16 Junho 2011
Esta organização de militantes em "defesa da liberdade de expressão" através da internet sofreu alguns golpes e respondeu com fúria, derrubando sítios da internet. Na segunda-feira, os ativistas atacaram sítios turcos.
A reportagem é de Mariano Blejman e está publicada no jornal argentino Página/12, 14-06-2011. A tradução é do Cepat.
"Fire, fire, fire", "go, go, go", "Just keep firing" ("Fogo, vamos, continuem disparando"), podia este cronista ler na segunda-feira, às 17h38 hora argentina, em um dos canais de comunicação usados pela organização Anonymous para coordenar os ataques cibernéticos. O alvo desta vez era um sítio do governo turno, bilisimsuclari.iem.gov.tr, e, através dos canais de chat, se podia observar a organização do ataque. O endereço a ser atacado foi postado na última hora quando todos tinham seus "canhões" ligados. O objetivo era tirar do ar o sítio turco para chamar a atenção internacional depois da prisão de 32 supostos militantes do Anonymous na Turquia. Dez minutos depois, cerca de 20 ativistas digitais derrubavam o sítio turco. Às 19h também haviam tirado do ar o adalet.gov.tr.
Este tipo de ações ocorre diariamente nos últimos tempos. São ataques eminentemente político-culturais, que costumam afetar governos e grandes empresas envolvidas em alguma ação que o "coletivo" da internet interpreta como um ataque à liberdade de expressão. Alguns ataques têm mais mídia que outros. E não têm o mesmo tipo de pena em todos os países (de fato, na Argentina este tipo de ação nem sequer está tipificado no Código Penal). O conceito de denegação distribuída de serviço (ddos) consiste em que muitos computadores acessem ao mesmo tempo um mesmo endereço, bloqueando o acesso para todo o mundo. Este "sistema" de protesto começa a ser conhecido agora massivamente: cada vez que um ativista do Anonymous é preso, ou algum direito à livre informação é vulnerado (a retirada do ar do wikilieks.org pode ser um motivo), uma massa de militantes volta à carga contra "o sistema" e derruba algum sítio chave envolvido nas prisões ou nas ações de perseguição. Os últimos dias voltaram a colocar o Anonymous no centro da mídia, dos governos, dos aparatos policiais e – claro – dos novos militantes pela liberdade de expressão na internet.
"Somos anônimos, somos legião, não perdoamos, não esquecemos", são algumas das frases que os militantes do Anonymous usam, que tomaram a máscara do filme V de Vendetta, baseado na série de romances gráficos de Alan Moore, que funciona como uma crítica à sociedade do controle. É a ideia de adotar uma máscara para libertar uma sociedade da censura efetuada pelos governos e pelas corporações. Esconder-se no anonimato para libertar-se dos controles é a disjuntiva que propõem. Anonymous tem todos os condimentos necessários para conseguir seguidores jovens ativos e má reputação midiática: segue a lógica da interconexão para coordenar ações, usa a velocidade como instrumento perturbador, não acredita nos personalismos na tomada de decisões, defende o fluxo livre de informação e comunicação, é – neste momento – algo como a consciência ética da rede. O dano real que os militantes do Anonymous podem conseguir é muito menor que o simbólico: o que fica é a ideia de que a informação deve circular livremente.
O assunto é que este coletivo que apóia o "livre fluxo da informação" é um organismo espontâneo ao qual qualquer um pode se somar de maneira bastante simples: basta saber onde apontar os canhões digitais através de um software livre chamado LOIC, ou propor um alvo que tenha cabimento nos canais de chat. Porque ninguém acompanhará um ataque a sítio nenhum se o "coletivo" estimar que é um objetivo que não merece tal ação. E já que se baseia na participação espontânea, não é muito difícil saber qual será a próxima ação. Daí que a pantomima organizada pela polícia espanhola na sexta-feira passada, quando anunciou a prisão de três "líderes" do Anonymous que supostamente teriam participado de ataques, foi o centro de todas as risadas no Twitter.
Mesmo que os hacktivistas mais respeitados do Anonymous saibam escamotear os seus endereços de internet através de redes privadas virtuais ou proxies, a maioria dos ativistas "anônimos" não são especialistas em segurança informática, participam voluntariamente dos ataques em muitas ocasiões revelando sua informação, não usam máquinas infectadas para atacar, e costumam ser pessoas com algum tempo livre e a sensação de que há algo injusto, e que deveriam chamar a atenção. A prisão destas três pessoas, "líderes" da "organização de hackers organizada em células", foi correspondida com um ataque ao sítio policia.es derrubado na segunda-feira de madrugada, organizado sob o hashtag #OpPolicia. Pelo que parece, os líderes não eram estes.
O encontro da polícia espanhola com o Anonymous é algo como um encontro de dois mundos: os oficiais acreditam estar lutando com alguma célula perdida da ETA ou do talibã, ao passo que o Anonymous encarna uma cultura de intercâmbio preexistente à invenção da internet, claro, mas que se exerce cotidianamente na presunção de que liberar qualquer informação é bom para as sociedades. O Anonymous é apenas uma ideia (diria Sarmiento), e é difícil matar as ideias. Contudo, a prisão de 32 pessoas na Turquia denota uma situação um tanto mais preocupante quanto à ignorância da grande maioria dos voluntários que querem participar: mover-se sem deixar rastros na internet não é simples e requer uma série de conhecimentos técnicos que o Anonymous não desenvolveu entre suas fileiras com especial dedicação. E ser preso na Espanha, se sabe, não tem as mesmas implicações que em outros países, como é o caso da Turquia, Egito, Tunísia, Argélia ou China.
O caso de Wael Ghonim, executivo do Google que acendeu o fósforo da revolta convocando uma mobilização no Egito (e que recentemente deixou o Google), não tem nada a ver com o Anonymous, está claro, mas mostra o impacto do rastro de endereços da internet na vida cotidiana dos militantes sociais: Ghonim (que não havia usado seu nome real no Facebook) foi preso poucas horas depois de ter convocado a marcha, esteve preso cerca de 10 dias e foi solto graças à vitória da "revolta" no Egito, convertido em herói nacional. Mas nem todas as histórias terminam assim.
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Anonymous, a palavra mais buscada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU