A presidente
Dilma Rousseff aproveitou a troca de guarda no Ministério da Defesa e passou para o ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, a negociação sobre a criação da
Comissão Nacional da Verdade para investigar a prática de crimes contra os direitos humanos na ditadura. Cardozo é ex-parlamentar, tem amplo trânsito no Congresso, inclusive no PSDB e Democratas e credibilidade na esquerda diretamente envolvida no projeto.
A reportagem é de
Raymundo Costa e publicada pelo jornal
Valor, 09-08-2011.
Um exemplo é a deputada
Luiza Erundina (PSB-SP), que tem restrições aos termos em que a negociação vinha sendo conduzida.
Cardozo foi secretário de governo de
Erundina quando a atual deputada era prefeita da cidade de São Paulo, na segunda metade dos anos 80. Além de
Erundina, na trincheira dos que questionam o acordo negociado pelo ex-ministro
Nelson Jobim estão o PSOL, algumas famílias de torturados, mortos e desaparecidos políticos e parte do PT, cuja principal expressão é o deputado
Luiz Couto (SP).
A escolha da presidente faz todo sentido. O Ministério da Defesa é parte nesse processo, assim como a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, ocupada pela deputada do PT gaúcho
Maria do Rosário. Logo, é boa política que uma das primeiras providências de
José Eduardo Cardozo venha a ser uma conversa com os ministros
Celso Amorim, empossado ontem na Defesa, e
Rosário.
Cardozo já demonstrou capacidade para desatar nós complicados, como ocorreu quando foi chamado para relatar o projeto de lei da
Ficha Limpa, aprovado na Câmara contra as apostas de boa parte da banca. Como negociador, portanto, tem crédito. As tratativas para a criação da comissão têm se mostrado tão ou mais difíceis.
No curso da aprovação do
Plano Nacional dos Direitos Humanos, onde sua criação é prevista, um general perdeu a cabeça mas
Jobim conseguiu circunscrever a natureza da comissão ao caráter testemunhal, de resgate da memória e reparação às vítimas. Valeu-se, para isso, da interpretação de reciprocidade dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao texto da
Lei de Anistia: quem depuser à comissão não sairá da sala de audiências na condição de réu.
A tarefa de
Cardozo é urgente. Se não for resolvida agora, provavelmente permanecerá como assunto mal resolvido da política, enquanto for viva a memória dos que tombaram na luta contra uma parte do Estado que preferiu o terrorismo à lei para enfrentar a oposição.
Cardozo é a novidade nas mudanças operadas por
Dilma na Defesa, o que não quer dizer que Jobim tenha perdido o cargo por causa da negociação da
Comissão da Verdade. Desde o início
Jobim demonstrava não se sentir muito à vontade no
governo Dilma. Também teve desentendimentos burocráticos tensos com
Antonio Palocci, quando o ex-ministro estava na Casa Civil.
O certo é que faltava confiança na relação da presidente da República com o ministro da Defesa, o que não a impediu de mantê-lo no cargo até que o próprio
Jobim tornou inviável sua permanência no governo. Ao contrário do que deixou transparecer,
Jobim queria ficar na Defesa, mas um encadeamento de declarações infelizes - feitas em diferentes momentos, mas publicadas em sequência - tornaram sua permanência impossível.
Salvo comentário de bastidor de um ou outro oficial de pijama, o nome de
Celso Amorim foi bem recebido nas Forças Armadas. A experiência dos militares com diplomatas no comando das três Armas não é boa, mas
José Viegas, o primeiro ministro da Defesa do ex-presidente
Lula, saiu direto do Itamaraty para a caserna. Ex-chanceler,
Amorim está há seis meses fora do governo. Suas primeiras declarações de apoio à
Estratégia Nacional de Defesa e à manutenção dos programas de modernização em andamento agradaram os militares.
Amorim certamente terá dificuldades se povoar de "itamaratecas" o Ministério da Defesa e demonstrar fraqueza nas negociações sobre orçamento das forças e salários. É apressada a euforia do lobby contrário à escolha dos caças franceses
Rafale para a FAB: Amorim participou da arquitetura do acordo, quando era chanceler do governo Lula.
As denúncias contra a cúpula do Ministério da Agricultura nem de longe representam um problema governo versus PMDB. O que está agora posto é se a faxina ética desencadeada pela presidente da República é a brinca ou à vera.
Dilma não tem problema de base parlamentar. Ao contrário, tem gordura pra queimar. A questão não é de governabilidade, mas da a natureza do governo e de sua política.
As ações da presidente têm uma lógica com começo, meio e fim ou são espasmódicas?
Dilma libertou o gênio da garrafa e se piscar pode ser por ele engolida?
Se a presidente demitir o ministro
Wagner Rossi, a sociedade vai aplaudir. A questão da moralidade já passou dos limites. É inaceitável que o líder do PMDB na Câmara,
Henrique Alves, nomeie a ex-mulher para o Ministério da Agricultura a fim de resolver seus problemas familiares. Antes ela já havia sido demitida da Infraero, motivo, aliás, do desentendimento entre o líder e ex-ministro
Nelson Jobim, um pemedebista acidental.
A ofensiva ética de
Dilma definiu um estilo de atuação de rentabilidade alta e imediata na opinião pública. Mas a presidente agora está com um grande problema nas mãos:
Wagner Rossi. Ele é ministro da Agricultura por indicação de
Michel Temer, que além de vice-presidente da República é presidente do poderoso PMDB.
Rossi é afilhado reconhecido de Temer na Agricultura, como já fora na Conab e na direção dos portos de São Paulo.
O PMDB inteiro sabe disso, assim como desde sempre soube das denúncias que se acumularam contra o ministro nos cargos que exerceu antes por indicação do vice e da estreita ligação do ex-secretário-executivo da Agricultura
Milton Ortolan com o chefe Rossi. Quando
Rossi assumiu o posto, foi sugerido a ele manter na secretaria-executiva o ex-deputado
Silas Brasileiro, mas ele insistiu com
Ortolan.
Se Dilma quiser tirar
Rossi ela não apenas tira como o PMDB não vai fazer nada. Pelo menos por enquanto. Além da opinião pública favorável à presidente, o partido "entende" que, se reagir, vai ficar ainda mais enlameado.
Dilma pegou um peso-pesado pela frente. Sua decisão vai dizer se a faxina é à brinca, apenas uma jogada publicitária, como afirma a oposição, ou à vera.
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Cardozo vai negociar Comissão da Verdade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU