16 Mai 2011
A remoção do bispo Bill Morris pelo Papa Bento XVI poderia muito bem se tornar lendária da mesma forma que a demissão do Whitlam Labor Government pelo governador geral Sir John Kerr, em 1975, se tornou parte do folclore australiano.
A análise é de Michael Mullins, publicada no sítio Eureka Street, revista eletrônica dos jesuítas da Austrália, 15-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Existem semelhanças superficiais, no fato de que ambos são eventos polarizadores que evocam uma paixão considerável. E ambos representam o uso de poderes de reserva de uma forma que foi considerada como fora de ordem por pessoas da base.
Mas há uma diferença importante. Gough Whitlam [primeiro-ministro australiano da década de 1970] estava com muita raiva. Bill Morris, por outro lado, declarou , em uma de suas primeiras entrevistas depois da remoção, que não estava com raiva, apenas muito triste.
Ao fazer isso, ele estabeleceu um tom que se refletiu na nota à imprensa do Conselho Nacional dos Presbíteros - NCP, e depois na carta dos 40 bispos católicos australianos, escrita em nome do arcebispo presidente da Conferência Episcopal, Philip Wilson, emitida na quinta-feira passsada.
O NCP detalhou o que considerou ser "aterrorizante" acerca das circunstâncias da remoção, mas reconheceu o papel do papa como "primeiro entre iguais e fonte da communio dentro da Igreja".
Do mesmo modo, os bispos insistiram no seu respeito pelo ofício do papa. Eles explicaram que ele "achou necessário exercer o seu cuidado petrino a toda a Igreja" (o termo "petrino" se refere a linhagem reconhecida de São Pedro, o primeiro papa, que se acredita ter sido ungido pelo próprio Jesus Cristo).
O próprio ofício tem uma linhagem divina, e os bispos a apoiariam porque esse é o fundamento da sua própria autoridade eclesiástica. Quaisquer posições a que se tenha chegado por meio dos assessores do papa são humanamente falíveis e muitas vezes politicamente motivadas.
Essa é certamente a explicação sobre como um bispo que menciona a ordenação de mulheres pode ser removido, enquanto outros que protegem os padres acusados de abuso sexual de padres permanecem no cargo. No início deste mês, o cardeal Angelo Sodano, que assumiria o cargo se o papa morresse, minimizou os abusos sexuais da Igreja como "periféricos".
Embora a carta indique que os bispos australianos "aceitam" a decisão de remover Morris, não há nada que sugira que eles concordem com os pressupostos e as explicações em que a decisão se baseou.
De fato, eles cuidadosamente tomaram distância da decisão e, na verdade, a renegaram. Sua carta diz: "Julgou-se que havia problemas de doutrina e de disciplina". Se eles tivessem se "fechado" atrás da remoção de Morris, eles teriam simplesmente declarado: "Houve problemas de doutrina e de disciplina", sem a qualificação "julgou-se".
O jornal The Australian retrata equivocadamente a reação dos bispos como combativa, na medida em que implica em uma censura de Morris por parte dos seus irmãos bispos. Na verdade, foi um exercício de obediência religiosa em um sentido não amplameente compreendido. Ou seja, uma obediência que é humilde e respeitosa, mas não estúpida.
A Ir. Clare Condon, líder das Irmãs do Bom Samaritano, explica isso bem ao escrever, na semana passada, na publicação online da congregação, The Good Oil. Refletindo sobre a obediência – embora sem referência específica a Morris –, ela disse que isso "não vem de um batalha de opiniões, ou de uma sobreposição de uma vontade sobre outra, mas de um lugar de profunda humildade e respeito".
Ela se refere aos danos causados pelas estruturas medievais e hierárquicas que podem distorcer o verdadeiro significado da obediência.
"Em tal estrutura de poder e dominação, reforçada por uma legitimidade divina, a obediência pode ser vista simplesmente como dizer sim para o `magisterium` ou a para a autoridade `legal`, de uma forma irrefletida e pouco inteligente. A palavra fundacional latina para `obediência` é oboedire, que corretamente traduzida significa `ouvir ou escutar`".
Mais importante, diz ela, é que essa tradução implica no fato de a escuta ser mútua.
No entanto, nesta fase, há poucos indícios de que Dom Morris tenha sido ouvido. Como indicado na carta da semana passada, os bispos australianos pretendem levantar questões junto às autoridades do Vaticano quando fizerem suas visitas ad limina ao Vaticano em outubro deste ano. Só podemos esperar que eles encontrem provas de que Dom Morris foi ouvido. Senão, a tristeza pode muito bem se transformar em raiva.
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Bispos australianos "tristes" com a remoção feita pelo Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU