03 Abril 2011
Na Alemanha, alguns elementos políticos e sociais assinalam uma retomada da sensibilidade pelas questões verdes.
A análise é do jurista e político italiano Stefano Rodotà, em artigo para o jornal La Repubblica, 31-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
As coincidências jamais são filhas do acaso. Principalmente na política. É preciso levar isso em conta na avaliação dos acontecimentos como o sucesso eleitoral dos Verdes alemães no Baden-Wuerttemberg e na Renânia-Palatinato, a duplicação dos votos dos Verdes franceses no primeiro turno das eleições estaduais, a manifestação italiana de sábado contra a privatização da água, que confirmou um grande apoio popular que já se tornou visível pelo milhão e meio de assinaturas coletadas para promover o referendo.
Comentando o resultado de domingo, disse-se que um tsunami se abateu sobre o sistema político alemão: um uso malicioso da palavra, com a qual se quis aludir tanto a um impetuoso crescimento de consensos que, pela primeira vez, levará um expoente dos Verdes a presidir uma das mais importantes regiões da Alemanha, quanto ao muito mais dramático tsunami japonês, dando assim ao voto um significado de um referendo pró ou contra a energia nuclear, de algum modo redimensionando o porte político do sucesso verde.
Se é justo não fazer avaliações apressadas e entusiasmadas do voto alemão, também é verdade que seria equivocado subavaliar as razões que dirigem as atenções dos cidadãos ao movimento verde, quase como se se tratasse de um reflexo emotivo destinado, antes ou depois, a ser totalmente reabsorvido.
O ambientalismo das origens se libertou de muitos esquematismos, amadureceu análises atentas às dinâmicas econômicas e sociais, contagiou setores diferentes aos diretamente ligados à tutela do ambiente natural. Foi assim colocada em ação uma agenda política renovada, sempre menos ideológica, embora fundada em uma demarcação forte da necessidade de uma radical posta em discussão de alguns critérios que continuam inspirando muitas escolhas econômicas e políticas, em primeiro lugar aquelas voltadas a uma espécie de modernização forçada, não acompanhada por uma avaliação adequada de todas as suas possíveis consequências.
Duas palavras de origem dos ambientalistas – "despoluir", avaliar o "impacto" das decisões públicas e privadas – tornaram-se de uso corrente no léxico político mais geral. E a operação de despoluição também é referida ao próprio ambiente político, tanto que alguns comentaristas captaram no voto alemão uma forte exigência de ética pública.
Não é por acaso que esse voto penalizou fortemente os liberais, cuja imagem havia sido justamente poluída pela descoberta de um ministro seu em flagrante pecado de plágio para a sua tese de doutorado, e cuja renúncia imediata não conseguiu conter o descrédito para o seu partido. É verdade que a Itália, aos seus 150 anos, já parece ser imune rumo a qualquer imoralidade pública: mas talvez o caso alemão possa nos dizer algo sobre a conveniência política de não fazer descontos na questão da ética civil.
Na agenda dos Verdes, aparece a renda mínima garantida, à qual se olha como um instrumento que pode eliminar muitas poluições do ambiente social. Aqui, entende-se uma significativa sintonia com uma sentença da Corte Constitucional Alemã, que, em fevereiro do ano passado, declarou como ilegítimas algumas normas que contrastavam com o "direito fundamental à garantia de um salário mínimo vital digno".
Mas os Verdes seguem uma indicação que se encontra na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que na Itália inspira a ação do neonato Basic Income Network, e que os ambientalistas italianos deveriam levar seriamente em consideração se querem verdadeiramente tomar um caminho constituinte não retórico.
Há, depois, a questão da despoluição do ambiente da informática, que exige contínuas avaliações do impacto das inovações, como nos lembra o último número da revista Terminal, recém publicado na França.
Mas o ambientalismo encontrou uma das suas mais fortes características distintivas na centralidade atribuída aos bens comuns – ar, água, saúde, alimentos, conhecimento. Aqui, o atrito com a pura lógica de mercado se faz mais marcado, e os bens comuns se apresentam como a projeção do mundo dos direitos fundamentais que devem acompanhar toda pessoa, qualquer que seja o lugar em que se encontre, assim como a sua condição.
Bens comuns e direitos de cidadania se conjugam, dando à ação política também um forte porte simbólico, localizando as próprias precondições da convivência democrática. É bom não esquecer, para evitar leituras muito niveladas unicamente sobre o episódio nuclear, que há poucas semanas os cidadãos de Berlim votaram justamente contra a privatização da gestão da água.
E pode-se acrescentar que, em uma outra grande capital, Paris, o retorno da gestão da água para as mãos públicas foi desejado pelo prefeito socialista, Bertrand Delanoe, cuja eleição havia se tornado possível pela aliança com os Verdes. Se, portanto, queremos olhar seriamente para o modo em que se constrói hoje uma agenda política, o tema dos bens comuns está destinado a representar uma referência inevitável (que melancolia ver que o PD se divide justamente sobre o referendo sobre a água).
Além disso, só assim é possível reconectar-se com uma Europa onde é necessária uma ação convencida para explorar todas as oportunidades oferecidas pela Carta dos Direitos com as suas referências às gerações futuras, à tutela do meio ambiente, ao desenvolvimento sustentável.
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O retorno dos ambientalistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU