26 Junho 2011
"Pela primeira vez vi uma mobilização diferente, onde o protagonismo, a voz, a expressão e o protesto eram das pessoas, com uma espontaneidade e uma emoção para mim sem precedentes". O comentário é de Inés Sabanés que acaba de abandonar a Izquierda Unida – IU [Esquerda Unida] para entrar na formação "rojiverde" Equo. Inés argumenta que políticos e instituições devem assimilar muito das reivindicações do 15-M.
Inés Sabanés concedeu a sua primeira entrevista de sua nova etapa política ao El País, 26-06-2011. A tradução é do Cepat.
As mensagens em seu Twitter são um bom termômetro do seu estado de ânimo. Basta ler o que Inés Sabanés publicou no dia 19-J, dia da grande manifestação do Movimento 15-M para se ter uma idéia do que pensa:
"Impresionante #19Jmadrid".
"Chegando a coluna Atocha, Madri abarrotada, histórico #19Jmadrid".
"Definitivamente estes são os mov q produzirão as mudanças de verdade #19Jmadrid".
"Impressionante Netuno: o povo unido jamais será vencido #19Jmadrid".
São as mensagens de uma lutadora emocionada. De uma política que se enche de ilusões novamente. De uma corredora de fundo que acaba de soltar os pesos e que volta a voar, livre das amarras. De uma mulher que escuta e celebra a voz das ruas.
Ex-porta voz da Esquerda Unida na Comunidade de Madri; ex-partidária de Gaspar Llamazares cuja corrente, Esquerda Aberta, ficou em minoria diante do ascenso de Cayo Lara; ex-algoz de Alberto Ruiz Gallardón e de Esperanza Aguirre. Aos seus 58 anos, Inés Sabanés é tudo isso e, desde a semana passada, integrante de Equo, a nova formação rojiverde de Juantxo López de Uralde, ex-diretor do Greenpeace na Espanha.
López de Uralde três anos atrás em uma recepção oficial em Copenhague chamou a atenção sobre a falta de compromisso dos líderes mundiais na luta contra a Mudança Climática. O cartaz que trazia dizia: "Os políticos falam. Os líderes agem". É López de Uralde um bom líder?
Claro. Mas hoje as lideranças se fazem mais de pessoas do que de outra coisa. A capacidade de trabalhar em rede é superior à forma tradicional de trabalhar verticalmente. Ele enviou essa mensagem em um ato de desobediência. Se as ruas nos ensinam algo é que o conceito de liderança tem que ser coletivo, partilhado, horizontal e ativista.
E encontrou isso ao entrar na Equo?
Sim. Há um compromisso de horizontalidade. Busca-se acordos, consensos. Trabalha-se somando. Faz tempo que se vinha especulando essa decisão de Inés Sabanés. Seus inimigos agitavam o fantasma de sua possível ida para o PSOE. Já podem desistir. Sabanés optou em começar de baixo.
Madri, 26 de maio. Passaram quatro dias das eleições. Juantxo López de Uralde e Inés Sabanés se encontram em um café na zona da Concha Espina, norte de Madri. Nessa tarde, após alguns cafés, se sela a entrada da ex-membro da Esquerda Unida na Equo. Desse encontro sairá dizendo que tem que amadurecer até o ponto que se envolverá nesse projeto.
Um dos seus tuits do 19-J diz: "Chamam democracia e não é, aplausos, emocionante #19Jmadri". Chamam democracia e não é?
Penso que essa é a expressão que melhor representa a decepção diante de uma democracia representativa que faz água. Não é dramático. Nosso sistema é muito hermético, muito pouco permeável, temos instituições pouco flexíveis para incorporar a vozes da cidadania. A forma de participação do cidadão é impossível: uma iniciativa legislativa popular exige que se tenha um projeto inteiro, 500 mil assinatras, todo um processo. "O chamam de democracia e não é, não é dramático, é uma forma de expressar que há um sistema institucional e um modelo de partidos que está blindado e é impermeável à participação das pessoas. Aqui, nem sequer para questões muito importantes se utilizam referendos vinculantes ou consultas populares. Não é que em termos de ditatura e democracia isto não seja uma democracia, não simplifiquemos. É uma democracia que carece de alguns contrapesos, de formas e fórmulas de controle, de transparência, de participação popular".
Em sua cronica do 19-J no Twitter você está exultante.
Sim, vivi com grande intensidade, e isso que eu tenho estado há muito tempo nas ruas, não perdi um único 1º de maio... Pela primeira vez vi uma mobilização diferente, onde o protagonismo, a voz, a expressão e o protesto eram das pessoas, com uma espontaneidade e uma emoção para mim sem precedentes. Foi um momento histórico ver as pessoas saindo em grande quantidade às ruas, manifestando-se de forma espontânea, identificando os grandes problemas que se está vivendo, dizendo de forma pacífica que não há respostas institucionais nem políticas para os seus grandes problemas. Eu partilho com as pessoas de que são necessárias mudanças muito radicais na democracia e no sistema de funcionamento institucional.
Não é de estranhar o entusiasmo de Sabanés com o 15-M. Já faz tempo que advoga que a esquerda precisa se abrir para novos coletivos. Faz cinco meses já dizia que o modelo atual de partidos tinha que ser profundamente revisto. E anunciava: "Acredito que é um momento excepcional para que a sociedade civil intervenha. Esse trabalho de agitar desde baixo um debate amplo da esquerda é determinante e é preciso começar agora". Pois o momento excepcional de que falava chegou em 15 de maio.
Esquerda Unida tem sido a sua vida. Polticamente falando. Entrou desde a coalizão em 1988, procedente do PASOC de Alonso Puerta. Sob a sigla da IU foi deputada no Congresso durante seis anos, conselheira no Ajuntamento de Madri durante cinco e deputada autônoma durante os últimos quatros. Mas a distância em relação a sua propria organização, conta, começou no final de 2008, um ano antes a afastaram de sua função de porta-voz da IU na Assembléia de Madri. Avaliou que o processo de refundação que ela aspirava para o IU, a abertura a novas sensibilidades da esquerda, não se produzia. "Esquerda Única, com Cayo Lara e com a corresponsabilidade de todos, não conseguiu essa mudança, essa transformação", disse.
Sua saída da IU foi lenta, aos poucos. Seus ex-companheiros não têm poupado críticas. Ángel Pérez, porta-voz municipal da IU em Madri disse que Inés se afasta porque não a colocaram na cabeça da lista para as eleições últimas: "A decisão foi por motivos políticos, nada a ver com expectativas pessoais", diz ele. Gregorio Gordo, seu sucessor à frente da IU na Assembléia regional, declarou que com sua decisão alimentava confrontação. "São explicações antigas", diz, "o futuro está na compreensão da diversidade da esquerda, não em falar de confrontação". Miguel Reneses, número dois do IU, afirmou que passava de uma formação ambigua e etérea, qualificativos que "conectam" com ela: "Quem se considera capaz de expedir certificados de ortodoxia, que o faça", replica.
"Não quero entrar em questões pessoais", diz ela, "apenas falarei de política". E acrescenta: "As pessoas, o que precisam é que a política mude radicalmente de dinâmica. Que acabem com as formas de espetáculo e de acordos por debaixo dos panos; isso é uma coisa que precisa mudar radicalmente, faz parte da recuperação de métodos. Menos frases oportunistas. Há muito espetáculo, marketing, disputa, simplificação, de tensão contínua num momento em o que país vive uma crise importantíssima e onde as pessoas em seu dia a dia têm problemas sérios".
Sabanés considera que estamos assistindo a uma mudança de época. "É a era digital de uma cidadania absolutamente exigente, que quer participação e controle democrático, como se tem visto nas ruas. Isto indica uma mudança e novos compromissos". Argumenta que a esquerda deve recuperar esse espaço. Que o discurso neoliberal tem gerado uma espécia de pensamento único que obriga a esquerda a trabalhar desde baixo.
O PSOE, dada a magnitude da crise, tem voltado atrás em alguns postulados e assume que os cortes sociais são inevitávies. A receita diante da crise parece ser a de mais medidas de corte neoliberal. É possível frear esses cortes?
A cidadania organizada não pode parar. O sistema de proteção social não apenas é sustentável, mas também viável. Nem os governos, nem as instituições, nem a política tem garantido um muro de contenção à chantagem das grandes instituições financeiras e poderes econômicos. O que se está pedindo nas ruas é que a regulação, o controle, a transparência e as medidas encontrem eco nos governos. Se toda a cidadania europeia vai na mesma direção, terá que ceder e reconsiderar esse ataque brutal aos sistemas públicos de proteção social. A força coletiva das vozes que dizem que isso não é inevitável pode parar essas imposições. E a isso é preciso acrescentar o compromisso das opções políticas capazes de lutar contra a tese de que não há outra saída.
Entre estas, diz, se encontra Equo. Ainda não se sabe quais serão aas suas funções nesse agrupamento. Compatibilizará sua atividade política com seu trabalho no Ajuntamento de Madri. Está adscrita à direção geral de qualidade Uma coisa tem clara: quer continuar somando e "aprendendo".
E também para frear essas reformas recorrer à desobediência civil com tem feito o Movimento 15-M?
O 15-M tem exercido seus legítimos direitos. Se a burocracia, a lentidão, a democracia representativa não dá saída normal a esses processos de reflexão e de reivindicação massiva, me parece que é legítima a ocupação de espaços e a desobediência civil pacífica em um momento determinado. Quando te cortam, quando não te dão saídas, quanto te impõem as reformas pela porta detrás, é legítimo rebelar-se e chegar inclusive à desobediência civil, sempre que seja de forma pacífica.
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"A democracia representativa faz água" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU