25 Mai 2011
Um dia após almoçar com senadores do PT e jantar com a presidente Dilma Rousseff e o ministro Antonio Palocci (Casa Civil), no Palácio da Alvorada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ampliou ontem sua atuação como articulador político de fato do governo Dilma. Em café da manhã com líderes aliados no Senado, em Brasília, Lula disse que o episódio envolvendo o ministro Palocci (cobrado a explicar sua evolução patrimonial de 20 vezes em quatro anos) pode levar o governo a uma crise de dimensões imprevisíveis se não for bem administrado.
A reportagem é de Raquel Ulhôa e Paulo de Tarso Lyra e publicada pelo jornal Valor, 26-05-2011.
Lula disse que a solução exigida é política e deixou claro estar em Brasília por causa dessa preocupação. Colheu queixas unânimes sobre a conduta de Palocci como interlocutor do Palácio do Planalto e críticas ao fato de a presidente ter descuidado da relação com o Congresso. Fez um apelo para que a base não abandone Palocci, ressaltando a importância dele para o governo.
Lula concordou que o modelo de articulação política do governo precisa sofrer ajustes. Relatou que, na véspera, esteve com Palocci e prestou solidariedade. Mas, segundo suas palavras, o alertou: "Tome cuidado. Sua situação no Congresso não é boa. Há imensa insatisfação com sua conduta." Lula tentou justificar Palocci, dizendo que ele está tão sobrecarregado com a gestão do governo, que não tem tempo para cuidar da articulação política.
Ao pedir a opinião dos líderes sobre a administração Dilma, Lula ouviu queixas unânimes de que não há articulação política e que a relação com o Congresso está negligenciada pelo governo. Renan Calheiros (PMDB-AL) foi um dos que disseram que, sem um "ajuste fino", o governo pode enfrentar dificuldades maiores no futuro.
Magno Malta (PR-ES) relatou ter tentado inúmeras vezes marcar audiência com Palocci e não ter sido atendido. Por isso, virou alvo de deboche do partido. Até que, recentemente, após várias reclamações públicas de Malta, o ministro retornou. O senador disse que era tarde e não queria mais falar com ele. "A arrogância é o começo do fim", afirmou o líder a Lula. Os outros líderes concordaram com as críticas e deram seus próprios exemplos.
Os primeiros efeitos da intervenção de Lula na ação política do governo começam a ser sentidos. Dilma almoça hoje com senadores do PT e tem encontro com líderes da base no Senado na próxima semana. A presidente e Palocci deram alguns telefonemas a senadores.
O café da manhã foi na casa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O anfitrião referiu-se a Dilma como "a sacerdotiza do serviço público", que desce muito a detalhes técnicos de ações do governo, num comportamento pouco comum a presidentes da República. O vice-presidente Michel Temer estava presente.
Chamou a atenção a ausência do ministro Luiz Sérgio (Relações Institucionais), cuja Pasta é responsável pela relação com o Congresso. O ministro foi definido como educado, atencioso, mas totalmente isolado e sem poder de decisão. Lembraram que ele é conhecido como "garçom", por só anotar os pedidos. Foi avaliada a necessidade de fortalecê-lo.
Diante do menor sinal de crítica à presidente, Lula a defendia como um "irmão mais velho", segundo relatos. Lembrava os problemas de saúde que ela enfrentou e como estão sendo difíceis esses primeiros meses. Mostrou sentir-se responsável e pediu apoio da base à gestão. Mas concordou com a necessidade de ajustar a relação do governo com o Congresso. Voltou a responsabilizar a oposição por querer fazer um terceiro turno da eleição presidencial - fez ressalvas ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), a quem elogiou por não ir para o enfrentamento.
Francisco Dornelles (PP-RJ) disse que Lula ocupava um espaço enorme na mídia e que esse espaço, agora, está vago, o que não poderia acontecer. "A mídia precisa de novidades", disse. Até Sarney fez críticas. Escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, reclamou dos livros didáticos que aceitaram erros gramaticais. Marcelo Crivella (PRB-RJ) queixou-se da ideia de distribuir nas escolas um kit anti-homofobia. Ontem, ele recebeu telefonema da presidente, que disse não querer que o Ministério da Educação se envolva em assuntos que devem ser tratados pela família. A notícia fez com que o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) anunciasse a suspensão do apoio ao pedido de convocação de Palocci.
A entrada efetiva de Lula na articulação política do governo Dilma servirá, na opinião dos aliados, para "politizar o Planalto", algo que não ocorreu ao longo dos primeiros cinco meses do governo Dilma. E a presidente não se sente incomodada com a volta do ex-presidente à linha de frente. Na opinião de auxiliares da presidente, não existe nenhum problema em Dilma tentar imprimir uma marca administrativa e de gestão em seu mandato - até mesmo como uma forma de diferenciá-la do seu antecessor. Mas governar é também fazer política, lembram.
Falta à presidente, segundo as avaliações, alguém que tenha coragem de apontar essas falhas, tarefa agora de Lula. O próprio ex-presidente teve ótimos conselheiros em períodos de crise, lembram, tais como os ex-ministros da Justiça Márcio Thomaz Bastos, da Comunicação Social Franklin Martins e das Relações Institucionais Walfrido dos Mares Guia. "O ministro mais próximo da Dilma é o Palocci. Mas ele é o espelho da presidente, só faz o que ela quer e só fala o que ela quer ouvir. Ele jamais vai funcionar como o contraponto necessário em alguns momentos de governo", disse um interlocutor da bancada do PT no Congresso. Ainda por cima, agora, está pessoalmente atingido.
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Lula assume articulação contra crise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU