12 Junho 2011
A nova divisão do trabalho e as estigmas da precaridade são analisadas em um livro do estudioso inglês Guy Standing. E, em Roma, um encontro internacional debate a renda básica de cidadania.
A análise é de Andrea Fumagalli, professor de Economia Política da Università di Pavia, Itália, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 08-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"No dia 1º de maio de 2001, quase 5.000 pessoas, na maioria estudantes e jovens ativistas sociais, se reuniram no centro de Milão para uma marcha que queria ser uma alternativa às tradicionais manifestações do 1º de maio. A partir de 2005, a participação ao MayDay Parade se ampliou, até interessar de 50.000 a 100.000 pessoas afetadas... e tornou-se paneuropeia (EuroMayDay), com centenas de milhares de homens e mulheres, a maior parte jovens, que tomavam as ruas das cidades da Europa continental. Essas manifestações foram o primeiro sinal de agitação do precariado".
Com essas palavras, abre-se o livro de Guy Standing The Precariat. The New Dangerous Class [O precariado. A nova classe perigosa] (Bloomsbury, 198 páginas). Guy Standing, professor de Segurança Econômica da Universidade de Bath, é um profundo conhecer da dinâmica do mercado de trabalho global, graças também aos inúmeros anos nos quais ele trabalhou na OIT (Organização Internacional do Trabalho) em Genebra, antes de ser afastado pelas suas posições não totalmente alinhadas.
Nesse ensaio, analisa-se a nova composição internacional do trabalho, resultado dos processos de transformação do sistema de acumulação e de valorização das últimas décadas e da recente crise econômica global. Para fazer isso, é necessário introduzir na língua inglesa alguns neologismos: "precariat", para indicar o sujeito social, "precariousness", para indicar sua condição socioeconômica.
O que é o precariado hoje? Ao contrário dos leitores italianos, para os quais o léxico da precaridade começou a fazer parte do jargão corrente, justamente graças ao MayDay, e para os quais existe uma ensaística iniciada há muito tempo (basta pensar nos Quaderni di San Precario), para um leitor anglo-saxão, a questão é, ao contrário, nova.
A resposta de Standing é, ao mesmo tempo, simples e complexa. Simples, porque afirma que o precariato é "uma classe em devir, não ainda uma classe em si mesma, no sentido marxiano do termo"). Segue-se disso que a parafernália tradicional analítico-política que foi forjada, experimentada e inovada ao longo do século XX sobre a classe operária e o proletariado como classe homogênea torna-se inutilizável. Complexa, porque definir uma "classe em devir" implica em uma metodologia de análise nova, que possa definir de modo rigoroso a heterogeneidade dos limites do precariado, perceber exatamente suas diferenças, para recompô-las em um nível superior e diferente.
Para esse fim, pode-se proceder de dois modos. O primeiro é fornecer uma definição por negação. Faz parte do precariado aquele ou aquele a quem faltam alguns elementos de segurança econômica e social. A propósito, Standing identifica sete: a segurança de ser empregável no mercado de trabalho, a segurança dos direitos trabalhistas contra a discriminação, demissões sem justa causa, segurança do trabalho a partir dos níveis de profissionalidade ou por infortúnios e saúde, a segurança da formação, capaz de favorecer avanços na carreira, a segurança de renda em termos de continuidade e de decência, e, enfim, a segurança da representatividade em termos sindicais e contratuais.
Se tivéssemos que definir a condição precária de acordo com esse esquema, é possível localizar diversos graus de precarização, que sofrem uma brusca aceleração depois da crise de 2008, até dizer que, em nível global, quase todos os segmentos de trabalho estão envolvidos. Ao ponto de chegar a afirmar que, agora, nenhum trabalhador é isento de qualquer forma de precariedade.
O segundo modo é definir a precariedade com base em alguns elementos que a caracterizam de modo homogêneo. Standing identificou quatro (os quatro As): a amargura-raiva, anomia, ansiedade, alienação. Eles representam a frustração do precariado, dentro de processos de individualização do trabalho que favorecem sua acentuação.
E é a partir da análise desse componente psicofísico que se pode entender o subtítulo do livro: "a classe perigosa". Segundo Standing, de fato, os diversos componentes do precariado, dos migrantes às mulheres cuidadoras, passando pelos agricultores expropriados das terras, aos operários explorados nas sweatshops do Ocidente e do Oriente do mundo, aos precários do setor terciário material (do transporte aos centros comerciais) e imaterial (dos call-centers às universidades e editoras) estão inseridos em um contexto de forte concorrência e de "dumping" social, favorecidos por aquela "política do inferno" que os políticos neoliberais fomentaram como instrumento de divisão e de controle.
Dentro desses contextos, fenômenos racistas, niilistas, corporativos estão na ordem do dia e impedem o desenvolvimento de uma conscientização e de uma subjetivização para fazer com que a precariedade se transforme em verdadeira classe social.
Política do paraíso
Para se opor às "políticas do inferno", é preciso promover o que Standing chama de uma "política do paraíso", fundamentada em alguns objetivos universais capazes de favorecer aquele processo de recomposição das diversas subjetividades precárias, hoje fragmentadas e muitas vezes em luta entre si. Dos direitos trabalhistas, passa-se à liberdade de movimento e de emprego, da crítica aos processos de workfare e de desmantelamento do welfare state às políticas públicas de acesso aos serviços básicos, da formação e da liberdade de acesso ao conhecimento à necessidade de controlar e de reduzir o tempo de trabalho.
Entre esses dois objetivos, merecem um breve aprofundamento a "redescoberta" dos bens comuns (common) e a proposta de uma renda básica incondicional (basic income). Esses dois objetivos são analisados de modo complementar. Standing, que também é copresidente da rede Basic Income Earth Network - Bien, identifica na renda básica uma espécie de ressarcimento pela expropriação dos bens comuns que a dinâmica capitalista realizou ao longo dos séculos. Desse ponto de vista, a renda básica é o instrumento mais idôneo para se reapropriar dos bens comuns naturais e imateriais.
A esse livro, rico em sugestões que não é possível aqui recordar de modo completo, deveriam seguir outras pesquisas que visem a aprofundar as mudanças nos processos de criação de riqueza, em um contexto de exploração intensiva do bios humano, além das novas formas de divisão cognitiva do trabalho que, no dia seguinte à crise do paradigma fordista, se desdobraram no processo de globalização e de financeirização da economia mundial. Se o precariado é "uma classe em devir", a análise dessa condição também o deve ser.
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Uma política para o paraíso. A nova classe perigosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU