28 Abril 2011
"Diferentemente de Samuel P. Huntington, João Paulo II sempre defendeu que o único e verdadeiro choque de civilizações é combatido na fronteira daquele verdadeiro `eixo do mal` constituído pela fome, pela falta de água, pela colonização industrial, pelo comércio iníquo e pela pobreza sofrida por 80% da população mundial."
A opinião é de Filippo Di Giacomo, padre, jornalista e juiz canônico que viveu durante 11 anos como missionário no Congo, publicada no jornal L`Unità, 28-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Esta será a semana de Karol Wojtyla. Para os católicos, que, durante a sua vida, o reconheciam já como um santo Padre, agora será o símbolo celebrativo daquele período da vida da Igreja, que interessou os 25 anos, certamente inesquecíveis, entre o velho e o novo milênio.
Enquanto celebraremos, como sugere Bento XVI, um pontífice que foi "mestre de vida espiritual", é melhor não esquecer que João Paulo II se consumiu para inserir os caminhos da paz, e do pacifismo cristão, no seu percurso místico e no horizonte existencial proposto aos jovens que educava.
O Papa Wojtyla, nos anos 2002 e 2003, estimulou os católicos do mundo inteiro a sair às ruas e a se unir aos pacifistas de todas as culturas para se manifestar contra a segunda guerra iraquiana. E quem decidiu, no próximo domingo, dirigir-se para a Praça de São Pedro faria bem, mas muito bem, lembrar disso.
As cartas do WikiLeaks relativas aos meses contíguos à invasão do Iraque relatam, de fato, petulantes e pesados esforços por parte do governo Bush para convencer João Paulo II a se alistar como chefe capelão dos "novos cruzados": aqueles que defendiam a ida ao Iraque para combater pela defesa da democracia e da "civilização cristã".
Naqueles meses tremendos, a Igreja de Wojtyla lutou contra ventos e marés para manter firme o mastro da sensibilidade do povo católico adverso à guerra e ao terrorismo. Desde quando o eclipse da razão política tentou levar ao primeiro plano as religiões unicamente para transformá-las em justificação dos conflitos, a Igreja de João Paulo II (totalmente semelhante nisso à de Bento XV do "massacre inútil" de 1915-1918, à de Pio XII do "tudo está perdido com a guerra" de 1939-1945, à da Pacem in Terris de João XXIII e da Populorum progressio de Paulo VI) jamais hesitou em "negar o guarda-chuva católico a qualquer tipologia de guerra agressiva".
Porque, diferentemente de Samuel P. Huntington e dos preconceitos "gringos" e "neoconservadores" do seu apocalíptico ensaio, João Paulo II, junto com os Papas e a doutrina social católica da era moderna, sempre defendeu que o único e verdadeiro choque de civilizações é combatido na fronteira daquele verdadeiro "eixo do mal" constituído pela fome, pela falta de água, pela colonização industrial, pelo comércio iníquo e pela pobreza sofrida por 80% da população mundial.
Para não se parecer a certos clericais do século XVII, que Diderot acusava de "serem católicos em Paris e pagãos no Taiti", seria bom imaginar o que o próximo Beato pensaria (caso os visse na Praça de São Pedro) daqueles seus "admiradores" que, nestas horas, discutem se é melhor exportar a democracia para a Líbia com os bombardeios ou com os mísseis. Porque o refrão sobre a "liberdade a ser exportada" chegou também à nossa casa, na Europa, entre os comandos da Otan, e ninguém parece se dar conta de grande mistificação pela qual as nossas chancelarias e as ex-forças do Pacto Atlântico estão se transformando na gendarmeria do neocolonialismo globalizante. Desde o dia 14 de janeiro, quando a parábola ditatorial do tunisiano Ben Ali se concluiu, ao dia 11 de fevereiro, quando os egípcios puseram fim à de Mubarak, talvez porque se acreditou que, em março, caberia a Kadafi, em abril ao iemenita Saleh e, em maio, ao sírio Assad.
Enquanto estamos sentados ouvindo encantados essa bela fábula, porém, não nos damos conta de que a democracia do canhão colocava na surdina a OUA, a Organização da Unidade Africana (a qual, talvez, também poderia ter algo a dizer à Itália e à França em matéria de regulamentação dos fluxos migratórios...), interpretava a seu gosto os patéticos "mandatos" da ONU (nesta quarta-feira, um porta-voz do Palácio de Vidro especificou, bondade sua, que o mandato sobre a Líbia não prevê "a eliminação física" de Kadafi e da sua família...), retornava novamente ao remetente até os mal humores da Rússia...
Em 2005, na última Páscoa da sua vida, João Paulo II não conseguiu nem formular as palavras da bênção urbi et orbi. Naquele ano, quem leu a mensagem endereçada às pessoas de boa vontade do mundo foi o cardeal Angelo Sodano. Mas no ano anterior, em 2004, com cansaço, João Paulo II leu a sua mensagem pascal. Resumindo-a: se no cenáculo – dizia –, no dia depois do sábado, isto é, no ocaso da primeira Páscoa cristã, havia também a Igreja na qual tanto dizem acreditar, é preciso ser sérios. Porque as primeiras palavras pronunciadas pelo Ressuscitado aos seus discípulos são estas: "Paz a vós". Repetidas duas vezes, antes de soprar sobre seus discípulos e lhes ordenar a levar a todo o mundo o seu anúncio de paz.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Às ruas, em nome da paz". O anúncio de Wojtyla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU