11 Julho 2011
Conflitos por autonomia, luta pela terra e defesa do meio ambiente são em sua maioria protagonizadas pelos povos originários; povos que são permanentemente permeados pelo conflito armado e inclusive confrontando-se muitas vezes com as FARC.
A análise é de Hector Mondragón, pesquisador da guerra civil colombiana e dos movimentos sociais em entrevista à Veronica Gago do Página/12, 11-07-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
A realidade da Colômbia se conhece a partir dos seus atores clássicos: FARC, o exército e o governo. No entanto, há uma realidade dos movimentos sociais. Que força tem esses movimentos? O que eles pedem e em que medida rompem a situação de guerra que parece dominar a Colômbia?
O problema é que o movimento social na Colômbia é invisível tanto para o povo colombiano, com também para fora do país. Esconde-se a existência de um movimento social que tem feito um grande esforço em se mobilizar para atingir os seus objetivos em meio a uma situação de violência, o que obviamente prejudica a sua luta e que já custou a vida de muitos de seus líderes que foram mortos, desapareceram, ou foram forçados ao exílio. São movimentos, entretanto, que continuam preservando sua dinâmica e é interessante destacar que mesmo apesar da violência existente, as pessoas conseguem fazer uma resistência civil massiva em meio a tanta dificuldade.
Nesse momento há muita luta nas comunidades de base para defender suas terras, o meio ambiente, a vida cotidiana, seu bem viver frente aos grandes projetos, sobretudo os de minérios que desconhecem a vida das comunidades. Por outro lado, o movimento indígena conseguiu preservar muitas organizações. Entretanto, entre 2002 e 2008 se atingiu um recorde de assassinatos de indígenas, e ainda continuam sendo assassinados. Essas mortes estão relacionadas com a organização indígena, o movimento de maior coesão e capacidade de se mobilizar por seus direitos reconhecidos na Constituição desde 1991. Entretanto, como já aconteceu com o movimento sindical em que 2.800 dirigentes assassinados na última década, essa dose de violência aplica-se agora ao movimento indígena.
Os assassinatos são estatais ou paraestatais?
São estatais, paraestatais e também das guerrilhas. Há um conflito territorial entre as guerrilhas e os povos indígenas, porque os indígenas têm lutado pela sua independência e por sua autonomia e a autonomia é exatamente decidir por suas proprias forças, o tipo de governo em seu território, e assim por diante. Muitos indígenas deram suas vidas porque a guerrilha pretende impor seu mando sobre as terras indígenas. E isso vem de vários anos, um percentual de vítimas de assassinato foram cometidos pela guerrilha. Por outro lado, os paramilitares e o próprio Estado também têm matado. A última mobilização que ocorreu em 2008, grande e importante, foi reprimida a bala, mas no final os indígenas conseguiram um acordo público sobre território indígena, entre o presidente e a principal líder indígena que após retornar das negociações encontrou seu marido assassinado. Ele foi assassinado por um grupo de soldados uniformizados em missão oficial, supostamente para atacar um grupo de guerrilheiros. A existência de conflito armado na Colômbia é um obstáculo para os movimentos sociais porque dá um pretexto para a acusação aprofundando a repressão contra os seus membros.
O que é o movimento dos movimentos chamado de ‘La Minga de resistência social e comunitária’?
"Minga" é uma palavra quechua que significa "trabalho coletivo da comunidade”. Neste caso, “La Minga” foi uma mobilização feita com o esforço coletivo que partiu da base indígena e mobilizou diversos setores que, por sua vez, estavam interessados nos problemas das pessoas dos bairros pobres. Começou com força em 2004. Esse contato forte, a relação que o movimento indígena tinha com a sociedade em geral e outros movimentos em particular foram severamente reprimidos. No entanto, ele conseguiu conquistas no tema da Terra. Derrotou leis que feriam os direitos conquistados na Constituição de 1991. Deve ser mencionado que o movimento sindical mantém alguma força, especialmente na área de professores e trabalhadores do petróleo em parte função desse movimento. Em 2008, simultâneo com a grande mobilização da Minga, tivemos uma greve de trabalhadores do açúcar, outro movimento social que foi violentamente reprimida, mas que recentemente foram protagonistas de grandes mobilizações. Há também uma série de outros importantes movimentos sociais pelos direitos humanos e pela paz.
O seu último livro fala do Plano Colômbia como um cavalo de Tróia para a América do Sul. O que quer dizer?
Toda esta situação que se deu na Colômbia tem resultado numa militarização do continente. É evidente que a questão do tráfico de drogas e a luta contra a guerrilha na Colômbia têm servido como um mecanismo para impor uma presença militar, particularmente dos EUA na Colômbia, o que obviamente tem a ver com uma situação continental e da situação particular da Colômbia em relação ao continente. Refiro-me a situação geográfica que permite uma vizinhança com os países que têm petróleo e com a importância da Amazônia.
Uma coisa que acontece na Colômbia e é menos conhecida é a situação dos “falsos positivos". Poderia explicar o que é isso?
Isso é inacreditável para muitas pessoas e para nós também. Na medida em que se ofereciam recompensas pela morte de um guerrilheiro, alguns membros das forças armadas decidiram ganhar dinheiro matando outras pessoas, como moradores de rua ou pessoas com problemas mentais. Os moradores de rua ou pessoas com problemas de drogas foram os primeiros a serem usados nesse sentido. Mas, então, a coisa cresceu e começaram a enganar as pessoas dizendo-lhes tinham trabalho em uma fazenda e lá eram sacrificadas para coletar a recompensa, passando-as como guerrilheiras. Diz-se que pelo menos 1.500 pessoas foram mortas dessa forma, mas possivelmente foram muito mais.
A sua pesquisa focaliza o que chama de dinâmica imperial, especialmente a partir da análise das crises e das guerras. Como articula essas questões?
A estratégia do império tem a ver com a configuração do capital transnacional. Desde a minha juventude eu pesquiso esse tema, procuro ler a configuração desses grupos, o aparecimento e desaparecimento de empresas. Logo eu aprendi a pesquisar quem eram os membros das direções, e é uma pesquisa que venho atualizando por cerca de 30 anos. Por aí pode se ver a força crescente destes grupos financeiros, como entram na indústria farmacêutica, na agricultura, na alimentação e assim por diante. A outra questão que eu tenho pesquisado é o tema dos ciclos econômicos, com seus ascensos e a crise cíclica e a sua relação com a guerra. Uma época foi a guerra na Iugoslávia, depois a guerra no Iraque e agora novamente na Líbia, e isso tem a ver diretamente com o desenvolvimento dos ciclos econômicos onde a guerra aparece como uma solução para a crise desses ciclos.
Nessa linha, considera a guerra como um momento em que se intensifica a acumulação capitalista...
Sim, mas é interessante ver as várias maneiras como se dá a acumulação. Por um lado há a acumulação por expropriação, que é uma das coisas óbvias da guerra: eles chegam e levam o petróleo e pronto. Outra é a acumulação por destruição do capital, que ocorre no momento de crise: quando uma empresa vai à falência, as máquinas permanecem lá, mas não como capital, agora são máquinas fora de uso, deixam de produzir e perdem seu valor econômico. Os empresários que sobrevivem à crise se beneficiam desta grande destruição, e tornam-se monopólios ou tomam conta do mercado que quebrou. Até mesmo compram baratíssimas as máquinas que foram abandonadas e se apoderam do que restou da destruição. Há também acumulação por captura de mercados, tanto pela ausência de competição como mercados que se abrem para a exploração da venda de produtos. Finalmente, há a acumulação da exploração do trabalho, os trabalhadores deslocados em função da guerra se tornam superbaratos, se convertem em imigrantes ilegais e passam a ser o exército de reserva de mão de obra do capital global.
Todo este processo se deu diversas vezes na última década...
Se formos ver a guerra no Iraque, temos todas as formas de acumulação, porque primeiro eles destruíram a capital iraquiana, em seguida, se apropriaram do seu mercado, também tomaram o petróleo e movimentaram o mercado de produtos da guerra. Foi um negócio completo que serviu para superar a crise de 2001-2002. Depois da guerra, em 2003, veio uma nova onda de acumulação de capital até 2008, quando os EUA novamente entrou crise, e começa o financiamento dos bancos, a desvalorização do dólar, a guerra de moedas, mas depois a Europa entra em crise, Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha. Até a Inglaterra tem uma dívida enorme. Então, qual é a saída? Mais uma vez a mesma coisa: a guerra.
Há um debate na América Latina sobre se a saída do neoliberalismo veio dos protestos em massa dos últimos anos e o modo como os governos regionais interpretaram a mudança de cenário. Qual é a sua posição?
Em primeiro lugar, podemos dizer que nem todos os países da América Latina entraram no neoliberalismo com a mesma intensidade, porque isso sempre depende da resistência do povo e também como o capital tinha organizado as suas proprias estruturas. Vemos, por exemplo, que o Chile chegou a privatizar a água, os rios, os lagos, o que na maioria dos países não aconteceu. Na Bolívia nunca conseguiram privatizar a água, mesmo em tempos de intensificação do neoliberalismo, justamente porque o povo se levantou e disse não. Em outros países, nem sequer se atreveram a propor isso. Mas no Chile, por outro lado, o Estado nunca perdeu a sua participação na exploração das minas de cobre. Então tudo isso tem características muito diferentes em cada país da América Latina. Portanto, não podemos pensar que tudo virou neoliberal um dia e tudo deixou de ser neoliberal noutro dia, porque também a forma como as pessoas têm enfrentado em cada país ao neoliberalismo tem sido diferente.
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"O conflito armado na Colômbia presta-se à perseguição dos movimentos sociais" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU