08 Mai 2011
O presidente da Volkswagen do Brasil, o alemão naturalizado brasileiro Thomas Schmall, está preparado para uma longa batalha com o Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba. Ao contrário das outras duas montadoras do Paraná - Renault e Volvo -, que aceitaram pagar valores recorde de Participação nos Lucros e Resultados (PLR), a companhia alemã não está disposta a aceitar o montante reivindicado pela entidade.
Schmall quer convencer os 3,5 mil trabalhadores de que a proposta coloca em risco a sustentabilidade da fábrica, a terceira unidade de automóveis do grupo no País, que também tem uma filial que produz motores. Parada desde quinta-feira, a fábrica de São José dos Pinhais deixa de produzir 810 unidades ao dia dos modelos Golf, CrossFox e Fox - terceiro mais vendido no País, atrás de Gol e Uno.
Os metalúrgicos pedem R$ 12 mil de PLR, metade agora e metade no fim do ano, sem contudo aceitar metas de produção. A montadora oferece primeira parcela de R$ 4,6 mil e o restante a ser definido de acordo com o desempenho da unidade até o fim do ano. Para os funcionários das fábricas Anchieta, São Carlos e Taubaté, no Estado de São Paulo, foram negociados o pagamento de R$ 5,2 mil este mês. A segunda parcela está atrelada a metas a serem cumpridas até dezembro.
Na quinta-feira, os cerca de 3,5 mil funcionários do Paraná entraram em greve e hoje realizam assembleia para avaliar o movimento, enquanto o sindicato busca um acordo com a empresa. Schmall avisa que não pretende ceder: "É mais barato ficar em greve do que pagar e estragar o plano futuro da empresa". A seguir, trechos da entrevista concedida na sexta-feira.
A entrevista é de Cleide Silva e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 09-05-2011.
Thomas Schmall é formado em administração de empresas, assumiu a Volkswagen do Brasil no fim de 2006, após presidir a operação da Eslováquia. Antes, entre 1999 e 2003, foi responsável pela área de manufatura da fábrica do Paraná. Tem 46 anos.
Eis a entrevista.
O que o senhor espera da negociação com o Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba, ligado à Força Sindical?
Participação nos lucros significa participação, mas o Sindicato de Curitiba não vê dessa forma, pois o pedido é totalmente solto. Eles querem acertar o valor total do ano sem nenhuma contrapartida. Nas discussões da PLR é normal você definir metas a serem atingidas. Mas chegar e dizer "quero R$ 12 mil e tanto faz o que vai ocorrer com o mercado" é complicado. Eles querem R$ 6 mil agora e a diferença no fim do ano, sem estabelecer metas.
Como está a negociação nas outras fábricas do grupo?
Taubaté, Anchieta e São Carlos fecharam acordo com R$ 5,2 mil como primeira parcela e o restante está em aberto, vai depender do mercado. Está atrelado a metas. Queremos uma renda melhor para nossos funcionários, porque sabemos que o impacto social é bom para o País e para nós. O crescimento do Brasil está baseado no consumo doméstico e só há consumo se o brasileiro tem dinheiro para gastar. Por isso somos plenamente a favor de um crescimento do salário e R$ 5,2 mil são 30% a mais do que pagamos no ano passado. Se pagarmos mais, as contas não vão fechar. O pedido não está conectado com a situação atual.
Qual situação?
Estamos preocupados com a situação de competitividade. O Brasil é um País com mudanças rápidas, e o mercado está um pouco mais frio. As medidas do governo para conter o consumo começam a ter efeito. O varejo está mais lento. Atualmente, de 30% a 40% das vendas são corporativas (para frotistas e clientes especiais), o que não é saudável. Além disso, o nível de incentivos oferecidos aos consumidores está muito alto. Estamos vendendo maior volume de carros do que no ano passado, mas com menos lucratividade.
Como fica a fábrica do Paraná?
Infelizmente, vai chegar um ponto em que é melhor aceitar parar a fábrica do que pagar o que estão pedindo. É mais barato ficar em greve do que pagar e estragar todo o plano futuro da empresa.
Mesmo que a greve seja longa?
Sim, porque se o valor for aceito, tudo o que será negociado no futuro será em cima da nova base. O pulo é muito grande e terá efeito na sustentabilidade do negócio. Por isso não temos condições de pagar, infelizmente. Os sindicatos de Taubaté, São Carlos e Anchieta entendem isso. A Volkswagen mantém uma política aberta, mas negociar é negociar. O que não é possível é chegar na mesa e não querer discutir, simplesmente apresentar um pedido pronto, com um número X, que é maior do que nas outras unidades. Qual a explicação para pagar mais em Curitiba? Os outros aceitam valor menor porque entendem a situação da empresa. São Carlos, Taubaté e Anchieta são mais espertos. Não querem enfrentar novamente uma situação como a de 2006. E nós também não queremos ter de recorrer a uma reestruturação como a de 2006, quando demitimos 3 mil, 4 mil pessoas.
Foi quando a Volkswagen ameaçou fechar a fábrica do ABC?
Sim. Também não queremos chegar a uma situação parecida a dos Estados Unidos. Entre 2006 e 2010, o aumento dos salários em Curitiba foi de 54%. Conseguimos repassar ao preço do carro 15%. O restante é preciso recuperar com produtividade, custo de material ou simplesmente vamos baixar nossa margem de lucro, o que significará menos dinheiro para investir nos produtos. No mesmo período, os salários da região de Curitiba como um todo aumentaram 33%. Na região do ABC, aumentou 27%. E hoje, o sindicato quer PLR maior do que o aceito nas outras fábricas. Além disso, é menos flexível. Não se consegue, por exemplo, dias adicionais de produção.
A Renault vai pagar R$ 12 mil de PLR e a Volvo, R$ 15 mil.
Renault e Volvo têm uma fábrica só. Se fecharem, perdem tudo. Nós vamos perder uma participação. É um cálculo matemático. Você chega a um ponto em que sobe, sobe e, do outro lado, perde. Aí, faz uma análise de longo prazo e conclui que não faz mais sentido fazer carro. No curto prazo você consegue pagar, mas o problema é o efeito sustentável. Não sei como essas empresas querem enfrentar a competitividade nos próximos dois ou três anos. Todas as montadoras que estão chegando agora ao Brasil estão indo para locais mais baratos, com mão de obra mais barata. E temos produtos do mesmo segmento. Só que eles entram, atacam nossos produtos com uma base de custo muito menor e isso certamente vai afetar nossos resultados. Precisamos cuidar para evitar outra situação como a de períodos recentes, quando operamos quase dez anos com prejuízos. O que me deixa mais preocupado é que hoje um carro importado é mais competitivo que um nacional.
Podem faltar modelos Fox, CrossFox e Golf no mercado, por causa da greve?
Pode faltar, os estoques não são tão elevados. Isso tudo está dentro do cálculo. E isso deveria assustar todo mundo: se faz mais sentido parar de vender do que pagar (a PLR) claramente é porque a situação não é boa.
Qual a razão da resistência dos metalúrgicos do Paraná?
Não é a primeira vez que temos problemas em Curitiba. Nos últimos anos, aceitamos várias das reivindicações, mas a produtividade e os números não melhoraram. Por isso, foi tirado investimento de lá, porque esse comportamento tem impacto nesse tipo de decisão. Acho que nossos funcionários não são informados de maneira correta pelo sindicato, porque acham que estamos na melhor fase no Brasil, o que não é verdade.
Que investimento foi cancelado?
O sucessor do Golf não será feito lá. Vai para outra fábrica, que não posso dizer ainda qual. A fábrica só vai ficar, por enquanto, com a linha Fox.
Vocês podem transferir a produção do Paraná para outro local?
No curto prazo não, mas já fizemos o Fox na Anchieta. Depende agora dos resultados das negociações para avaliar se vamos mudar a locação do produto, mudar o investimento. Estamos dispostos a negociar, mas precisamos de um parceiro que entenda a situação da empresa, do mercado.
Há risco de fechar a fábrica?
Ninguém vai fechar uma fábrica mas, num ambiente de crescimento, precisamos pensar na participação que Curitiba terá no grupo. Estamos investindo R$ 6 bilhões no País, principalmente na Anchieta e em Taubaté. Eu não sei hoje se vamos investir mais em Curitiba.