07 Abril 2011
Na basílica romana de Santa Maria Maior, o teólogo norte-americano Matthew Fox (foto) repetiu o gesto feito em 1517 por Martinho Lutero, que pregou nas portas da igreja de Wittenberg as suas 95 teses contra as indulgências papais. Expulso em 1993 da ordem dominicana por ordem do então cardeal Ratzinger, que o julgava excessivamente liberal, Fox é autor de In principio era la gioia, um verdadeiro best-seller teológico publicado nos EUA em 1983 e proposto agora pela editora Fazi (308 páginas), que explica como o sentimento dominante da fé não deve ser o sentido de culpa para com Deus, mas sim um sentido de reconhecimento para com o cosmos.
A reportagem é de Guido Caldiron, publicada no jornal Liberazione, 06-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que o senhor veio fazer, nas pegadas de Lutero, em Santa Maria Maior?
Decidi vir para Roma porque o arcipreste de Santa Maria Maior é o cardeal norte-americano Bernard Francis Law, que, durante o seu longo mandato como arcebispo de Boston, da metade dos anos 1980 até 2002, encobriu centenas de casos de pedofilia: um dos padres que dependiam dele é acusado de ter molestado de mais de 150 jovens. O cardeal Law não só não denunciou esse pedófilo à polícia, mas também lhe ofereceu a sua cobertura, transferindo-o continuamente de uma diocese à outra.
Os juízes norte-americanos procuraram mais de uma vez investigar Law, e, naquele momento, o Vaticano achou por bem chamá-lo a Roma e promovê-lo, confiando-lhe uma das quatro basílicas papais da cidade. E não só: hoje, Law faz parte da comissão que se ocupa das nomeações dos bispos. Portanto, um homem que, sem jamais pagar pelas consequências, protegeu no passado quem molestava e violentava jovens indefesos, hoje tem o poder de decidir quais novos bispos poderão ir pelo mundo para representar a Igreja.
O senhor critica aquilo que define como a corrupção moral e o desvio conservador da Igreja. Mas, se o próprio cardeal Ratzinger, que lhe caçou em 1993, depois, se tornou Papa, "readmitiu" os tradicionalistas seguidores de Marcel Lefebvre, que admiravam os regimes de Franco e de Salazar, o senhor não acha que a batalha está perdida?
Certamente a situação só piorou, e hoje, sob a liderança de Ratzinger, a Igreja tem um perfil sempre mais conservador. Hoje, é o Opus Dei, os Legionários de Cristo ou movimentos como Comunhão e Libertação que assumiram, de várias formas, um papel importante na hierarquia eclesiástica. Isso enquanto as comunidades católicas de base ou os grupos da Teologia da Libertação, que haviam sido, por exemplo, muito ativos na América Latina, foram hostilizados de todas as formas e reduzidos muito frequentemente ao silêncio.
Tudo isso se refere, porém, principalmente à cúpula da Igreja: entre os fiéis, são muitos os que denunciam ainda hoje aquilo que não está de acordo, como se viu muito bem nas mobilizações dos católicos norte-americanos diante do escândalo das proteções oferecidas por bispos e cardeais aos pedófilos. Por isso, continuo alimentando muitas esperanças, especialmente olhando para os jovens. Além disso, neste mesmo momento, nas terras do Islã, está se produzindo uma vasta revolução das consciências, e muitos estão pedindo liberdade e democracia: por que algo do gênero não deveria ocorrer também aqui?
Com os seus textos, o senhor parece imaginar uma fé liberta do medo, fruto do pecado original, e fundada na alegria e em uma grande empatia entre todos os seres humanos e entre estes e a natureza. Uma tal religião não parece precisar de nenhuma Igreja e, principalmente, parece negar o poder da atual. É isso?
(Ri). É possível. Digamos que acredito justamente que, hoje, a religião e a espiritualidade devem viajar de modo muito mais livre e "leve": em uma palavra, devem estar ao alcance de todos. Quem se aproxima da fé não pode pensar que deve levar sobre suas costas o peso de mais de 2 mil anos de história. Tudo isso pode ser feito sem uma Igreja? Certamente, pode-se fazer sem edifícios custosos e gigantescos, sem hábitos dourados e sem toda a pompa que existe hoje.
No início, a Igreja nasceu nas casas, nas catacumbas e só em um segundo momento é que saiu ao exterior: foi então que começou a herdar o poder que havia sido, até aquele momento, do Império Romano, e ali começou a sua perversão. De fato, Jesus havia combatido o Império. Por isso, a minha resposta é que uma Igreja das pessoas, ao invés do poder, ainda é possível.
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"É necessária uma revolução das consciências na Igreja, como a do Oriente Médio" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU