24 Março 2011
A voz crítica do teólogo jesuíta José Ignacio González Faus (Valência, 1935) exaspera o Vaticano, onde chegaram acusações sobre ele. Autor de numerosas publicações e professor de Teologia em Barcelona, dirige Cristianismo y Justicia, um centro fundado pelos jesuítas barceloneses há 31 anos. Hoje [ontem] participa de uma homenagem a Óscar Arnulfo Romero em A Coruña.
A entrevista é de Isabel Bugallal e está no jornal espanhol Faro de Vigo, 24-03-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Você não joga a toalha?
Não penso em jogá-la, evidentemente; por que deveria jogá-la?
Por ameaças do Vaticano.
No meu caso, não foram tantas e, mesmo que fossem mais, Jesus, a quem procuro seguir, não a jogou. Meu pai, santo Inácio, meu fundador, também não a jogou quando perseguido pela Inquisição.
É verdade que chegam denúncias anônimas e delações ao Vaticano?
Sim, é verdade. É incrível a quantidade de cartas e denúncias que chegam, muitas anônimas e de pessoas neuróticas que não tem outra coisa a fazer e escrevem a Roma. O que não compreendo, como cristão e como sacerdote, é que em Roma se dê ouvidos a este tipo de acusações.
Dão ouvidos?
Quando eram contra o bom – ou o mau – do Marcial Maciel não parece que fizeram muito caso; ao contrário, quando chegam outros casos... Todos os sistemas muito centralizados, como é o Vaticano, têm um grande medo de estar desinformados e acreditam em qualquer coisa que lhes dizem.
O que disseram de você?
Que eu nego a divindade de Jesus, coisa que é mentira e, portanto, não me preocupa; que critico injustamente a Igreja, coisa que também não é verdade; que sou marxista, o que não é certo, e coisas desse gênero que não merecem ser ouvidas.
Você é incômodo para a Igreja?
Não queria ser, porque amo a Igreja, mas sou porque creio que necessita de uma reforma muito séria. Jesus também foi incômodo para o sinédrio e os sumos sacerdotes.
Denuncia a estrutura de poder da Igreja.
Naturalmente: o poder foi a terceira tentação que Jesus negou. A Igreja devia ter o mínimo indispensável de estrutura e o máximo de liberdade, mas tenho a impressão de que é o contrário.
Não lhe entra na cabeça que a Igreja tenha Estado.
Na cabeça, entra, mas não sei se cabe no Evangelho.
Você escreveu uma carta aberta ao Papa para falar sobre isso?
E por que não, pois todo cristão tem o direito de escrever ao Papa.
É crítico com a nomeação de bispos, por quê?
Porque o procedimento atual é contrário àquele que se dava na Igreja primitiva e no Evangelho. Cada igreja deve escolher o seu bispo.
Os papas são prisioneiros da cúria romana?
Estão condicionados por uma estrutura que a cúria conhece melhor. Como eles dizem, "os bispos passam, mas a cúria permanece".
Qual é o lugar da Igreja que você defende?
A Igreja tem que estar com as vítimas, os crucificados, os pobres, os perseguidos; com a mentalidade de cada época e com as diversas culturas.
Diz que a Igreja demora 200 anos para admitir as mudanças.
A reforma de Lutero praticamente só foi digerida no Concílio Vaticano II e não parece que as pessoas da cúria tenham aceitado totalmente o Vaticano II.
Vê uma involução?
Não apenas eu, muitos teólogos pensam dessa maneira. Há quase 40 anos, Karl Rahner escreveu um artigo que se intitulava Vamos para um gueto? Parece que sim, que vamos para um gueto.
Você foi aluno de Ratzinger na Alemanha.
Eu estava preparando a tese de doutoramento ali, era capelão dos imigrantes espanhóis e assistia às suas aulas de Cristologia. Os alunos até o aplaudiam: era, evidentemente, outro Ratzinger, mais avançado.
Qual é a sua opinião sobre a visão de Jesus que dá em seu último livro? Segundo ele, não foi revolucionário.
Jesus não quis ser um revolucionário, mas acabou sendo um e foi condenado por motivos políticos. Pode ser que não seja a visão de Bento XVI, mas é a que tem mais fiabilidade histórica.
Os kikos, o movimento neocatecumenal, arrastam massas e enchem praças ali o Papa vai.
Para encher praças basta ter dinheiro, organização e alguns ônibus. A pergunta é se isso não é como a espuma que enche o copo de cerveja e quando baixa não fica nada. Além da espuma, a imagem evangélica seria a semente que cresce. A maneira de proceder dos kikos, com pressões e chantagens, não me parece muito evangélica.
O poder de Rouco deve ser grande, chamam-no de "vice-papa".
Sei dele o mesmo que você, o que dizem os jornais, e que alguma vez foi se queixar de mim ao provincial dos jesuítas.
Ele é presidente da Conferência Episcopal por apenas um voto de diferença, o de seu sobrinho, dizem as más línguas.
Sim, dizem isso.
A Igreja está mal, mas o mundo está pior, na sua opinião.
Temo que sim. "Estamos em um sistema que produz ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres", disse João Paulo II.
Você fez um testamento?
Sim, fiz porque creio que há um certo encarniçamento terapêutico, dissimulado de mil maneiras e porque tive uma irmã gêmea que morreu de câncer e, com a ajuda de um médico, tive que fincar pé para que não a incomodassem mais e a deixassem morrer em paz; e porque prefiro morrer seis meses antes do que ter de viver seis meses a mais, mas de modo incômodo.
"Nasci em uma família de direita, mas o encontro com Jesus me fez de esquerda".
Meu pai era um grande católico e muito franquista. A família católica e os padres jesuítas me transmitiram o amor e o interesse por Jesus; quando entrei na Companhia, descobri que o Jesus dos Evangelhos não era aquele que me haviam ensinado e dei uma guinada de 180 graus.
Se fez sacerdote de esquerda.
As pessoas dizem que sou de esquerda, mas eu quero ser do Evangelho. Atualmente, as esquerdas estão em crise e abandonaram sua causa, que era a justiça social.
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"A Igreja está virando um gueto e necessita de uma grande reforma’, afirma teólogo jesuíta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU