12 Setembro 2011
As receitas para sair da crise oscilam entre um liberalismo light ou um liberalismo ainda mais radical do que o que produziu o calote de algumas economias nacionais. Remédios homeopáticos que obrigam a pensar as relações sociais como uma totalidade a ser desestruturada. As finanças são o inimigo, enquanto a ética do trabalho, a comunidade e o rigor são âncora de salvação do capitalismo.
A reportagem é de Benedetto Vecchi, publicada no jornal Il Manifesto, 04-09-2011. A tradução é de de Moisés Sbardelotto.
Mais de uma vez foi decretada a sua morte nos últimos dez anos. O primeiro anúncio da sua morte foi dada pelas armadas imperiais norte-americanas com a invasão do Afeganistão em resposta ao ataque às Torres Gêmeas. Pouco importava se, nas operações militares afegãs, estavam envolvidos muitos voluntários não americanos.
O 11 de setembro tinha deixado claro que a globalização era a realidade em que homens e mulheres viviam, mas a ordem devia para ser retomada, restaurando um sistema tradicional de relações estatais centrado, é claro, nos Estados Unidos.
Depois, ela foi trazido de volta à vida quando essas mesmas forças armadas, tendo cumprido a tarefa que lhes havia sido dada, apontaram para o Iraque. Nessa ocasião, a coalizão militar e política só podia ser global, porque o que estava sendo ameaçado era o estilo de vida ocidental que se tornou hegemônico e, justamente, global.
De outro lado, a globalização era avaliada tanto como expressão da tendência marxiana cosmopolita do capital, quanto possibilidade de construir uma alternativa ao liberalismo que ignorava as fronteiras para fazer lucro. O pior ainda estava por vir. E quando a avalanche dos títulos tóxicos investiu sobre o mundo, uma das primeiras vítimas anunciadas foi sempre a globalização.
Em nome do Estado
Mas a globalização não é um fenômeno natural. É o resultado de uma transformação do mundo que não envolve apenas a atividade econômica, mas também as relações sociais, como fica claro no ponderado ensaio do estudioso inglês Luke Martell, Sociologia della globalizzazione (Einaudi, 406 páginas). O que se modificou, junto com o modo de produção, foram a cultura, a mídia, as migrações. Uma transformação irreversível de contornos ainda muito diferentes dos tracejados pela ensaística dominante.
O Estado, de fato, não desapareceu. Quando muito, o seu papel é que foi modificado, tornando-se a "interface" entre a dimensão nacional e a global. A cultura, isto é, aquele aspecto da vida social que reflete as relações sociais, apresenta tanto características de homologação, quanto de forte diferenciação, elevando o pastiche a elemento constitutivo das identidades sociais.
Por fim, é repudiado o dogma com base no qual o livre mercado, ou melhor, o capitalismo não pode se desenvolver na presença de um Estado que intervém tanto como fator regulador, quanto na qualidade de empreendedor na atividade econômica. O testemunho disso é a ascensão dos países do chamado BRIC, ou seja, Brasil, Índia e sobretudo a China.
Portanto, havia um elemento que despertava a suspeita de que o anúncio da sua morte era duvidoso: quem havia decretado a sua morte eram aqueles mesmos órgãos supranacionais que a haviam incensado até poucos meses antes. E quando em um turbilhão de encontro de nomes sempre mais em código – G7, G8, G22, G2 – foi estabelecido que o anúncio do seu desaparecimento havia sido muito prematuro, porque as soluções para a crise só podiam ser globais, a certeza de que a globalização era um "significante vazio", como Slavoj Zizek gostava de repetir, nunca mais foi contestada.
Isto é, podia ser preenchido com todas as outras concepções, visões de mundo, relações entre classes, fatores geopolíticos, de sinuosas e performativas concepções sobre a presença de uma cultura homologada e homologante vigente tanto em Tóquio, quanto em Nairóbi. A globalização era representada como uma fênix, porque sempre ressurgia das cinzas. E, no entanto, nos centros de estudos neoliberais, um sentimento de embaraço, de arrependimento fez o seu caminho, que envolveu estudiosos, homens políticos impulsionados pela urgência de imolar a globalização no altar do livre mercado. Ou seja, o capitalismo só podia ser salvo matando a globalização.
A lista dos arrependidos da globalização é muito extensa. Ali podemos encontrar o nome de Giulio Tremonti, convertido aos valores sempiternos do trabalho (assalariado), da família e da comunidade territorial, mas teórico de um rigor que tem como seu guardião consciente aquela Europa monetária que também tem muitas responsabilidades na determinação da situação atual.
Mas também podem ser encontrados outros nomes, pouco conhecidos na Itália, mas muito influentes nos seu países, como Richard A. Posner, juiz da Suprema Corte norte-americana por vontade de Ronald Reagan, que mandou imprimir um livro apresentado como uma séria e rigorosa autocrítica sobre o seu pensamento em favor da globalização. O título já diz tudo – Un fallimento del capitalismo, edições Codice, 218 páginas –, mesmo que as conclusões não deixem dúvidas sobre a vontade do autor de salvar justamente aquele american way of life ameaçado precisamente pela globalização.
Com um estilo seco, às vezes frio, o jurista norte-americano elenca todos os elementos que podem contribuir para o colapso do capitalismo: as finanças liberalizadas, a anulação de fato do direito do trabalho, uma modificação das relações de força na sociedade em favor das empresas. Uma vez identificadas as causas que alimentam a crise social, Posner desloca a atenção sobre o fato determinante do declínio da economia made in USA: a abdicação do Estado-nacional na regulação da atividade econômica.
A leitura do livro cria uma certa perplexidade, como se tivéssemos em nossas mãos o texto de um keynesiano "radical" ou de um populista de esquerda europeu. O aspecto mais interessante não é tanto as receitas que Posner propõe – ética do trabalho, respeito pelos direitos dos trabalhadores, um protecionismo light –, mas sim a descrição de como mudou a forma-Estado norte-americano em mais de 20 anos.
Desse ponto de vista, ele desenvolve uma tese segundo a qual o neoliberalismo não é uma verdadeira teoria econômica, mas sim uma espécie de ideologia que visa a legitimar o capital financeiro. Daí as decisões tomadas por diversas administrações, incluindo as do democrata Bill Clinton, que modificaram as leis que regeram a sociedade norte-americana desde os anos 1930.
Os predadores da riqueza social
Se fosse só isso, o neoliberalismo poderia ser remetido para a história como um breve parêntese do desenvolvimento capitalista, redimensionando o poder do capital financeiro. Mas se uma coisa emerge da atual crise econômica é o forte cruzamento entre produção e finanças, a ponto de que lembrar aquele convite, ou melhor, método para analisar o capital como uma totalidade é um bom antídoto para o rumor de fundo produzido por aqueles que, ao contrário, continuam invocando as virtudes da economia real (capitalista) contra o caráter parasitário das finanças.
Diferentemente do passado, porém, as finanças não são apenas um aspecto do capitalismo, mas sim um verdadeiro instrumento de governança das sociedades contemporâneas. A chamada financeirização da vida social, que tem caráter predatório da riqueza social produzida, é o verdadeiro fator que detém o centro da cena, embora Posner não consiga captá-lo, por estar perdido pelo fato de que, embora seja um dos seus guardiões, a anglo-saxônica rule of law conseguiu desmantelar o quadro normativo que surgiu da Grande Depressão dos anos 1930, que garantiu ao capitalismo 30 anos de desenvolvimento econômico ininterrupto.
A irreversibilidade da globalização obriga a lidar com as características do capitalismo contemporâneo, a frequentar, portanto, os ateliês contemporâneos da de produção. Uma descida aos infernos do trabalho assalariado, que tem as etapas na indústria cultural, na pesquisa científica, na universidade, na produção de software, nas fábricas globais, todos locais produtivos onde o cruzamento entre finanças e produção é fator constitutivo. E onde também é imanente a financeirização dos serviços sociais. E esse é o cenário em que é preciso colocar o livro do economista Dani Rodrick La globalizzazione intelligente (Yale University Press, 380 páginas).
Dani Rodrick é um liberal que ainda nos anos 1990 havia questionado se o Consenso de Washington poderia garantir a estabilidade e o desenvolvimento econômico. E no rastro desse razoável pessimismo, ele convida a olhar a realidade produzida em 10 anos de desregulamentação. Precariedade generalizada, degradação ambiental, guerras comerciais ou militares. No entanto, para enfrentar esses problemas, não há possibilidade de um retorno ao passado. O caminho a ser buscado, defende Rodrick, é uma redefinição das tarefas do Estado-nacional e dos órgãos supranacionais, como o Banco Mundial, o FMI e a OMC, dentro de um quadro de uma "democracia cosmopolita", centrada no protagonismo de uma sociedade civil global e de um renovado compromisso entre capital e trabalho.
Tese não muito distante daquela desejada por um outro liberal norte-americano, Robert Reich, no livro Aftershock (Ed. Fazi, 208 páginas). Esses últimos dois estudiosos também invocam uma espécie de engenharia institucional para endireitar o lenho torto da globalização: Rodrick, para garantir a manutenção do vínculo social mediante uma política redistributiva gerida com atores sociais e políticos locais e globais; Reich, para atenuar as desigualdades sociais na identificação, na classe média, da cola da sociedade norte-americana.
Em todo o caso, a globalização continua sendo sempre um "significante vazio", que pode ser preenchido como melhor se creia. Desse ponto de vista, a obra de Luke Martell publicada pela Einaudi é um dos melhores instrumentos para compreender os diversos valores que foram dados ao termo, dentro de uma perspectiva que não envolve só a atividade econômica, mas também o papel da mídia como produtora de legitimidade à globalização, mas também como nuvem informativa onde os movimentos sociais expressam pontos de vista antagônicos aos dominantes.
Permanece sem resposta, no entanto, uma pergunta implícita em todos os livros aqui assinalados: qual é o futuro da globalização? A crônica continua restituindo um panorama desolador da crise econômica se a atenção se concentra na Europa ou nos Estados Unidos. Diferente é o caso para países como China, Índia, Brasil e a América Latina, onde o impacto da crise foi, certamente, menor, se não irrelevante, na vida desses países. No entanto, com relação ao velho continente e aos EUA, o paradoxo dominante é que a saída da crise da globalização liberal ocorre sob os auspícios de um liberalismo ainda mais radical.
A questão, por exemplo, da dívida soberana é usada para dar início a um processo de privatização de alguns serviços sociais que havia sido rejeitada no âmbito da OMC não mais do que cinco anos atrás. Ao mesmo tempo, a completa desregulamentação do mercado do trabalho é assumida como objetivo estratégico por muitos dos governos do velho continente, independentemente das diretrizes em favor de medidas de proteção do emprego chamado atípico tomadas pelos órgãos de governo de uma Europa monetarista com o fim de "temperar" os efeitos das políticas liberais da década anterior.
A jaula a ser destruída
É isso, portanto, o que está em jogo. Sair do liberalismo em crise acentuando as suas características? Além de combater social e culturalmente, é uma possibilidade que reproduziria os mesmos mecanismos que levaram à crise. Mas também é duvidoso que possam corrigidos alguns de seus aspectos, deixando inalterado o conjunto, como muitos dos autores aqui assinalados propõem. E certamente não é desejável esperar até que a noite passe, esperando o fracasso dos governos conservadores ou de direita e o retorno de coalizões progressistas capazes de retomar aquele percurso, embora temperado, que levou justamente à sua atual crise. E também são risíveis os remédios homeopáticos como uma desglobalização que restaure a velha e cara soberania nacional ou um decrescimento que legitimaria o empobrecimento relativo que atingiu o velho continente e os Estados Unidos.
Portanto, é preciso voltar àquela crítica da economia política que assuma o capital como relação social na sua totalidade. Totalidade é certamente uma nota destoante para um pensamento crítico que queira inovar um corpus teórico que quase foi sufocado com totalidade. Mas é um risco que deve ser percorrido para romper aquela jaula de aço que legitima a apropriação privada de uma riqueza produzida socialmente.
Da Terceira Via ao globalismo cético
Luke Martell é um professor da Universidade de Sussex. Esse Sociologia della globalizzazione é o primeiro dos seus livros traduzidos na Itália, apesar de a sua bibliografia ser rica em ensaios e textos dedicados ao New Labour, à chamada "terceira via" de Tony Blair e às perspectivas nacionais e globais do "socialismo democrático".
Dani Rodrick ensina economia na John. F. Kennedy School junto à Universidade de Harvard. Um livro anterior seu (Has Globalization Gone Too Far?) foi considerado um dos textos mais significativos daquele "globalismo cético", que influenciou muito, subterraneamente, a discussão pública nos Estados Unidos.
Robert Reich é outro economista liberal norte-americano que, pelos seus livros, foi muitas vezes julgado como um entusiástico defensor da globalização. Aftershock pode ser considerado como uma segunda etapa de uma autocrítica, que iniciou com Supercapitalismo (Ed. Fazi) em comparação com as posições expressas no livro L"economia delle nazioni (Sole 24 Ore) publicado no início dos anos 1990.
Richard A. Posner, autor de Un fallimento del capitalismo (Ed. Codice) é juiz da Suprema Corte norte-americana. Conservador desde sempre, criticou a globalização fortemente nos últimos anos, considerada como o fator desencadeador da "crise da democracia capitalista", como afirma um artigo anterior seu publicado pela Universidade Bocconi.
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Globalização prêt-à-porter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU