04 Julho 2011
Um evento recentemente anunciado está marcado para os dias 6 a 9 de fevereiro de 2012: uma grande conferência na Universidade Gregoriana de Roma, copromovida por vários departamentos do Vaticano (incluindo a Secretaria de Estado e a Congregação para a Doutrina da Fé) sobre o combate contra a crise dos abusos sexuais.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 24-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De acordo com o padre jesuíta Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, essa será a primeira "reflexão sistemática comum em nível internacional" sobre a crise. O objetivo, segundo ele, é fomentar uma "cultura de escuta às vítimas, de prevenção e de reconciliação, que deve fazer parte, permanente e integralmente, da vida da Igreja".
Aliás, um provável ponto a ser perdido no meio do frisson midiático sobre uma "cúpula do Vaticano sobre os abusos sexuais" é que o evento, na verdade, começou como uma iniciativa dos jesuítas e da Gregoriana. O padre jesuíta Francois Xavier Dumortier (foto), reitor da Gregoriana, disse em uma coletiva de imprensa do último sábado que, como a universidade conta com mais de 2.000 seminaristas, padres e religiosos em seu corpo discente – alguns, é claro, destinados a serem futuros bispos e superiores religiosos –, ela sente uma responsabilidade especial para ajudar a curar a "dor e sofrimento" que a crise causou "às vítimas de uma forma profunda e específica", assim como "à igreja em todo o mundo".
O site da conferência pode ser acessado aqui.
A ideia, segundo os organizadores, é fomentar a aplicação de um recente conjunto de linhas-diretrizes para combater o abuso emitido pela Congregação para a Doutrina da Fé. Publicado no dia 16 de maio, esse documento pedia que os bispos se focassem no apoio às vítimas, criando um ambiente seguro na Igreja, e na cooperação com a polícia e com os promotores civis quando crimes contra menores ocorram. A congregação dirigiu as conferências episcopais que ainda não têm políticas sobre abuso a desenvolvê-las até maio de 2012.
Os planos para o simpósio de fevereiro de 2012, intitulado "Rumo à cura e à renovação", foram no dia 13 de junho. Mais de 200 representantes das conferências episcopais e comunidades religiosas são esperados, onde, dentre outras coisas, um novo centro de e-learning multilinguístico para autoridades da Igreja, projetado para recolher e promover "boas práticas", será introduzido.
Os detalhes foram apresentados em uma coletiva de imprensa na Gregoriana no dia 18 de junho, com Lombardi e o monsenhor maltês Charles Scicluna, promotor-chefe do Vaticano sobre casos de abuso sexual.
Um comitê preparatório é liderado pelo jesuíta alemão Pe. Hans Zollner, que dirige o Instituto de Psicologia da Gregoriana. Em 2010, Zollner e outro jesuíta, o padre italiano Giovanni Cucci, publicaram um livro sobre a crise intitulado A Igreja e a pedofilia: Uma ferida aberta. Nele, eles argumentaram que um "pânico moral" induzido pela mídia em torno da pedofilia, apresentando casos antigos como novos e distorcendo as dimensões estatísticas do problema, "não ajuda ninguém".
A conferência será realizada em quatro idiomas, incluindo o inglês. A cobertura na mídia de língua inglesa deverá ser significativamente ajudada pelo fato de que o assessor de imprensa é Alexander Des Forges, cujo trabalho é tratar das relações com a mídia para a Conferência dos Bispos da Inglaterra e do País de Gales.
Um dos principais contribuintes norte-americanos será o Mons. Stephen Rossetti, psicólogo que anteriormente atuou como diretor do Instituto São Lucas, em Silver Spring, Maryland, que trata dos padres abusadores (Rossetti, aliás, tem um novo livro pela Ave Maria Press intitulado Why Priests are Happy: A Study of the Psychological and Spiritual Health of Priests [Por que os padres são felizes: Um estudo da saúde psicológica e espiritual dos padres]. Embora eu não tenha certeza que isto seja uma indicação para as vendas, eu contribuí com o prefácio).
Também haverá uma série de oficinas sobre o programa Virtus desenvolvido no final dos anos 1990 nos Estados Unidos pelo National Catholic Risk Retention Group. Sua ação central é "Proteger os Filhos de Deus", que treina clérigos, religiosos, professores, funcionários, voluntários e pais sobre os sinais de abuso e formas de preveni-lo, assim como formas de fazer um relatório e de como responder a uma acusação. O programa está atualmente em uso em mais de 100 dioceses de todos os Estados Unidos.
Michael Bemi, antigo funcionário da indústria de seguros e atual diretor-executivo do National Catholic Risk Retention Group, disse ao NCR que espera que a conferência na Gregoriana gere interesse nos programas de prevenção e de detecção do abuso em todo o mundo. Na expectativa disso, disse Bemi, o Virtus já começou a acrescentar formadores fluentes em várias línguas que poderiam se espalham em diferentes partes do globo.
A lição central do Virtus, disse Bemi, é que o abuso sexual infantil é "um problema enorme, mas não é insuperável". Prova disso, afirmou, é que as dioceses que fizeram um sério compromisso com a prevenção e a detecção estão pagando muito menos hoje para regularizar as denúncias.
Com efeito, a conferência de 2012 molda uma espécie de holofote sobre o que se poderia chamar de a melhor resposta institucional para a crise.
Para aqueles que se inclinam por dar o benefício da dúvida à instituição, a conferência vai destacar a inegável mudança radical em sua cultura. De um padrão de negação e de acobertamento, a Igreja se moveu agressivamente para "olhar o pecado e o crime de pedofilia na cara", como Scicluna afirmou durante uma recente entrevista à Rádio do Vaticano. Hoje, a instituição, em muitas partes do mundo, tornou-se uma precursora na prevenção e na detecção do abuso e está oficialmente comprometida tanto com a punição civil quanto eclesial aos abusadores.
Aqueles que veem as denúncias institucionais através de uma hermenêutica da suspeita, no entanto, provavelmente não se acalmarão. Não há nenhuma indicação de que a cúpula de 2012 será uma ocasião para debater o celibato sacerdotal ou a moral sexual católica, e não há nenhuma sugestão de que vai marcar um novo sistema de responsabilização para os bispos que geriram mal ou ignoram as denúncias de abuso – ainda a linha mais persistente de críticas daqueles que acreditam que a Igreja não absorveu totalmente as lições da crise.
Como nota de rodapé, na coletiva de imprensa do último sábado, era notável a presença de Scicluna, o dinâmico procurador que, de fato, representa a "ponta de lança" da resposta do Vaticano à crise dos abusos sexuais. Foi Scicluna, por exemplo, que liderou a investigação sobre o falecido padre Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo, que resultou na ordem do Papa Bento XVI para que Maciel observasse uma vida de oração e de penitência em seus últimos anos.
Canonista por formação, Scicluna tem uma reputação de inteligência e de integridade. Dada a natureza do seu trabalho, Scicluna está mais familiarizado com os detalhes dos casos de abuso católicos do que qualquer outra pessoa no planeta. Ele também é altamente articulado e se sente à vontade na cultura impressa do mundo anglo-saxão. Entre os íntimos, é um antigo mistério o porquê de Scicluna não ter estado mais à frente desse processo. Por consenso, as poucas entrevistas que ele deu estiveram entre os pontos altos dos esforços de comunicação do Vaticano sobre a crise.
Talvez o evento de 2012 seja um sinal de que isso está prestes a mudar.
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Gregoriana irá acolher conferência sobre abusos sexuais na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU