O mercado financeiro cultiva uma máxima sobre gestão de demandas: flanco aberto é atalho para o fracasso. Expoentes do sistema financeiro consultados pelo Valor nos últimos dois dias chegaram a considerar a possibilidade de
Antonio Palocci permanecer no governo após a decisão do procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, de arquivar denúncias contra o ministro-chefe da Casa Civil. O arquivamento do processo daria sobrevida a Palocci, mas sem neutralizar a fragilidade que ele angariou com as informações que tornaram pública a veloz escalada do seu patrimônio. Interlocutores, que creditavam a
Palocci o título de `fiador do governo Dilma` há exatamente um ano, demonstravam ontem à tarde, antes de Palocci renunciar ao cargo, dúvidas crescentes sobre as consequências de seu tênue equilíbrio na equipe da presidente
Dilma Rousseff.
A reportagem é de
Angela Bittencourt e publicada pelo jornal
Valor, 08-06-2011.
"Quem serve de anteparo para a presidente Dilma Rousseff não pode ter fragilidades. E por um motivo simples: os demandantes de negociações ou articulações vão tentar, mais cedo ou mais tarde, operar as fragilidades do ministro até por uma questão operacional. É possível tirar mais de quem está mais vulnerável", avaliou um dos interlocutores do ministro e atento observador da sangria a que
Palocci foi submetido nas últimas semanas.
Para esse executivo do sistema financeiro privado, não há dúvida de que a permanência de Palocci no governo enfraqueceria a
presidente Dilma. "Ele foi útil e poderia ser muito útil à Dilma, ao governo e ao país. Mas a Pasta que ele ocupava não é o Ministério da Saúde e isso altera a cena.
Palocci atuava em questões intangíveis que demandam confiança irrestrita e fragilidade zero. Predicados que ele já não possuía há semanas", afirma fonte consultada pelo Valor para quem o ministro-chefe da Casa Civil, na situação a que chegou, não amorteceria pressões, sobretudo políticas, e tampouco ajudaria a manter a racionalidade econômica.
"Ele frustrou as expectativas", lamenta outra fonte para quem pouco importa se as informações sobre o aumento do patrimônio de
Palocci resultaram de uma armação ou não. "Fundamental é o fato de que havia exposição ao risco. E ela foi revelada." Para outro interlocutor,
Palocci sai do governo e deverá enfrentará crises pessoais. "Ele destruiu o ícone que já foi, ficou enfraquecido e possivelmente `empobrecido`. Não há dúvida de que terá menos demandas daqui para frente porque dificilmente terá, no futuro, clientes de primeira linha que viram o ministro como eminência parda no
governo Lula, após sua saída em março de 2005. Palocci convencia porque tem uma lógica econômica invejável. Tornou-se uma fonte muito boa de informação sobre o governo e soube se fazer importante", comenta a fonte.
Dúvida presente entre interlocutores do sistema financeiro é se as informações sobre a multiplicação de patrimônio de
Palocci tinham efetivamente a intenção de atingir o ministro ou se o alvo era a presidente Dilma. "A tentativa de atingir o centro do Poder com tanta rapidez, há menos de seis meses de governo, sugere que a presidente estava resistindo a pressões, o que é sinal positivo. Mas se essa resistência atrapalha interesses, a permanência ou a saída de Palocci do governo torna-se indiferente. As pressões continuarão a existir e isso sim preocupa", comenta um entrevistado.
Para essa fonte, a saída de Palocci não é garantia, contudo, de solução para um problema que é a imobilidade da presidente Dilma que padece da melhor qualidade de um gestor e do pior defeito de um político: sabe dizer não. "Palocci seria útil para contornar esse problema. Mas essa tarefa não pode ser executada por um ministro frágil."
As fontes consultadas pelo Valor há um ano e que viam Palocci como futuro integrante do governo Dilma e antídoto a aventuras econômicas não se surpreenderam com a baixa repercussão que a sua fragilidade teve nos mercados. "A economia está andando bem e quando isso acontece as pessoas demoram mais para assumir posturas negativas", explica um gestor de investimentos estrangeiros no Brasil que alerta, porém, para "um cansaço" que já vem sendo exibido pelos mercados. "O cenário externo vem se agravando e há seis meses não vamos a lugar nenhum. E é necessário reconhecer que hoje tudo gira em torno do contexto global. Ainda que a situação do ministro Palocci trouxesse tensão, ela seria atenuada por apreensões com o exterior. Hoje parece difícil ocorrer um descolamento do cenário externo."
Outra fonte reforça que a questão Palocci não mexeu com os mercados porque não tem crise no Brasil. "A crise é lá fora. Quem poderá agir contra o real com um estoque de reservas de US$ 330 bilhões e investimentos externos diretos de US$ 60 bilhões? Além disso,
Palocci passou a ter importância menor a partir do momento em que convenceu
Lula a ler a cartilha que defende o tripé macroeconômico [regime de metas para inflação, câmbio flutuante e política fiscal com superávit primário]. É fato que Palocci foi um interlocutor importante do mercado financeiro com a então candidata
Dilma. Mas sua permanência no governo certamente enfraqueceria a presidente. E é uma ilusão acreditar que teremos algum tranco na condução da política econômica com a saída de Palocci. Ele se manteve forte por cinco meses e nem por isso assistimos a iniciativas concretas de encaminhamento de reformas estruturais que são necessárias e prejudicarão o crescimento brasileiro em poucos anos. Mas um Palocci fraco não conseguiria articular reformas."
O gestor de capital estrangeiro não via na questão Palocci elemento suficiente para afetar os ativos domésticos, mas considera que sua saída poderá ter grande impacto no governo em função de sua substituição. "É bastante provável que a substituição de Palocci leve a um redesenho completo do governo. Isso sim, dependendo de como for feito, poderá fazer preço nos mercados", pondera o gestor.
Essa fonte reconhece que, no último ano, Palocci foi visto como contraponto ao ministro da Fazenda,
Guido Mantega, considerado mais heterodoxo. "Mas é fato que
Mantega continua aí. Aliás, desde março de 2006 quando assumiu a Fazenda no lugar de
Palocci. E é fato também que o Banco Central hoje é mais flexível do que um ano atrás e vem colocando em prática uma política monetária híbrida [ajuste de juro mais medidas macroprudenciais para fazer a convergência da inflação para a meta] que pode dar certo. Mas manter a estabilidade monetária não é tarefa só de ministros e sim da presidente da República que tem indicado compromisso com a estabilidade."
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Flanco aberto foi o atalho para fracasso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU