05 Setembro 2011
No dia 15 de agosto D. Oscar Romero teria completado 94 anos, e seu aniversário coincide com a agitação que ocasionou o "caso jesuítas". Nesta Carta às Igrejas publicamos o pronunciamento da Universidade Centro Americana - UCA, cuja leitura se enriquece com as reflexões do Padre Rodolfo Cardenal e Benjamín Cuéllar.
O artigo é de Jon Sobrino, teólogo jesuíta, publicado por ecleSALia.net. A tradução é de Benno Dischinger.
Recordamos agora D. Romero para localizar-nos bem em meio a esta agitação e atuar do melhor modo possível. O bispo segue oferecendo impulsos lúcidos e vigorosos para caminhar até a verdade, praticar a justiça e ter esperança. São impulsos muito úteis para enfrentar o caso jesuítas e, sobretudo, para sanar a lamentável situação em que vivemos.
1. As feridas estão abertas, não fechadas
O assassinato dos jesuítas, de Julia Elba e Celina é um símbolo de inumeráveis assassinatos nos anos setenta e oitenta. Em 1981 começou uma guerra cruel entre dois exércitos. Porém antes, nos anos setenta, teve lugar uma repressão desapiedada e unilateral contra o povo por parte da oligarquia, dos governos, dos corpos de segurança e esquadrões da morte – o que é preciso não esquecer. Praticamente, tudo continua sem ser julgado. Os acordos de paz foram necessários para pôr fim à guerra, porém não houve decisão nem tempo para enfrentar a raiz do problema: a injustiça de séculos, estrutural. A anistia também foi necessária para possibilitar um mínimo de convivência, porém foi precipitada no tempo e, sobretudo, em seu enfoque: não se buscaram seriamente caminhos de reconciliação entre os seres humanos. Tampouco facilitou uma reparação eficaz para que os familiares das vítimas, em sua imensa maioria gente pobre, do povo, pudessem refazer suas vidas. E isso não fez desaparecer, senão que reforçou a cultura da impunidade. Durante séculos os poderosos tem sido praticamente intocáveis. E isso continua sendo verdade.
O Novo Testamento diz que "a raiz de todos os males é a ambição do dinheiro". Hoje, junto a essa ambição, em El Salvador é preciso insistir em que "a impunidade" é raiz muito principal da violência, da injustiça, da mentira e da corrupção. E é preciso insistir na responsabilidade específica da Corte Suprema de Justiça. Fazemo-lo a partir de Monsenhor Romero.
Não tem havido pacificação e não há paz. Terminou o conflito bélico, porém não a violência massiva. Impera o homicídio. Desde anos se cometem de 10 a 12 ao dia. Segundo notícias de imprensa, no mês de julho houve 70 homicídios a mais do que em julho do ano passado; no ano que passou foram assassinados 93 estudantes; faz uma semana se lia: "forte aumento de homicídios"; hoje se lê: "40 assassinatos em 36 horas". Para maior informação e análise remetemos ao artigo de Benjamin Cuellar.
Há avanços em projetos concretos de benefício social e há intentos de frear a violência, porém é maior a incapacidade, a incompetência – em certas ocasiões a conivência – para pôr-lhes fim. E em nada facilita essa tarefa uma bastante ampla tradição: nenhum dos poderes públicos levou a sério a violência e a impunidade.
Ademais, em seu conjunto, embora com exceções, os partidos, os meios de comunicação, a empresa privada, os bancos, não mostram vivo interesse – para dizê-lo suavemente – por erradicar a violência e os homicídios. E também é preciso perguntar se mostram vivo interesse por erradicá-la outras forças sociais importantes, como as universidades e inclusive as igrejas, que tanto tem proliferado – embora normalmente seu pecado seja de omissão.
Aduzir que o ajuizamento dos militares pode fazer perigar o processo de pacificação é mentira manifesta, pois não existe tal paz. O que é preciso praticar é a honradez com o real. Por essa razão, começamos com esta citação do Monsenhor: "Os assassinatos, as torturas onde fica tanta gente, o decapitar e atirar ao mar. Isto é o império do inferno" (1º de julho, 1979).
A pax romana, a eirene grega, o shalom da Bíblia. Além da denúncia da violência atual, hoje se necessita de um mínimo de análise do que se entende por "paz", para que a palavra não seja usada, em definitivo, para não enfrentar outras realidades mais primigênias: a justiça e a injustiça. Vejamos a partir da visão e convicção de Monsenhor Romero.
No Natal cantamos "paz na terra aos homens de boa vontade". O Evangelista Lucas escrevia em grego, e para falar de "paz" escolheu a palavra eirene, que significa ausência de violência e de guerra. Hoje, em sentido estrito, em El Salvador já não há violência bélica, porém em absoluto não existe a eirene grega. Há homicídios aos milhares.
Um passo a mais. São Lucas usou a palavra eirene, porém, ao falar de "paz", o que tinha em mente era o shalom da Bíblia: a vida em comum dos seres humanos, baseada na justiça e na verdade, na solidariedade e na reconciliação. Nela os pobres e as vítimas chegam a ter, em verdade, carta de cidadania. E nela a paz frutifica em fraternidade e gozo. Isaías o disse numa fórmula densa: "a paz é fruto da justiça", no que insistiu Paulo VI. E Monsenhor Romero o disse na homilia de 31 de dezembro de 1977: "uma paz que se constrói na justiça, no amor e na bondade". O salmo o formula belamente: "a paz e a justiça se beijam".
A paz shalom certamente não existe no país e, sem tê-la present4e e trabalhar por ela, seria simplismo invocar a paz como o que é preciso salvar acima de tudo, como costuma ocorrer, interesseiramente, em âmbitos políticos, e, às vezes ingenuamente, em âmbitos eclesiásticos. É preciso não cair no absurdo do antigo adágio "fiat justiitia et pereat mundus", "que se faça justiça, embora pereça o mundo" – lema de Fernando I de Augsburgo, imperador do Sacro Império Romano Germânico do século XVI. Mas, sem shalom não há paz duradoura nem digna dos seres humanos. Com o shalom, a justiça não fará que pereça o mundo; pelo contrário, o mundo se humanizará. Sem o shalom a anistia não produz bens, senão que somente encobre males. Monsenhor viu-o com lucidez, embora o apresentasse não a partir da perspectiva de uma anistia após a guerra, do que hoje se fala, senão do diálogo para colocar um fim ao que se falava em seu tempo.
"Porém, nem sequer este diálogo servirá para restabelecer a paz desejada, se não se der a firme vontade de transformar as estruturas injustas da sociedade. Somente esta transformação será capaz de eliminar as violências concretas, opressivas, repressivas ou espontâneas. De outra maneira, como o disseram os bispos latino-americanos, a violência se institucionaliza e por isso seus frutos não se fazem esperar. A Igreja crê na paz; porém sabe muito bem que a paz não é nem a ausência de violência, nem se consegue com a violência repressiva. A verdadeira paz somente se logra como fruto da justiça" (Homilia de 11 de abril, 1978).
Não à pax romana, e não à eirene grega absolutizada. O tema de Monsenhor Romero foi o shalom, ao que aponta de modo importante a "transformação das estruturas injustas".
Do que sabemos, sim, no país, por desgraça, é sobre a pax romana, a submissão impotente e resignada que o império romano impunha a povos inteiros, e que sempre impõem os impérios, militares e econômicos ao longo da história. Imperou em El Salvador, por certo até que os camponeses, com estudantes, operários, sacerdotes, tomassem consciência e se organizassem. Bem o entendeu Monsenhor Romero, e se alegrou. Embora com ambigüidades, perigos e pecados, viu que maior era sua necessidade e seu potencial de construir shalom. Como crente, escreveu que o crescimento das organizações populares era "um sinal dos tempos", lugar da vontade e dos planos de Deus.
Por todo o dito, os que agora repetem "paz, paz, paz" deveriam perguntar-se se não recai sobre eles de alguma forma a recriminação de Jeremias: "Não se fiem de palavras enganosas dizendo "Templo de Jerusalém’, "Templo de Jerusalém’, "Templo de Jerusalém’... Se realmente fazem justiça, não oprimem o forasteiro e a viúva, e não vertem sangue inocente neste lugar, eu permanecerei com vocês" (Jr 7, 3-7). De outro modo, invocar o templo – ou a paz – é auto-engano.
Outras formas de violência atual. Fome e emigração. Desde a assinatura dos acordos de paz tem aumentado a emigração. Configura a realidade do país, a economia certamente. Afeta, às vezes até dissolvê-la ou destroçá-la, a família. E para muitos se converte tristemente em sua única esperança, tábua a que agarrar-se para não submergir, sobretudo para os jovens. O capital, sem misericórdia, segue avassalando as maiorias, e produz pobreza, "morte lenta" a chamavam em tempos de linguagem vigorosa. Não põe fim à desnutrição, nem à fome, e os pobres não encontram outra solução senão ir-se. Em si mesma a emigração está repleta de crueldades.
Monsenhor Romero o denunciaria. E hoje denunciaria com grande força e repetidamente a fome na Somália, seus responsáveis direitos e a chamada comunidade internacional. Não há vontade política, isto é, não há vontade humana, quer dizer, não existe vontade de eliminar a fome. Mais que números e palavras, produzem horror as fotografias de crianças desnutridas e moribundas e de suas mães desesperadas ou impávidas, sem energia sequer para a queixa e o protesto. A fome extrema foi cobrando a vida de dezenas de milhares de crianças, e outras dezenas de milhares estão em iminente risco de morte. Andrew Edwards, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, proíbe nem sequer um otimismo moderado: "Não cometamos o erro de crer que o pior já passou. Esta crise continua com deslocamentos maciços, risco de propagação de enfermidades, aglomerações nos acampamentos e situações que superam os trabalhadores humanitários no terreno". Na hora da verdade, a Somália desaparece. Tem estado centralmente presente em Madri? Hoje o Padre Ellacuría falaria da Somália e repetiria suas conhecidas metáforas. A Somália é como um espelho invertido no qual o primeiro mundo se vê em sua verdade. São as fezes que aparecem na copro-análise desse primeiro mundo.
Outras feridas abertas: A desídia de muitas instituições para deter a morte rápida da violência e a morte lenta da fome, sejam quais forem as boas intenções dos indivíduos. A cegueira ante o evidente, promovida pelos poderosos em conivência com os meios de comunicação, com exceções notáveis, às vezes audazes. A tergiversação iníqua de que são objeto as vítimas. Nos anos setenta e oitenta se chamou de terroristas, ou cúmplices de terroristas, a camponeses inocentes e indefesos ante os massacres do Sumpul e do Mozote. De Monsenhor Romero se disse que "vendeu sua alma ao diabo". Até um bispo houve que, ante João Paulo II, disse que o Monsenhor – morto ele, inocente e indefesamente – havia sido responsável por 70.000 mortos. Nestes dias do "caso jesuítas" recordemos que em vida foram acusados de ser responsáveis de terrorismo. E os que, segundo sérios indícios e testemunhas, foram seus vitimadores, hoje são feitos passar por vítimas.
O desprezo aos familiares das vítimas e a burla de sua dor. Os familiares continuam exigindo que se julgue os militares. Fazem-no junto a milhares de nomes de vítimas no Monumento à Memória histórica no parque Cuscatlán, com a legenda Verdade, Justiça, Reparação. Também familiares dos militares acusados tem protestado ante a embaixada espanhola. Sofrem, e estão em seu direito de protestar. Porém não sofrem o desprezo que sofrem os pobres.
E a inutilidade de dizer a verdade e de argumentar com ela, como o mostram os artigos anteriores.
2. Monsenhor Romero: a denúncia a partir do povo crucificado
"Este é o povo crucificado". A um povo tão oprimido, reprimido e desprezado Monsenhor Romero chamou "o divino trespassado". E Ignacio Ellacuría, sem vacilar nem discernir, afirmou que "esse povo crucificado é o sinal dos tempos". Para ambos era a presença do servo de Javé, do Filho de Deus. E nele irrompe Deus. A conclusão foi "descê-lo da cruz", carregando nós com o peso desse povo crucificado. E, segundo a loucura cristã, deixar-nos carregar por ele, e receber dele salvação.
Sem cair em masoquismos, porém menos ainda em auto-engano, Ellacuría insistiu escandalosamente em que o povo crucificado é "sempre" o sinal dos tempos. Antes e depois dos acordos de paz, as maiorias vivem em transe de cruz. Hoje existem outros problemas no país, e tem havido alguns avanços e boas idéias em política social. Porém é pouco em comparação com o que temos visto. O povo continua oprimido, maltratado e humilhado. Sem olhá-lo cara a cara não se pode conhecer a realidade de nosso mundo, nem crer no Deus que se faz presente nele.
As raízes dessas cruzes. Monsenhor Romero denunciou, porém é importante realçar que também analisou as raízes dessas cruzes. E começou pela riqueza. "Eu denuncio, sobretudo, a absolutização da riqueza, este é o grande mal de El Salvador: a riqueza, a propriedade privada, como um absoluto intocável". É raiz de muitos males: "Ai de quem tocar esse fio de alta tensão! Se queima" (12 de agosto de 1979). E é princípio de degradação social: "o roubar vai fazendo seu ambiente, e ao que não rouba se chama idiota" (18 de março, 1979). Denunciou a falsidade: estamos "em um mundo de mentiras", a degradação que produz: "já mais ninguém acredita em nada" (18 de março, 1979). Denunciou o desprezo ao povo: "se joga com os povos, se joga com as votações, se joga com a dignidade dos homens" (11 de março, 1979). Visto tudo em seu conjunto, sentenciou: "é triste a situação" (24 de junho, 1979). "Isto é o império do inferno".
O pathos – paixão com lucidez e liberdade – de Monsenhor Romero, ao analisar a realidade, continua sendo necessário. Não é fácil que apareça outro Monsenhor, porém é preciso chorar sua perda e não pactuar com sua ausência nem instalar-se no que é política ou eclesiasticamente correto. É preciso ir à raiz, e por isso o pathos do Monsenhor foi poderoso. Denunciou o exercício corrupto em todos os âmbitos da sociedade, porém o fez sempre no contexto fundamental que, como cristão, expressou a partir de Deus: "O sangue, a morte, tocam o próprio coração de Deus" (16 de março, 1980)... É a abominação radical.
A Corte Suprema de Justiça. Muito do que temos dito voltou a vir à luz a propósito do "caso jesuítas". E, pela natureza do assunto, também o problema da administração da justiça. Neste contexto recordemos duas coisas de Monsenhor Romero.
A primeira é que a administração da justiça com freqüência não tem nada, ou pouco, de imparcial, como a mulher de olhos vendados. Em nosso país – e em outros – ela costuma ter os olhos abertos para favorecer ricos e poderosos. Monsenhor o disse com uma frase genial, escutada de um camponês: "A lei é como a serpente. Somente pica a quem está descalço". A lei, sua administração e seu funcionamento, devido a condicionamentos materiais e históricos – e não só à debilidade ética, freqüente entre as pessoas faz que não só não sejam imparciais, senão que historicamente sejam parciais em favor do poderoso e contra o pobre – em alguns lugares mais e em outros menos. E isso ocorreu como que por necessidade, pois esse tipo de parcialidade tem chegado a converter-se numa espécie de segunda natureza, um existencial histórico que configura a administração da justiça.
Monsenhor Romero condenou essa parcialidade em favor do poderoso, porém não exigiu somente imparcialidade, senão outra parcialidade mais abrangedora e mais divina. "Deus está diretamente em favor do pobre". Esta parcialidade transcendente deve configurar todo o histórico dos humanos, o saber, o esperar, o fazer e o celebrar. Por difícil que pareça – inclusive absurdo – o "espírito" dessa parcialidade deve impregnar a "letra" da lei e sua administração. Assim, penso eu, Monsenhor Romero via a administração da justiça tal como surgiu no antigo Israel. "O rei justo esperado é o que fará justiça ao pobre. Sem esse rei parcial os pobres serão mais facilmente vítimas dos poderosos".
A segunda coisa é sobre a Corte suprema de justiça. Nos últimos meses a Sala Constitucional gerou esperanças de uma atuação autônoma e justa, ao declarar anticonstitucionais diversas atuações de particulares, da assembléia e do executivo. Porém as esperanças se esfumaram com o decreto 743, aprovado pela Assembléia e sancionado pelo presidente do executivo.
Embora a situação não seja a mesma, muito podemos aprender de Monsenhor Romero. Aos 30 de abril de 1978 ele falou clara e duramente contra a Corte suprema de justiça. Domingos antes havia denunciado na homilia que há "juízes que se vendem" – e de fato abundavam. A Corte suprema, hipocritamente, lhe pediu que lhe proporcionasse os nomes de ditos "juízes venais". Na homilia Monsenhor respondeu com uma precisão legal: ele não havia falado de "juízes venais", senão de "juízes que se vendem", e acrescentou que não era responsabilidade sua, senão da própria Corte averiguar quem seriam ditos juízes. Porém concentrou-se no fundamental, o que em boa medida é válido até o dia de hoje.
"O que faz a Corte Suprema de Justiça? Onde está o papel transcendental numa democracia deste poder que devia estar acima de todos os poderes e reclamar justiça a todo aquele que a atropela? Eu creio que grande parte do mal-estar de nossa pátria tem ali sua chave principal, no presidente e em todos os colaboradores da Corte Suprema de Justiça, que com mais inteireza deveriam exigir às câmaras, aos julgados, aos juízes, a todos os administradores desta palavra sacrossanta, a justiça, e que em verdade sejam agentes de justiça".
Com a Constituição na mão, ele enumerou os direitos infringidos. E concluiu:
"Essa Honorável Corte não remediou estas situações, tão contrárias às liberdades públicas e aos direitos humanos, cuja defesa constitui sua mais alta missão. Temos, pois, que os direitos fundamentais do homem salvadorenho são pisoteados dia a dia, sem que nenhuma instituição denuncie os atropelos e proceda sincera e efetivamente a um saneamento".
Hoje ele denunciaria homicídios, desnutrição, fome. E recriminaria a Corte suprema de justiça que muitas vítimas e seus familiares têm que tragar sua dor sem serem sequer ouvidos. Nesses dias muitos tiveram a total convicção de que não haverá extradição dos militares acusados no caso jesuítas. E esta convicção não tem estado baseada em argumentos, senão num a priori: têm muito poder. E assim tem ocorrido. E pensamos que a hierarquia não deveria aderir precipitadamente aos ditados da Corte, tantas vezes turvos. E custa crer que o bispo castrense tenha celebrado na escola militar uma missa em ação de graças porque os militares não têm sido extraditados.
3. O Monsenhor crente: Deus e a esperança
Não se pode compreender Monsenhor Romero sem ter presente seu Deus e como seu mistério nos humaniza. Baste citar estas palavras que pronunciou na mídia, seis semanas antes de ser assassinado, em meio à tragédia do país:
"Nenhum homem se conhece enquanto não se tenha encontrado com Deus... Quem me dera, queridos irmãos, que o fruto desta pregação fosse que nós todos e cada um de nós fossemos encontrar-nos com Deus e que vivêssemos a alegria de sua majestade e de nossa pequenez" (10 de fevereiro de 1980).
A partir desta experiência de Deus Monsenhor Romero pôde falar com absoluta convicção de coisas das quais não se costuma falar muito e que, sem embargo, são centrais em torno do caso dos jesuítas: a conversão, o perdão, o deixar-se perdoar, as vítimas e os mártires... E pôde falar de esperança, coisa que, em geral, ninguém faz hoje, nem na sociedade nem na Igreja, nem em El Salvador, nem no Vaticano. Sim, mas o fez Monsenhor Romero. "Regressarão os desaparecidos. O sangue derramado não será em vão". Pensando nos sofrimentos de nossos dias, recordemos estas palavras suas.
"E haverá uma hora em que já não haja seqüestros e haverá felicidade e poderemos sair às nossas ruas e aos nossos campos sem medo de que nos torturem e nos seqüestrem. Virá esse tempo!... Para mim, esta é a maior honra da missão que o Senhor me confiou: estar mantendo essa esperança e essa fé no povo de Deus (Homilia de 12 de setembro, 1979).
Monsenhor Romero anunciou a esperança e suas palavras só podem vir do alto: "Sobre estas ruínas brilhará a glória do Senhor" (7 de janeiro, 1979). E, se alguém pergunta o que é essa glória do Senhor, Monsenhor lhe responde: "A glória de Deus é a vida do pobre". "Gloria Dei vivens pauper".
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Dom Romero, o "caso jesuítas" e a esperança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU