26 Junho 2011
- "Mas então não tem missa de Corpus Christi hoje?"
Não é a primeira paroquiana que faz essa pergunta ao pároco de Santa Adela, Rafael Rojo. Ele explica, um pouco irritado, que o Corpus Christi é celebrado no domingo, e que toda essa confusão é culpa de que a comunidade de Madri transferiu sua festa, que caiu no domingo, para a quinta-feira, 23.
A reportagem é do jornal El País, 26-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Rafael, cabelos brancos, natural de Burgos, 70 anos, está há 11 anos na frente desse templo do bairro de Canillejas, a leste de Madri. Um bairro operário em que a crise faz estragos. E a crise é o pano de fundo do documento que ele tem nas mãos, redigido pelo Fórum de Padres de Madri, ao qual ele pertence. Está intitulado Los Mecenas de Rouco e contém uma brutal crítica às empresas espanholas que criaram a Fundação Madri Vivo para patrocinar a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) 2011, que será realizada em agosto na capital espanhola com a participação do papa.
"Temos uma forma de levantar as questões da Igreja menos `seguidista` do que a maioria", diz Rojo. Ele se refere ao Fórum de Padres de Madri, que inclui 120 sacerdotes, críticos das jornadas da juventude, do arcebispo, da Igreja "monolítica" e da fórmula escolhida para financiar pelo menos 30% dos 50 milhões de euros que o evento irá custar.
"Essas jornadas não agradam nem ao papa", diz Rojo. "Teriam que ser chamadas de Jornada Mundial dos Jovens Católicos Conservadores". Não exatamente os que lhe agradam. Menos que a erupção do Movimento 15-M lhes levantou a moral. Eles veem nos indignados o fermento de uma nova conscientização social. Será que o 15-M lhes inspirou o documento? "Não, estávamos preparando-o há muito tempo", diz ele.
Outra coisa é que o fórum de padres – surgido em 2007 como resposta à tentativa de fechamento, por parte do arcebispo de Madri, Antonio María Rouco Varela, da igreja de São Carlos Borromeu, no humilde bairro de Entrevías – mantenha uma sintonia considerável com os indignados. Para comprovar isso, basta abrir o site do fórum (com um único link, a propósito, para o Fórum Gaspar García Laviana, sacerdote asturiano que se incorporou à guerrilha sandinista, morto em 1978).
Los Mecenas de Rouco poderia ser obra dos indignados. Nele, são ditas coisas como esta: "As grandes entidades financeiras e o poder político que atuam a seus ditames estão obrigando a que os cortes de gastos realizados pelos governos se centrem em direitos sociais, em investimentos públicos produtivos, em contração dos salários etc., mas não em cortes do que beneficia a eles, tais como as ajudas aos bancos ou à grande empresa, os gastos militares".
É pouco provável que o documento receba muitos apoios entre os eclesiásticos madrilenhos. "Há muito medo entre os padres", diz Javier Baeza, 43 anos, pároco de São Carlos Borromeu, que dá uma mãozinha quando é preciso na paróquia de Cañada Real, uma das zonas mais pobres e problemáticas da periferia de Madri. "Parece-nos um absurdo organizar essa visita, com essas pompas, na situação de crise atual", acrescenta.
O que mobilizou esses padres foram as imagens da audiência concedida por Bento XVI, em julho de 2010, aos membros da Madri Vivo, acompanhados pelo cardeal Rouco. Ali estavam os diretores da fundação, criada pela Telefónica, Abengoa, FCC, Sacyr Vallehermoso, Iberdrola, Banco Santander e BBVA, entre outros.
Seu texto servirá para alguma coisa? "O programa da JMJ não vai ser modificado em nada, mas a repercussão foi grande. Há muitas pessoas que associam Igreja a poder. O documento mostra que há uma voz crítica dentro da Igreja". A afirmação é de Evaristo Villar, professor de teologia, de quase 70 anos.
O fórum também é incentivado por Eubilio Rodríguez, sacerdote de 67 anos, semiaposentado. "O documento enfatiza que a prática dessas empresas é contraditória com esse patrocínio", diz. Ele repete a frase do Evangelho: "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro". Há muito tempo o mundo já fez a sua escolha.
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