11 Abril 2011
"O tempo vai passando e nada de resolver a grave situação da identificação e demarcação das terras Kaiowá Guarani. Promessa vai, não cumprimento vem, a violência aumenta sem qualquer providencia efetiva. Os relatos das lutas são de estarrecer e cortar o coração. E o que mais dói é a enrolação com que se trata a questão, favorecendo, em última instância os interesses do poder econômico e político regional. Confinados ou acampados à beira da estrada o único recurso que lhes resta é voltar a seus tekohá, confiantes em seus lideres religiosos- nhanderu, na coragem e força de seus guerreiros e na solidariedade nacional e internacional",escreve Egon Heck, coordenador do CIMI-MS, ao enviar o artigo abaixo.
Eis o artigo.
"Eu estava trabalhando na fazenda do Rodrigues, quando o grupo Kaiowá Guarani do Mbarakaí, do cacique Alipio Aquino começou adoecer de sarampo. No começo a gente ia no velório. Era uma criança enterrada de manhã, depois de tarde já era outra. Depois foram morrendo tanta criança que a gente já não podia mais acompanhar tudo" (Rosalino-Avá Tupã Xirinó)
Este fato ocorreu em 1974, há uns 16 quilômetros da cidade de Iguatemi, no cone sul do Mato Grosso do Sul, região de fronteira com o Paraguai. Os sobreviventes foram levados por pastores da Igreja Evangélica Presbiteriana para a Reserva Indígena de Sassoró. Ará Verá Bydu estava entre eles.
Sentado num banquinho, juntamente com sua esposa Loide, Ará Verá inicia sua narrativa de dor, sofrimentos e mortes. O relato é entrecortado de momentos de muita emoção e lágrimas. Ao lembrar as duas voltas ao tekohá Mbarakaí, a imediata expulsão por grupos de pistoleiros e fazendeiros, ele relata minuciosamente os ataques sofridos e as drásticas conseqüência para o seu grupo que apenas retornara à sua terra tradicional na esperança de que possa voltar a viver em paz e com tranqüilidade.
As retomadas e os despejos
Às 3,15 de um bonito dia de inverno, 15 de julho de 2003, apareceu, repentinamente, um grande número de pistoleiros que cercaram os barracos e começaram a atirar, quebrar tudo, batendo nas pessoas e depois jogando combustível e queimaram todos os barracos. Nós mal tínhamos feitos os barracos, comenta Ará Verá. Como resultado desse cruel despejo ele fala de dois casais de velhos e duas crianças que desapareceram, não tendo notícias deles até hoje. "A gente não pôde mais voltar lá para saber alguma notícia dos desaparecidos", dentre os quais cita Ramon Fernandes, Elena Borivon (idosos) e Cleide, de 8 anos. Relata ainda as conseqüências do ataque em vários membros do grupo: Osni Riquelme perdeu a vista por causa das coronhadas na cabeça, Francisco Benites teve dois dedos cortados, Andresa Silva ficou com a mão aleijada em função das pancadas..." Diante de toda a violência não conseguem permanecer em seu tekoha
O grupo ficou disperso em várias áreas na região.
Em uma nova tentativa de retomar o espaço de vida onde cresceu e viveu com seus parentes, hoje aos 50 anos narra com lagrimas mais uma ação de violência "As 5 horas da manhã do dia 9 de dezembro de 2009, novo ataque ao grupo do tekohá Mbaraká’y. Novamente cercados por pistoleiros, foram rapidamente dominados, espancados e despejados do tekohá. Awa Ará Verá conta sua odisséia que duros quase 24 horas, para fugir do cerco dos pistoleiros e poder voltar para uma área indígena da região. Atravessou pântanos, rios, mata e erosões.Só chegou a uma área onde mora uma irmã, às três horas da manhã. Todo machucado e aranhado pelos obstáculos que teve que vencer na fuga, ficou três dias de cama.
Segundo relatos de Awa Ara Verá as conseqüências de mais esse violento despejo foi o desaparecimento de Arcelino Oliveira Texeira, um rapaz de 18 anos, do qual não se tem notícias até hoje. Marcia Lopes tem uma bala no corpo. Atanar ancião e liderança religiosa foi brutalmente espancado. Marcilia Lopes Martins se queixa de dores em conseqüência das agressões sofridas. Também ficaram feridos a bala Rosalino Lopes e Izael Souza. Awa Ará Verá faz o relato de muita dor com a convicção e a certeza de que tudo isso faz parte de seu trabalho e luta pelo seu povo. Aparenta não guardar ressentimento por tudo que tem sofrido. Porém deixa bem claro que precisa continuar a luta até que tenham o direito à sua terra reconhecido. "Já perdemos vários companheiros, mas vamos continuar, fazendo nosso caminho". E termina lembrando que "A Constituição diz que temos direitos, mas a lei não foi respeitada. Nosso problema não foi resolvido"
A comunidade enviou mais uma vez documentos à Funai e Ministério Público solicitando agilização na identificação e demarcação das terras Kaiowá Guarani e proteção às comunidades que estão exigindo seus direitos.
Em meio a muita dor e esperança a vida continua no acampamento provisório na Terra Indígena Jaguapiré. Que sejam tomadas urgentes providencias. Que os relatórios de identificação sejam publicados, as terras demarcadas e devolvidas ao direito sagrado, originário e constitucional das comunidades Kaiowá Guarani.
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Mbarakay - Violência e Dor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU