02 Junho 2011
Wael Abbas é, segundo suas próprias palavras, "um jornalista, um ativista e um blogueiro", um dos mais conhecidos e apreciados na blogosfera árabe e um dos mais temidos e combatidos pelos serviços de segurança do deposto presidente egípcio Mubarak, que não hesitou no passado a jogá-lo na prisão. Sua culpa, a de tornar públicos os maus atos do regime e os abusos da polícia.
A reportagem é de Giuliano Battiston, publicada no jornal Il Manifesto, 25-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Protagonista, ainda em 2005, da chamada "revolta dos blogueiros", Wael Abbas, nos últimos meses, contribuiu com os instrumentos da rede para a queda do sistema de poder, tortura e corrupção do faraó Hosni Mubarak.
Encontramo-lo em Roma, para onde ele foi convidado pela associação Un Ponte Per, que na noite de hoje festejará os primeiros 20 anos de atividades com as palavras dos blogueiros que revolucionaram o Mediterrâneo (além do egípcio Abbas, a tunisiana Lina Ben Mhenni e os comentários de Donatella Della Ratta), a rave teatral de Voci nel deserto, a caligrafia árabe de Bibi Trabucchi e o som da DJ turca Ipek Ipekciouglu (www.unponteper.it).
Eis a entrevista.
Seu blog se chama "consciência egípcia". A qual consciência você se refere e de que modo, nos anos passados, os blogueiros e as mídias sociais contribuíram para a mobilização da sociedade civil no seu país?
A consciência que eu entendo é a dos cidadãos, do povo egípcio, que deve conhecer seus próprios direitos, deve saber o que pode e deve esperar de quem governa, mas também suas próprias responsabilidades e os instrumentos para se tornarem verdadeiros cidadãos. Com o meu blog, levantei questões e promovi discussões sobre os temas dos direitos humanos, denunciando as torturas nas prisões egípcias e os abusos sexuais. Isto é, falei de todos aqueles temas dos quais a mídia tradicional não se ocupava, por medo de entrar em conflito com o poder político.
A partir de 2004, os blogueiros egípcios foram muito ativos, romperam diversas barreiras que pareciam insuperáveis, ocupando-se de temas considerados tabu, dos interesses econômicos da família Mubarak aos abusos policiais, da homossexualidade à condição das mulheres e das minorias como os cristãos. Todos os grupos ou os sujeitos que sofriam formas de abuso ou de opressão, encontraram na Internet não só um canal de expressão livre, mas também uma audiência real e trocas de opinião. As mídias sociais obrigaram a mídia tradicional a mudar de agenda e a competir com elas na cobertura das notícias. Eu diria que contribuíram enormemente para o ativismo da sociedade.
Nos últimos meses, analistas e jornalistas se interrogaram sobre o papel que as mídias sociais tiveram nas revoluções que inflamaram o norte da África. As posições prevalecentes são duas: quem lhes atribui um valor "catártico", como se produzissem por si sós ativismo político e social; e quem as considera um simples instrumento de transmissão, vazio, sem conteúdos fortes. O que você acha?
Com efeito, há quem sustente que a revolução egípcia foi uma twitter revolution, ou a "revolução do Facebook". Essas interpretações não me agradam. Não quero subestimar o papel desempenhado pelas mídias sociais, mas nem superestimá-lo, como muitas vezes ocorre. O verdadeiro fato desencadeante da revolução foi o povo, que decidiu se revoltar, justamente naquele momento. As mídias sociais eram um simples instrumento, um elemento catalisador, como ocorre nos processos químicos: fizeram a revolução avançar mais rapidamente, tornaram-na mais clara, favorecendo a comunicação, e mais organizada, mas nada mais do que isso.
As mídias sociais não são a revolução. A revolução é feita pelos homens e pelas mulheres. Os computadores são criados pelos seres humanos: antes, os blogs eram usados para descrever eventos de moda ou a vida íntima e pessoal dos usuários. Fomos nós, blogueiros, que, em um certo ponto, decidimos usá-los para falar de política. A política não está no meio em si, mas sim na vontade de quem o usa.
Dos tons entusiásticos iniciais dos dias da revolução,passou-se para os tons preocupados de hoje: além do resultado inegável do afastamento de Mubarak do poder, há quem fale de uma revolução incompleta...
Certamente é uma revolução incompleta. Quem assumiu todo o poder, de fato, foi o Exército, o Conselho Supremo das forças armadas. Alguns pensam que o Exército é uma garantia para qualquer eventual contrarrevolução, mas estão errados. Os militares têm seus próprios interesses, que contradizem aqueles de quem fez a revolução, e já estão limitando a liberdade pela qual lutamos: à noite, há o toque de recolher; ainda está em vigor a lei de emergência; há um nova lei que proíbe as manifestações e os sit-in; os meios de comunicação do Estado são usados para amedrontar a população, argumentando que, sem estabilidade, corremos o risco da falência; um blogueiro que havia criticado os tribunais militares foi condenado a três anos de prisão como um aviso para todos os outros.
Mas nós não temos medo: no dia 3 de maio haverá uma outra grande manifestação, a segunda jornada da raiva. O objetivo é evitar que quem decida a revolução sejam os fantoches nomeados pelos militares. Ou que os militares a sequestrem em seu favor. Fomos nós os únicos que fizeram Mubarak cair e continuaremos a batalha.
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