24 Mai 2011
"A energia nuclear é uma escolha que, na França, não sofre nenhum questionamento", deplora Thierry Salomon, engenheiro e presidente da Associação Négawatt. E quem ousar se opor é visto como suspeito de ser um ambientalista integrista ou um cândido inconsciente da realidade de nossas necessidades energéticas. Mas Fukushima poderia mudar a situação e suscitar um novo interesse pelos cenários energéticos que propõem abster-se do átomo civil. Um dos cenários mais completos é, no momento, aquele imaginado pela Associação Négawatt. Um coletivo que reúne 250 profissionais da energia, cuja primeira proposição remonta a 2003, completada em 2006, e cuja nova versão, que deverá ser anunciada no fim de 2011, pode ser consultada no sítio da Négawatt.
A reportagem é de Christine Monin e está publicada na revista francesa La Vie, 7-04-2011. A tradução é do Cepat.
A fim de reverter uma visão ideológica, a Négawatt propõe um cenário pragmático, fundado sobre tecnologias já existentes ou próximas disso. Tendo como horizonte o ano de 2050, "o país não terá condições de sair da energia nuclear em três anos. Isso não faz sentido, nem técnica, nem economicamente". Para esses profissionais, não se deve reduzir o debate a ser "contra ou a favor da energia nuclear", mas se focalizar no caminho "de um autêntico desenvolvimento sustentável". "Nós observamos as energias à nossa disposição segundo vários critérios: emissões de CO2, emprego, desenvolvimento dos territórios, uso de recursos exauríveis ou não, nível de independência energética, de controle cidadão, riscos...", detalha Thierry Salomon. Se o balanço da energia nuclear é positivo quanto à emissão de CO2, o resto é muito mais atenuado com dois pontos obscuros: o risco de acidentes nucleares e a gestão do lixo radioativo.
Para aqueles que pensam que, sem centrais atômicas, a França corre o risco de voltar à idade da pedra, pois 78% da eletricidade é produzida graças à energia nuclear, a Associação lembra que a eletricidade representa apenas 21% dos nossos consumos de energia. "É preciso considerar todas as necessidades energéticas: aquecimento, transporte... E refletir sobre a sua melhor satisfação". O cenário elaborado pela Négawatt inverte a perspectiva habitual "fundada sobre um dogma durante muito tempo considerado intangível: uma vez que as necessidades aumentam indefinidamente, é preciso produzir sempre mais". Apóia-se sobre a ideia de que a melhor energia é aquela não consumida, "o négawatt", e centra-se em fontes de energia menos problemáticas para produzir a energia necessária. Três pilares indissociados constituem a base desse programa: sobriedade, eficácia e energias renováveis. Com, como consequência, uma redução das emissões de carbono, uma maior independência energética e um futuro preservado.
1. A sobriedade. Consumir menos
É a condição indispensável para qualquer ação. Mas sobriedade não significa nem decrescimento nem uma volta ao uso da vela. "Hoje, a sociedade está em estado de embriaguez energética", constate Thierry Salomon. "Podemos diminuir de 40% a 50% o nosso consumo sem comprometer o nosso conforto". Como? Monitorando os desperdícios e as necessidades supérfluas. Estão na mira: "Os outdoors que consomem em média 7.000 kWh por ano, ou seja, o equivalente ao que consomem seis franceses em um ano", se exaspera Thierry Salomon. Ou ainda, a má gestão da iluminação pública. "Existe uma ordem de 1979 sobre a iluminação noturna das zonas industriais ou das vitrines. Basta aplicá-la!". Não há nenhuma necessidade de se aquecer as residências acima de 24 ºC ou de esfriar exageradamente a geladeira. "Nós consumimos demais muitas vezes sem o saber, quando existem sensores inteligentes que poderiam ser instalados nos equipamentos domésticos", propõem Thierry Salomon. Baixar em 1 ºC a temperatura das residências diminuiria assim o consumo elétrico de cada lar em 7%. A generalização de equipamentos simples (redutor de pressão, chuveirinho...) também permitiriam reduzir o consumo de água quente.
No capítulo dos transportes, Thierry Salomon pergunta: "É racional circular em cidades com carros superpotentes, concebidos para rodarem a grandes velocidades?". E propõe considerar um veículo adaptado, desde o carro individual ao veículo de aluguel, passando pelas caronas, caminhadas e bicicletas. O transporte de mercadorias também pode ser transladado em parte para os trilhos, as vias fluviais... "No longo prazo, é preciso refletir sobre o urbanismo. O modelo de casa individual é energívora; nós propomos um urbanismo mais denso, com pessoas trabalhando mais perto de casa". A sobriedade deverá permitir uma diminuição, no mínimo, de 15% da demanda.
2. A eficácia. Isolar o habitat
"O consumo de energia pode ser reduzido em 60% limitando os desperdícios", estima Thierry Salomon. "Tanto a montante, do lado da produção, como a jusante, do lado da utilização". Ganhos importantes podem ser obtidos com a recuperação do calor perdido pelas centrais de produção de eletricidade, graças à cogeração que utiliza este calor. Economias podem ser obtidas também nos modos de fabricação de nossos objetos do dia a dia ou ainda aumentando sua durabilidade, contra a obsolescência programada, que tira de circulação um telefone celular em menos de dois anos. Enfim, pelo lado do uso, o potencial de ganho é considerável. Setor central, a construção absorve, só ela, perto de 50% da energia na França. Motivo: as construções anteriores a 1975 são verdadeiros destroços térmicos.
O coletivo de especialistas propõe um vasto plano de renovação em nível nacional baseado na obrigação de efetuar trabalhos de isolamento na próxima mudança de proprietário. Sem custo para os compradores: "As reformas seriam financiadas a taxas baixas, cujo reembolso seria compensado desde o primeiro ano pelas economias de energia". O plano poderia ter a duração de 40 anos e permitiria dividir o consumo de aquecimento por 3 ou 4. O aquecimento elétrico, especialidade francesa de rendimento energético deplorável, seria substituído por sistemas mais eficientes: biomassa, redes de calor... Aparelhos elétricos (máquinas de lavar, luminárias...) menos energívoras também permitiriam ganhos substanciais. A exemplo do que foi proposto para as geladeiras. A Europa impôs o selo energia e o consumo foi dividido por dois em cinco anos.
3. O renovável. Desenvolver a energia solar
Na base desta redução do consumo, em 2050, 85% das nossas necessidades poderiam ser cobertas por energias renováveis, as únicas realmente sustentáveis. Se o cenário reserva um lugar maior para a energia eólica (terrestre e off shore) e a energia fotovoltaica, repousa também sobre a biomassa, muitas vezes esquecida nas discussões: lenha, biogás dos dejetos... Sobre a energia hidráulica e geotérmica em rochas profundas. Para tornar a energia eólica mais atraente, Thierry Salomon conta com uma gestão descentralizada e a criação de sociedades de economias mistas, que aliam atores privados, públicos e cidadãos. "É preciso que esses últimos possam fazer ouvir sua voz, tornando-se cooperadores ou acionistas de um parque eólico, e que isso tenha repercussões sobre a sua fatura".
O cenário Négawatt prevê o fechamento progressivo de 19 centrais nucleares da França até 2035. As centrais a gás, cujo rendimento seria melhorado graças à cogeração, permitiria realizar a transição com a energia nuclear. "Suas emissões de CO2 seriam compensadas pelas economias de gás para aquecimento realizadas graças ao programa de renovação do habitat", precisa Thierry Salomon.
No futuro, em 2050, as centrais seriam utilizadas apenas para suprir a intermitência das usinas eólicas e fotovoltaicas. Resta a espinhosa questão do custo. A energia nuclear é hoje menos cara que as energias renováveis. "Certamente, pondera Thierry Salomon, mas esse preço não leva em conta os custos ocultados, a gestão do lixo radioativo ou o desmantelamento das centrais que os cidadãos um dia serão obrigados a pagar". Além disso, as energias renováveis deverão ganhar rapidamente em produtividade. Mas a fatura só poderá ser aliviada com uma redução do consumo de energia. Finalmente, a Négawatt propõe uma ruptura franca, mas tranquila. "Certamente, sua aplicação é politicamente difícil, por força do hábito, dos interesses setoriais, da gestão de curto prazo", reconhece Thierry Salomon. "Mas vale a pena o esforço".
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Saída da crise energética passa pela moderação das necessidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU