondidos se notam nas bocas daqueles que diziam que nada ia dar certo. Como compreender o que se passa hoje no Rio de Janeiro? As UPPs, afinal, são um fracasso ou um sucesso?
Em uma realidade democrática, é muito difícil imaginar uma política pública que seja um resultado planejado de forma coerente a partir de uma força ideológica única. Em geral, políticas públicas -principalmente em áreas tão sensíveis quanto a da segurança pública- são a resultante entre forças contraditórias que se apresentam com mais ou menos poder em determinado momento.
Com a política de segurança do Rio acontece exatamente isso.
É preciso lembrar o contexto em que as UPPs aparecem: após um massacre inexplicável feito pelas forças estaduais no Complexo do Alemão, em 2007. O discurso - de maneira clara - e a prática - mais lentamente - começam a mudar na secretaria de Segurança Pública no Rio.
A instalação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora no morro Santa Marta, no bairro de Botafogo, marca um compromisso com o policiamento comunitário e com uma abordagem territorial na qual a polícia é apenas um dos elementos para o enfrentamento do problema da insegurança. Obras de infraestrutura e programas sociais adquirem peso semelhante como partes da solução do problema.
O modelo foi ganhando corpo, mas havia uma desconfiança sobre a capacidade de o Estado enfrentar o famigerado poderio bélico dos traficantes. Quando, em 2010, o Estado responde firmemente a provocações de traficantes com a ocupação do Alemão, essa desconfiança cai por terra.
Entretanto, estava montada uma armadilha. O discurso de força que encantou parte da imprensa e da população poderia gerar contradições com o discurso de coesão social das UPPs.
A decisão de manter o Exército como força de ocupação é sedutora.
A imagem de tanques e soldados é forte para deixar a mensagem de que o Estado está no controle da situação. Mas a presença perene dos militares impede a instalação de UPPs e o fortalecimento dos vínculos comunitários.
As Forças Armadas são treinadas para a guerra, para combater o inimigo. Não é possível pensar em policiamento comunitário feito pelo Exército.
As imagens de tiros entre Exército e criminosos não representam o fracasso da política das UPPs; representam, sim, a necessidade de se proceder o quanto antes à retirada das Forças Armadas e à instalação de UPPs - com os programas sociais que as acompanham- na região.
Felizmente, o secretário Beltrame anunciou, para o início de 2012, a instalação de uma UPP na região.
Entre as forças contraditórias presentes na democracia carioca, parecem estar vencendo aquelas que acreditam na possibilidade de se fazer uma política de segurança pública sem espetáculos midiáticos.
Prevalece uma abordagem que aceita que um problema tão complexo como esse só será enfrentado com soluções complexas, que envolvem polícia comunitária, enfrentamento à corrupção, programas de infraestrutura e projetos sociais.
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UPPs sob fogo cruzado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU