09 Junho 2011
Humala recebeu a grande maioria de seus votos de "trabalhadores urbanos, camponeses do norte, mineiros e indígenas e profissionais da baixa classe média. Mas anuncia um governo de concertação com setores da burguesia menos lumpen do país e com uma parte da inteligência acadêmica. Essa fusão terá voo curto porque é contraditória em si mesma. Seus eleitores vão querer ir além, do programa, do discurso e do próprio presidente. Ali, exatamente nesse ponto crucial, nasce a incógnita chamada Ollanta Humala", escreve Modesto Emilio Guerrero, escritor e jornalista venezuelano, em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 07-06-2011. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A pequena diferença de votos entre um [Ollanta Humala] e outra [Keiko Fujimoir] não consegue ocultar o tamanho dos impactos políticos, sociais e diplomáticos da vitória de Ollanta Humala no Peru. Isto vale tanto para as profundidades anônimas da sociedade peruana, como para a remexida geopolítica latino-americana.
Conforme o tipo de governo e regime que será escolhido para definir o curso de sua conduta política e esclarecer a incógnita do novo líder emergente.
Humala não estava nos planos nem nos cálculos de Washington, assim como não estavam os seus predecessores neste novo mapa de regimes brotados entre as fissuras internas de seus países e os abismos abertos no sistema de dominação hemisférica. Como poucas vezes, a crise político-social latino-americana se combina com a perigosa caduquice imperial, para produzir governantes imprevistos, desobedientes, indisciplinados e em alguns casos até desafiantes da sua hegemonia capitalista.
Humala seria o nono nesta linha sucessória que começou com Chávez, em 1999, um militar formado em livros de esquerda, e apresentou as mais inesperadas variantes presidenciais. Um lutador aymara, um padre paroquial, um ex-economista do Banco Mundial, um jovem repórter da CNN ligado a uma organização insurgente dos anos 1980, um ex-guerrilheiro famoso, dois neodesenvolvimentistas com simpatias populares no Brasil e na Argentina, e Lula, o líder sindical que desafiou a ditadura mais sólida dos anos 1970. Tudo em uma década.
Demasiado muito para a confusa digestão de um império em crise. Embora o novo presidente do Peru não tenha se definido sobre a ALBA, a Unasul e a próxima Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe (CEALC), a conta é mais ou menos simples: não tem muita opção diante do tratado de livre comércio genuflexo com os Estados Unidos, que conduziu o país a um PIB surpreendente de 8% maior, com uma miséria ampliada em 60% na população e uma pobreza crítica de quase 30%, segundo o relatório da Cepal.
Manterá a nação peruana amarrada ao pró-yanqui "Arco do Pacífico", recém formado com o Chile, Panamá, Costa Rica e México?
Esta é uma incógnita estratégica para o novo presidente. Dela dependerá o que vai fazer ou deixar de fazer o Pentágono e o Comando Sul, seus inimigos internos e seus aliados da direita no governo que formar. Essa é a lição que obriga a prevenir. O resto dependerá dele e de até onde queira se atrever a deixar a corda correr.
Humala não é um homem de esquerda e seu nacionalismo militar de origem está longe daquele invocado pelo líder venezuelano desde que fundara o Movimento Bolivariano 2000, em 1982. Mas se avançasse apenas a metade do que anuncia, ele e seu regime poderiam converter-se no que os explorados e oprimidos peruanos andam procurando para reverter as dolorosas derrotas das décadas de 1980 e 1990, e encetar um processo social e político de imprevisíveis transformações políticas. O Peru não é Honduras. Esse simples fato ajudaria a contrapesar a tendência à reversibilidade que começou nos governos progressistas da última década, presos às pegajosas relações do sistema regional de Estados e suas confusas instituições conservadoras. Humala seria um pretexto da história em andamento, como o foram outros.
Esse é o temor dos Estados Unidos e seus sócios na região andina e no continente. Os republicanos da Câmara baixa já chamaram a atenção para isso em Washington nos dias 19 e 20 de novembro de 2010, quando reuniram direitistas da Comunidade Andina e da Venezuela em um seminário intitulado "Qual é a sustentabilidade dos governos andinos frente à ALBA?".
Como acontece na história de vez em quando, os povos em situações críticas se apoderam de personagens alheios para levar adiante suas demandas, buscas e ilusões. Este é um caso.
De acordo com o registro territorial da Oficina Nacional de Processos Eleitorais (ONPE), Humala foi votado em mais de 80% por trabalhadores urbanos, camponeses do norte, mineiros e indígenas e profissionais da baixa classe média. Mas anuncia um governo de concertação com setores da burguesia menos lumpen do país e com uma parte da inteligência acadêmica.
Essa fusão terá curto voo porque é contraditória em si mesma. Seus eleitores vão querer ir além, do programa, do discurso e do próprio presidente. Ali, exatamente nesse ponto crucial, nasce a incógnita chamada Ollanta Humala.
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A incógnita Humala - Instituto Humanitas Unisinos - IHU