10 Mai 2011
Nesta entrevista, o cineasta britânico Roland Joffé, analisa seu próximo lançamento, o filme There Be Dragons, sobre a vida do fundador do Opus Dei, Josemaría Escrivá.
No currículo de Joffé, estão trabalhos como os filmes A Missão e Os Gritos do Silêncio. O ator brasileiro Rodrigo Santoro faz parte do elenco do novo filme, interpretando Oriol, um anarquista que luta pela liberdade durante a guerra.
A reportagem é de Kerry Weber, publicada na revista America, dos jesuítas dos EUA, 10-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que lhe atraiu para criar um filme que retrata Josemaría Escrivá?
Josemaría disse certa vez que "Deus pode ser encontrado no cotidiano"... Ele pensava que Deus pode ser encontrado no "cotidiano" de todas as nossas vidas, não importa o que façamos – não temos que ser padres para encontrar Deus. Essas palavras muito simples me tocaram muito profundamente.
Josemaría também mostrou uma profunda honestidade intelectual. Ele respeitava o que significava ser um ser humano. Talvez ele chamaria isso de ser honesto com Deus. Alguém perguntou uma vez a Josemaría se devemos "aceitar todas as pessoas totalmente, mesmo que elas estejam erradas". Josemaría disse: "Sim! Mesmo quando elas estão erradas". Esse respeito e aceitação a todos os seres humanos foi outra razão pela qual eu me senti atraído para fazer esse filme.
Escrivá é uma figura controversa em alguns círculos, e algumas pessoas não acreditam que ele deveria ter sido canonizado. Isso também faz parte do seu retrato dele no filme?
Eu não queria que o filme fosse simplesmente sobre a "vida de um santo". Pensei que seria perigoso tentar tornar a vida de Josemaría abstrata, uma versão muito simplificada do homem que ele foi – o que parece ser uma traição comum de muitos santos quando eu leio sobre suas vidas. Eu decidi que eu devia honrar o homem Josemaría e o mundo em que ele viveu com honestidade.
Eu tive que me perguntar: "Em que tipo de mundo Josemaría se encontrava?". O equilíbrio, então, se torna muito importante. Eu não queria fazer o filme e dizer: "Vejam como Josemaría é importante e vejam quais lições devem ser aprendidas aqui". O que eu quero que o público faça é examinar a tapeçaria que é a vida desse homem. Se você extrair apenas algumas partes da sua vida, você só estaria extraindo fios, e você perderia o contexto do que realmente fez esse homem a pessoa que ele foi.
Você descreveria "There Be Dragons" como um filme cristão?
O filme é sobre todos nós. É sobre encontrar os nossos dragões. Os nossos dragões residem nessas partes "inexploradas" de nós mesmos, que nos preocupam quando pensamos em viajar para dentro delas. Existem rumores de que, em mapas antigos, os fazedores de mapas escreviam There Be Dragons naqueles lugares aonde ninguém havia ainda se aventurado. Essas áreas foram exploradas. Eram talvez perigosas, talvez reveladoras, talvez edificantes e até mesmo inspiradoras. Eu achei que isso era bastante interessante.
O dragão é uma criatura muito extraordinária porque é uma criatura tanto de terror quanto uma criatura de esperança e de boa sorte. E isso, para mim, diz algo muito interessante sobre os nossos lados mais escuros, sobre o que muitos chamam de "pecado". Eu não acredito que haja uma necessidade de ter medo do lado mais escuro. Ele pode ser uma porta para a felicidade. De certa forma, eu realmente acho que Cristo está nesse filme. Não digo que de uma forma grandiosamente religiosa. Esse é um filme sobre o sofrimento redentor, e Cristo viveu a sua vida dessa forma. E esse entendimento no cristianismo é notável. Quaisquer que sejam as minhas opiniões pessoais sobre a religião, e o meu agnosticismo pessoal, eu não posso refutar o extraordinário poder criativo e redentor disso.
Você já lidou com o tema do catolicismo no seu filme A Missão e agora novamente em There Be Dragons. Fazer filmes que incluam fortes temas ou personagens religiosos apresenta quaisquer desafios singulares?
Há uma fragilidade nos seres humanos na medida em que desejamos tão fortemente ser amados e, no entanto, ao mesmo tempo, da forma mais extraordinária e mágica, somos capazes de oferecer esse amor aos outros. Podemos ser os autores da nossa salvação, mas nós só alcançamos a salvação quando temos consciência de que também somos os autores de nossa própria perda da salvação.
Existe um perigo quando começamos a nos ver como autocriadores que geram a si mesmos. Isso criaria um terrível dilema sobre a nossa própria natureza. Isso se oporia a uma compreensão do que é ser totalmente "humano". Esses filmes apresentam uma oportunidade para realmente explorar essa parte da nossa humanidade.
Que perspectiva singular você é capaz de trazer para o filme como um "agnóstico vacilante", como você se descreveu recentemente?
As questões contidas na religião são inevitáveis. Eu acho que a religião é a encarnação do questionamento. Uma das coisas que eu aprendi, em uma idade muito precoce, enquanto eu viajava e experimentava diferentes culturas, foi que todos temos as mesmas perguntas. Eu não fui a nenhuma cultura – e eu estive em muito poucas – em que as perguntas não eram profundas ou as mesmas: "O que eu significo? Por que eu morro? Por que o amor não faz tudo certo? O que é o ódio?".
Cada cultura tem um conjunto diferente de respostas para essas coisas. A verdade, parece-me, quanto a qualquer religião que valha a pena é que ela se conecta a algo essencialmente fundamental sobre o que é ser um ser humano. Ela permite que você explore isso de uma forma estruturada ou menos estruturada. Então, eu não acho que um ser humano possa evitar as questões que lhe são colocadas pela religião. De certa forma, viver a vida é religião.
Os personagens de There Be Dragons lutam batalhas tanto internas quanto externas. Quais são as mais difíceis de retratar de forma convincente na tela?
Eu queria que cada personagem estivesse um pouco fora do centro e fosse um pouco vulnerável. Queria que as pessoas se concentrassem no que estava acontecendo lá dentro – e não fossem sugadas para o "exterior". Gastamos muito tempo olhando para o exterior e muito tempo equilibrando a relação entre o pessoal e o público. Nestes dias, a vida privada das pessoas está sendo posta no Twitter e no Facebook. Eu queria mostrar personagens que estão sempre levando as pessoas de volta para a importância central dos atos humanos, e mostrar o que esses atos significam de uma forma convincente e emocional. Essa batalha interna é a chave. Como o sofrimento é passado de uma pessoa para outra. Assumir o fardo da dor das outras pessoas. Essas são as lutas que eu queria explorar.
A reconciliação e o perdão são os principais temas do filme. Pode descrever um momento em sua própria vida em que você achou difícil perdoar alguém ou em que você achou difícil pedir perdão ao outro?
Eu não fui criado pela minha mãe biológica. Eu só a vi duas vezes em minha vida desde que eu tinha apenas 13 meses de idade. Eu recentemente recebi um telefonema de alguém que disse que minha mãe queria entrar em contato comigo. Eu fiquei um pouco chocado com o que se levantou dentro de mim. Era uma voz dizia algo como: "Nunca! Por que eu deveria falar com ela? Ela não fez nada pela minha família nem por mim".
Quando criança, eu sentia como se ela tivesse me abandonado de uma forma que era profundamente perturbadora. Claro, como criança, eu não entendia por que ela fez o que fez. Mas eu decidi ligar para ela. Uma voz veio de dentro de mim e dizia: "Eu só quero que você saiba que eu tenho tido uma vida muito maravilhosa. E, portanto, o erro que aconteceu entre nós realmente não importa, porque ele não me privou de ter amor, não me privou de ter uma família. Em todo o caso, tenho que lhe agradecer. Porque eu nunca teria tido isso sem você. E, como eu nunca teria tido isso sem você, eu te amo".
O que você espera que as pessoas levem do filme?
Espero que, como qualquer boa história, não seja um dedo em riste. Ao contrário, eu espero que ele mergulhe o público em um momento de vida – em que eles possam ver e experimentar quais são as partes constitutivas desse momento. A chave absoluta, então, é: será que o público vai sentir esses momentos? Se não houver nenhum sentimento do público, então é apenas um exercício intelectual e não há nada. Se o público tiver medo de que o perdão pode não estar lá, então o filme fez essa conexão com o público, e eles realmente o entenderam.
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O caçador de dragões e o novo filme sobre o Opus Dei - Instituto Humanitas Unisinos - IHU