"O cenário mais provável para os próximos anos é de novas recessões, o que obrigará os governos a recorrerem novamente à política fiscal, ou um quadro de estagnação econômica nos países desenvolvidos. Os países emergentes certamente serão afetados em diversos graus, dependendo da sua capacidade de pragmaticamente defender os interesses nacionais", escreve
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), em artigo publicado no jornal
Valor, 09-08-2011.
Eis o artigo.
A atual crise da dívida pública nos
Estados Unidos e alguns países europeus é uma decorrência lógica da grande crise financeira de 2007-2008, e, particularmente, da forma como os governos e bancos centrais reagiram à crise.
Em janeiro de 2009, na reunião da Associação Americana de Economia,
Carmen Reinhart &
Kenneth Rogoff ("
The Aftermath of Financial Crises"), a partir de uma extensa pesquisa empírica, apontavam três características comuns presentes no período pós-crise financeira severa.
Primeira, o colapso do mercado de ativos tem sido profundo e prolongado.
Segunda, no pós-crise bancária sistêmica observou-se grande queda no produto e no nível de emprego, podendo se falar em "década perdida".
Terceira, o valor real da dívida pública cresce explosivamente, verificando-se nos episódios, desde a Segunda Guerra Mundial, um aumento médio de 86% - mesmo que haja "default", a dívida continua aumentando pois os atrasados acumulam e o Produto Interno Bruto (PIB) tende a cair. Na crise atual, o aumento da dívida pública desde 2007 nos países com crise financeira supera em muito aquele número.
Outra conclusão é que existe uma relação fraca entre endividamento do governo e crescimento do PIB para países com relação dívida/PIB abaixo de 90%; mas, acima deste limite, a dívida elevada está relacionada a uma taxa de crescimento significativamente menor.
O explosivo aumento da dívida pública nos
Estados Unidos e
Europa foi causado pelos trilhões de dólares gastos para socorrer os bancos e pelas medidas fiscais para estimular a demanda agregada. Em países onde o cidadão tem consciência de que ele terá que pagar essa conta, como nos Estados Unidos, há uma forte reprovação política dos governos, o que certamente abriu espaço para que grupos radicais antiestado, como o
Tea Party, fizessem chantagens contra o governo
Obama que, surpreendentemente, cedeu. A disputa entre o executivo e o partido republicano que assistimos até a semana passada provocou também uma perda de credibilidade das instituições políticas e fiscais americanas. Aproveitando-se do momento, uma das três empresas de rating (
S&P), desmoralizada após a crise financeira, resolveu fazer um rebaixamento da dívida pública americana para "AA+", abrindo caminho para deteriorar as expectativas e aumentar especulações sobre qual país será o próximo a ser rebaixado.
Mas o resultado mais relevante desta crise política e que terá impactos nos próximos anos é que o governo
Obama terá que cortar mais de US$ 2 trilhões de despesa pública, exatamente no momento em que a economia dá sinais de fraqueza e os fluxos de estímulos fiscais, dados a partir de 2008, chegam ao seu fim. A consequência provável desse corte nas despesas será uma recessão profunda, a exemplo do que aconteceu na crise financeira da década de 30 e no Japão nos anos 90.
Muitos países europeus deverão seguir caminho similar, pois são mais frágeis tanto econômica como financeiramente do que o Estados Unidos. É importante lembrar que estamos falando de uma potência ainda hegemônica que emite moeda reserva, e certamente, se tivermos um novo pânico financeiro e uma nova corrida pela liquidez, o dólar será o porto escolhido.
É importante lembrar que a crise financeira de 2007-2008 não foi equacionada. Ao contrário, os bancos centrais e os governos atacaram basicamente os efeitos da crise, para evitar o colapso financeiro total e fizeram mais dívida, absorvendo dívidas ruins nos seus balanços. Não adianta passar dívidas ruins, feitos na euforia financeira, dos bancos e instituições financeiras privadas para os bancos centrais e os tesouros nacionais. Alguém tem que pagar a dívida ou ela tem que ser cancelada, o que leva anos ou décadas, pois trata-se de um estoque monumental diante dos fluxos de produção e renda que entrarão em contração. Estes são, em última análise, a única garantia para as dívidas.
A monumental expansão monetária e redução da taxa de juros feitas pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), evitou uma crise maior naquele momento, permitindo que detentores de dívida as financiassem com juros fartos e baratos, mas no atual quadro não consegue estimular a economia nem o emprego. Ainda, permitiu a continuidade da especulação financeira, gerou um boom de crédito nos países emergentes e a criação de novas bolhas. Postergou o colapso de muitos bancos e dos ativos financeiros artificialmente, mas a persistir nesse caminho, uma década será pouco para digerir e limpar os seus balanços.
O cenário mais provável para os próximos anos é de novas recessões, o que obrigará os governos a recorrerem novamente à política fiscal, ou um quadro de estagnação econômica nos países desenvolvidos. Os países emergentes certamente serão afetados em diversos graus, dependendo da sua capacidade de pragmaticamente defender os interesses nacionais, gerando crescimento autônomo voltado para o mercado doméstico e uma política cambial mais ativa para se defender contra a guerra cambial e uma política fiscal responsável.
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A crise da dívida americana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU