12 Julho 2011
A censura de um livro sobre Deus não provoca ruptura, mas diálogo. A revista progressista America oferece um ramo de oliveira. Uma lição do Papa Bento sobre o que é a "verdadeira" teologia.
A reportagem é de Sandro Magister e está publicada no sítio italiano Chiesa, 11-07-2011. A tradução é do Cepat.
No silêncio de Castel Gandolfo, para onde se mudou todo esse verão, Bento XVI terá mais tempo para se dedicar às coisas de que gosta: ler, estudar, escrever. Em uma palavra: fazer teologia.
Mas antes de ir aos Castelli, teve que explicar uma vez mais o que entende pela "verdadeira" teologia.
E enquanto isso, do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, veio o sinal de que algo novo e confortador para o Papa está acontecendo nesse território.
* * *
Para voltar a explicar o que é a teologia, o Papa escolheu a cerimônia de entrega de três prêmios aos seus respectivos estudiosos por parte da Fundação Vaticana Joseph Ratzinger-Bento XVI, no dia 30 de junho passado.
Após colocar de guarda seus ouvintes contra a tendência de muitos teólogos de limitar sua pesquisa exclusivamente ao campo da história, ou de subordiná-la à práxis, Bento XVI dedicou toda a sua intervenção – de clareza e luminosidade raras – para mostrar que a teologia deve ser medida em relação com a verdade, em um nexo fecundo entre fé e razão.
Este é o link para o texto completo de seu discurso, disponível por enquanto em italiano, alemão e espanhol, além do inglês em uma versão da agência Zenit: "Primeiramente, quero expressar..."
Deve-se notar que Bento XVI aplica este modo de fazer teologia também no livro Jesus de Nazaré, do qual está escrevendo o terceiro e último volume, dedicado aos Evangelhos da infância.
E também aqui se deve assinalar que por parte dos biblistas – inicialmente em conjunto muito críticos em relação ao livro do Papa sobre Jesus – chegam sinais de maior sintonia com ele.
Isto, ao menos, é o que se constata no Pontifício Instituto Bíblico, anexo à Universidade Gregoriana.
Ali o cardeal Gianfranco Ravasi, também ele famoso biblista, participou recentemente de um seminário com professores e estudantes precisamente para ilustrar e discutir o método de interpretação das Sagradas Escrituras adotado por Bento XVI e recomendado a toda a Igreja em sua exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini, de 30 de setembro de 2010.
Ao final da discussão, as posições dos biblistas da Gregoriana e as do Papa estavam mais próximas que antes.
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Por outro lado, o sinal de diálogo que chega dos Estados Unidos se refere ao caso de uma teóloga famosa, Elizabeth A. Johnson, professora de teologia sistemática na universidade dos jesuítas de Nova York, a Fordham University.
À primeira vista, daria a impressão de se tratar mais de uma ruptura do que de diálogo. No dia 24 de março, a Comissão de Doutrina do Episcopado dos Estados Unidos, presidida pelo arcebispo de Washington, o cardeal Donald Wuerl, emitiu uma nota de censura a um livro muito popular de Johnson, A busca do Deus vivo.
Na carta que acompanhou a publicação da nota, o cardeal Wuerl explicou que a preocupação primeira dos bispos da Comissão de Doutrina era a de prevenir "aqueles estudantes que, lendo este livro, podem ser induzidos a pensar que o seu conteúdo também seja o ensinamento autêntico da Igreja".
Porque, segundo a nota, são ao menos sete os pontos sobre os quais as teses de Johnson parecem se afastar da doutrina da Igreja.
Seriam colocados em questão o dogma da trindade de Deus e da criação, a favor de uma ideia do divino imanente ao mundo, muito embebida de "ceticismo iluminista".
Mas não apenas isso. Elisabeth colocaria em dúvida que Jesus Cristo seja o único salvador de todos os homens, porque, na sua opinião, apenas a soma do cristianismo, do hinduísmo, do budismo, do islã, etc. permitiria conhecer a verdade de Deus.
Mas não obstante isso, a autora não recebeu nenhuma sanção. Continua ensinando com a permissão dos próprios bispos que censuraram o livro.
Johnson reagiu com uma breve e sóbria réplica, publicada na página na internet da Fordham University.
E pouco tempo depois, no dia 8 de abril, veio a réplica da Associação de Teólogos Católicos Americanos, da qual Johnson foi presidenta.
O cardeal Wuerl, por sua vez, respondeu, no dia 18 de abril, com um memorando enviado a todos os bispos dos Estados Unidos no qual explica que uma das tarefas de todo bispo é justamente a de ensinar a reta doutrina.
Poder-se-ia ser levado a pensar que se trata do conhecido roteiro das insolúveis oposições entre teólogos e hierarquia, no qual cada um se mantém em sua postura. Mas não foi assim.
Basta ler os textos que constituem o diálogo para ver com que respeito e atenção cada um dos interlocutores se dirige ao outro e discute suas razões.
A própria Johnson renunciou voluntariamente a conceder entrevistas, a provocar polêmicas e a tomar uma atitude de vítima.
No dia 06 de junho, ela dirigiu ao cardeal Wuerl e aos outros bispos da Comissão de Doutrina um texto longo e argumentado para esclarecer o conteúdo de seu livro, capítulo por capítulo, em resposta ao seu "convite para o diálogo".
Mas, além disso, ao se estender a outros teólogos e estudiosos católicos americanos, a disputa se orientou pela busca de pontos de proximidade, em vez de ruptura entre teólogos e bispos.
E isto também no chamado campo "progressista".
É o que mostra o artigo reproduzido na sequência. Saiu na America, revista dos jesuítas de Nova York que é uma expressão de ponta do pensamento católico americano "liberal".
O autor, Robert P. Imbelli, é sacerdote da arquidiocese de Nova York, ensina teologia no Boston College, foi um dos dirigentes da Associação dos Teólogos Católicos Americanos e um dos fundadores da Catholic Common Ground Initative promovida pelo cardeal Joseph Bernardin, farol do catolicismo progressista americano dos anos 1990.
Além disso, escreve no dotCommonweal, o blog da revista nova-iorquina que tem entre seus escritores mais conhecidos o padre Joseph A. Komonchak, historiador e teólogo, responsável pela edição inglesa da história do Concílio Vaticano II produzida pela "Escola de Bolonha" fundada por Giuseppe Dossetti.
Um outro sinal que Imbelli considerou positivo aconteceu no dia 9 de junho em San José, Califórnia. A Associação dos Teólogos Católicos Americanos começou sua reunião anual com um momento de oração concluído com uma reflexão do bispo local. E o ponto culminante do encontro foi a celebração da eucaristia.
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Um terreno comum para teólogos e bispos,
por Robert P. Imbelli
[...] No dia 24 de março, a Comissão da Doutrina da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos emitiu uma declaração crítica sobre o livro A busca do Deus vivo, da Elizabeth A. Johnson, CSJ, ex-presidente da Associação dos Teólogos Católicos Americanos. Pouco tempo depois, no dia 8 de abril, o comitê desta Associação respondeu com uma declaração lamentando, entre outras coisas, as carências do processo pelo qual a Comissão havia chegado a tal conclusão. Esta declaração está na origem, dez dias depois, de uma carta do cardeal Donald Wuerl, de Washington, presidente da Comissão de Doutrina dos bispos. A carta "O bispo como mestre", falava das particulares responsabilidades dos bispos em matéria de doutrina e dos respectivos papéis e responsabilidades dos bispos e dos teólogos na Igreja.
Mas, apesar do aparente desacordo, existem claramente visões e compromissos compartilhados. A declaração da Associação dos Teólogos Católicos Americanos diz: "Nós estamos conscientes das vocações complementares, mas diferentes dos teólogos e do magistério e estamos abertos a ulteriores diálogos com a Comissão de Doutrina sobre a compreensão da nossa tarefa teológica". Por sua vez, o cardeal Wuerl, embora reconhecendo a presença de inevitáveis tensões, insiste: "Não obstante tudo, quando existe boa vontade de ambas as partes, e quando ambas as partes – bispos e teólogos – se inclinam à verdade revelada em Jesus Cristo, suas relações podem ser de profunda comunhão na exploração conjunta das novas implicações do depósito da fé".
Três pontos para um diálogo
No esforço de favorecer este diálogo necessário, gostaria de assinalar três pontos que merecem a forte atenção dos bispos e dos teólogos e que requerem capacidade de julgamento e de diálogo.
O primeiro ponto consiste em reafirmar que a teologia é uma disciplina eclesial e que a vocação do teólogo é, também ela, estritamente eclesial. À luz das palavras dos bispos e dos teólogos acima citados, isso deveria ser evidente por si mesmo. Mas (para usar as palavras do beato John Henry Newman), uma coisa é afirmá-lo "especulativamente" e outra bem diferente é "realizar" em plenitude sua essência e suas implicações.
Um fator crucial que complica esta realização é que nos Estados Unidos a localização social da teologia se deslocou visivelmente, a partir do Concílio Vaticano II, dos seminários para as universidades. Mesmo que tenha produzido indubitáveis benefícios, este deslocamento também comportou desvantagens. Penso particularmente na perda de um contexto litúrgico compartilhado ao se fazer teologia. Uma iniciativa criativa poderia ser, para os bispos e os teólogos do lugar, reunir-se ao menos uma vez ao ano no contexto de uma celebração litúrgica ou de um diálogo teológico. Um elemento distintivo da Catholic Common Ground Initiative lançada pelo desaparecido cardeal Joseph Bernardin foi sua insistência em desenvolver discussões dentro do espaço comum de uma celebração litúrgica.
Um segundo ponto potencialmente frutuoso para os bispos e teólogos poderia ser o vínculo essencial entre três dimensões cruciais da missão da Igreja: o kerigma, a catequese e a teologia. Depois do Concílio Vaticano II se repetiu frequentemente: "façamos teologia, não catecismo". Enquanto apelo a respeitar a originalidade da tarefa teológica, pode ser compreensível. Mas sofre de um duplo distanciamento da realidade eclesial. Pode insinuar um divórcio entre a teologia e a proclamação do Evangelho. Se a teologia é, como muitos admitem, "fé que busca inteligência", então dificilmente ela pode prescindir do conteúdo desta fé. Na primeira carta de Pedro, frequentemente citada pelo Papa Bento, lemos: "Reconheçam de coração o Cristo como Senhor, estando sempre prontos a dar a razão (logos) de sua esperança a todo aquele a pede a vocês". Esta razão está sempre fundada na esperança que está em Cristo Jesus, mais ainda, que "é" Cristo Jesus.
Além disso, o divórcio entre a catequese e a teologia parece estar, na presente realidade eclesial, desesperadamente abstrato. Um conjunto de comentaristas dos "tradicionalistas" aos "progressistas" contribui para esta terrível situação de analfabetismo bíblico e teológico que aflige os jovens católicos. O bem comum da comunidade certamente requer uma renovada colaboração entre os bispos e os teólogos para enfrentar esta crise. Um coro de lamentos, ou pior, uma absolutória atribuição a outros das culpas, está bem longe de uma resposta promissora.
Um terceiro ponto, o mais crucial, deriva dos primeiros dois. Os teólogos importantes que colaboraram com os bispos na produção dos maravilhosos documentos do Vaticano II proclamaram a uma só voz a única revelação de Deus da qual a Bíblia dá testemunho. Portanto, o Concílio afirma que "o estudo das Sagradas Escrituras" deveria ser "a alma de toda a teologia". E se bem que a referência direta seja à formação para o sacerdócio, a nova colocação social da teologia, acima reclamada, dá ainda mais importância a esta outra afirmação do Concílio: "As disciplinas teológicas devem ser ensinadas à luz da fé e sob a direção do Magistério da Igreja de modo que os estudantes possam acuradamente haurir da Revelação divina a doutrina católica, nela penetrar profundamente, torná-la alimento da própria vida espiritual" (Optatam Totius, 16).
Contudo, o apelo do Concílio para colocar o estudo da Escritura no coração da tarefa da teologia se vê comprometido, se na prática, o estudo da Bíblia deixar de ser um corpo a corpo com a Escritura como testemunho privilegiado da revelação divina. Infelizmente, constata-se que, em certos casos, os estudos bíblicos têm a tendência de destroçar um texto antigo fascinante e influente que não é mais "página sagrada", mas antes uma "página ordinária". Em uma situação como esta, a teologia se transforma inevitavelmente em estudos religiosos e sobre os poucos cursos de teologia sistemática se acumulam pesos que não são capazes de suportar.
Para colocar a questão mais profundamente: esta tendência ameaça a substância cristológica da fé que busca uma inteligência mais plena: inteligência, não relativização, e menos ainda substituição.
O eminente estudioso do Novo Testamento Luke Timothy Johnson não se priva de chamar a atenção para um "colapso cristológico" no catolicismo contemporâneo. Fez um apelo ao mesmo tempo aos bispos e aos teólogos para que os primeiros deem razão de sua negligência pastoral, e os segundos de sua capitulação cultural. Está claro que isso não significa lançar uma acusação indiscriminada. Trata-se antes de um "grito do coração" que ambos os grupos fariam bem em escutar (Ver o ensaio de Johnson "On Taking the Creed Seriously", em "Handing on the Faith: The Church’s Mission and Challenge", editado por Robert P. Imbelli, 2006).
Johnson lança uma recomendação importante. Insiste: "os teólogos devem ler as Escrituras de outras maneiras, não apenas do ponto de vista histórico" (suponho que entre os teólogos inclui os professores católicos de Sagradas Escrituras). Este apelo faz pensar na vontade do Papa Bento XVI, expressa em seus dois volumes sobre Jesus de Nazaré, de promover uma "hermenêutica cristológica". O objetivo e as implicações de tal hermenêutica – ler tudo nas Escrituras Sagradas à luz de seu cumprimento em Cristo ressuscitado – poderia servir como um primeiro ponto de juízo, em um encontro entre bispos e teólogos.
Para além da polarização
Mais para o final de sua declaração, o comitê da Associação dos Teólogos Católicos Americanos faz uma persuasiva citação da Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, do Vaticano II. A passagem diz entre outras coisas: "Compete a todo Povo de Deus, principalmente aos pastores e teólogos, com o auxílio do Espírito Santo, auscultar, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julgá-las à luz da palavra de Deus, para que a Verdade revelada possa ser percebida sempre mais profundamente, melhor entendida e proposta de modo mais adequado" (n. 44). É uma passagem que expressa bem a tarefa ao mesmo tempo comum e diferenciada dos bispos e dos teólogos.
Mas a Constituição conciliar prossegue – no parágrafo que está imediatamente na sequência e que serve de conclusão e resumo para toda a primeira parte – dando uma especificação cristológica precisa desta "palavra de Deus" e "Verdade revelada": "Pois, o Verbo de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas, Ele próprio Se encarnou, de tal modo que, como Homem perfeito, salvasse todos os homens e recapitulasse todas as coisas" (n. 45).
A recente beatificação de John Henry Newman pode animar uma providencial renovação de um encontro sério entre bispos e teólogos. Três aspectos do programa teológico-pastoral de Newman são propícios para isto. O primeiro é seu grande respeito pela função episcopal. Quem conhece os escritos de Newman sabe que tal respeito não deriva de uma adulação acrítica, mas de um convencimento teológico.
O segundo é o apreço de Newman pelo posto indispensável da teologia no complexo e criativo triângulo de tensões que constitui a única Igreja de Cristo. As dimensões devocional, intelectual e institucional da Igreja se sustentam invariavelmente, desafiam e se integram mutuamente. Se cada uma se tornar hegemônica, só pode diminuir o mistério de Cristo.
Enfim, desde o momento de sua inicial conversão à fé, aos 15 anos, até o término de sua longa vida, Newman insistiu na primazia do "princípio dogmático" na vida da Igreja, não enquanto proposição, mas enquanto pessoa. Ele escreve: "A encarnação do Filho de Deus é, mais que toda doutrina extraída de uma visão parcial da Escritura (por mais certa e importante que possa ser), o artigo de fé sobre o qual a Igreja se mantém ou cai". Para Newman, assim como para o Vaticano II do qual ele foi um precursor e inspirador, esta afirmação sobre a identidade centrada no Cristo da fé é a condição da autêntica integração católica.
Há 15 anos, consciente de uma crescente e debilitante polarização na Igreja nos Estados Unidos, o cardeal Joseph Bernardin criou a Catholic Common Ground Initiative. O documento de fundação da Initiative, "Chamados a ser católicos: a Igreja em um tempo de perigo", analisava a fundo a situação pastoral e oferecia princípios e linhas diretrizes cheios de esperança para continuar a caminhada. O mais importante destes princípios era o seguinte: "Jesus Cristo, presente nas Escrituras e nos sacramentos, está no centro de tudo o que fazemos; Ele sempre deve ser a medida e não aquele que é medido". Jesus Cristo segue sendo o único fundamento sobre o qual tanto a teologia como os bispos podem apoiar-se com toda segurança.
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A teóloga e o cardeal. Uma história americana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU