01 Setembro 2011
Na história, houve saltos de paradigma provocados por personagens como Guglielmo Marconi ou Nikola Tesla, que uniram as capacidades de invenção com a ambição da produção em massa. Às vezes, justamente como Steve Jobs, não são eles que inventam, mas são eles que compreendem os enormes impactos de uma invenção.
A opinião é do antropólogo e arquiteto italiano Franco La Cecla, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 01-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Para compreender o porte da revolução de Jobs, é preciso remontar para algo semelhante que ocorreu no final do século XIX, o advento das imagens em movimento. Os irmãos Lumière na Europa, Dadasaheb Phalke na Índia, Eadweard Muybridge na Califórnia difundiram a invenção do cinema às massas urbanas, provocando um salto de paradigma imenso, a passagem de um mundo de narrações orais e escritas para um mundo paralelo "quase verdadeiro".
Para entender como esse sonho permeou o mundo daquele tempo, é preciso pensar que, na metade do século XVIII, em Teerã, havia sete sufis que praticavam o acesso ao mundo imaginário do Paraíso, em uma sala escura onde todos se sentavam na mesma direção e sonhavam com os olhos abertos. Para que uma invenção se torne realidade de massa, é preciso que alguém aferre o sonho que vaga e lhe dê uma encarnação.
Na história, houve saltos da mesma natureza outras vezes, provocados por personagens como Guglielmo Marconi ou Nikola Tesla, que uniram as capacidades de invenção com a ambição da produção em massa. Às vezes, justamente como Jobs, não são eles que inventam, mas são eles que compreendem os enormes impactos de uma invenção. Para que haja uma mudança de paradigma, é necessário que haja uma "visão" por trás do uso de uma invenção.
Steve Jobs é o filho de um mundo muito fértil, aquele que, em San Francisco, transita da Geração Beat à Geração Freek and Green, dando lugar a um movimento que produz uma nova Enciclopedie (com a mesma ambição iluminista de Diderot de melhorar o mundo com o bom senso), The Whole Earth Catalogue do qual participam pensadores como Ivan Illich, Stewart Brand, Gregory Bateson, Fritjof Capra. Ele mesmo declarará em uma conferência aos estudantes de Stanford que, sem esse caldeirão de ideias – que queria um acesso para todos às fontes do saber e da informação –, nem o computador nem o Google jamais teriam nascido.
Eram os anos 1980, e, no mundo, se começava a sonhar com o casamento entre a memória e a comunicação, com uma chave nova, a de community e das redes de comunidade que permitiam que as mídias se tornassem verdadeiros "substitutos de presença", isto é, de sentir o mundo inteiro como uma companhia "interativa" possível. A globalização só se tornou possível nesse momento, dando ao mais tímido hacker do Val d`Ossola a possibilidade de se confessar a uma adolescente tailandesa. Transformações semelhantes do mundo ocorrem porque há ideias que se preparam para sair, mas são necessárias atmosferas, momentos de agregação em um lugar específico. Como na Viena entre as guerras em que Freud vai ao encontro de Schnitzler e Klimt, na Calcutá de Tagore, Gandhi e Nehru, que, em um vilarejo de periferia, inventam a democracia moderna, na Bay Area onde, em uma mesma festa em Berkeley, eu me encontrava com Philip Glass, Peter Coyote, Gary Snyder e o grupo de Sausalito do qual faziam parte Steve Jobs, Stewart Brand e Kevin Kelly.
A inteligência, aquela que tem pouco a ver com a Intelligentsia ou a academia, precisa de um solo fértil como uma horta e da proximidade física. É extraordinário que as pessoas que inventaram a revolução do Vale do Silício se vissem quase todos os dias em um certo café e que, no fim de semana, fossem à praia juntos. Tudo isso diz muito sobre um país como a Itália, que tem esse tipo de vida magnificamente local e comunitária, mas que, há pelo menos 50 anos, se esqueceu das suas próprias revoluções inteligentes, das de Adriano Olivetti, às de Marzotto e do pret-à-porter, passando pelas do protodesign de Joe Colombo.
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