15 Março 2011
"Segundo o Detran, a cidade vai atingir essa impressionante marca até o fim de março. Mas afinal, tal fato é digno de júbilo ou de pesar?", escreve Reinaldo Canto, jornalista, em artigo publicado na revista Carta Capital e reproduzido pela Agência Envolverde, 14-03-2011.
Eis o artigo.
A resposta para o questionamento acima mencionado irá depender, obviamente, do ponto de vista e dos valores do observador.
Para os adeptos da velha economia e amantes do transporte individual a notícia poderá ser motivo de comemorações. Esses hão de considerar que o expressivo número significa que São Paulo transformou-se numa metrópole digna do primeiro mundo, com uma economia pujante e próspera, na qual cada vez mais pessoas podem satisfazer seus desejos de consumo.
Já para aqueles que compartilham os valores do desenvolvimento sustentável e da melhoria da qualidade de vida, a informação causa, no mínimo, um certo desânimo. Simboliza uma vitória do retrocesso e do passado em detrimento da construção de uma cidade mais equilibrada e amigável para se viver.
Números não mentem
Algumas informações adicionais são importantes para que os indecisos possam fazer suas escolhas. Segundo matéria publicada pelo caderno Metrópole do jornal O Estado de São Paulo baseada em dados fornecidos pelo Detran, em 1970, a capital paulista tinha registrados 965 mil veículos para 14 mil quilômetros de vias. Já para os 7 milhões de veículos existem hoje na cidade, 17 mil quilômetros de ruas e avenidas pavimentadas. Não é por outra razão que os congestionamentos por estas bandas são cada vez mais freqüentes.
Espanta também o fato da frota de veículos crescer seis vezes mais rápido que a população de São Paulo. Já temos mais veículos por habitante (630 para cada mil paulistanos) do que Japão (395), Estados Unidos (478) e Itália (539 veículos para cada mil italianos).
Direito fundamental
Contribui de maneira decisiva para esse crescimento descomunal um fator cultural bastante disseminado em nosso país: o sonho de possuir um carro próprio.
Ouço com insistência que o estabelecimento de medidas de cerceamento a venda de veículos, seria uma indesculpável discriminação com as classes C e D que, graças às facilidades do crédito, finalmente podem adquirir carros com prestações que caibam nos seus bolsos.
Segundo essa lógica ser proprietário de um veículo de passeio seria um direito inalienável tanto quanto os direitos a saúde, alimentação, moradia e educação. Mas é preciso, antes de mais nada, levar em conta as necessidades da sociedade como um todo. Aí sim, um dos principais direitos fundamentais fica enormemente prejudicado com o entupimento das nossas vias por esses veículos de passeio, ou seja, o direito de ir e vir. E pelo que podemos assistir, antes de melhorar, essa situação deve piorar ainda mais.
Ignorância e insanidade
A marca de 7 milhões de veículos em breve será superada, pois as vendas continuam a crescer de maneira acelerada e constante. Portanto, devemos esperar congestionamentos cada vez maiores, pessoas estressadas e também o aumento dos casos de doenças provocadas pela poluição que já matam cerca de 20 pessoas todos os dias na região metropolitana, segundo o Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Além de entupir as ruas de nossas cidades e ampliar os níveis de poluição do ar, a cadeia de produção da indústria automobilística é intensiva em uso de energia, água e matérias-primas extraídas sem pudor nem dó da natureza. Isso significa que, do ponto de vista do planeta, essa atividade é totalmente insustentável e, portanto, sem futuro, seja pelo bem ou pelo mal.
Mudanças necessárias em todos os setores
Essa espiral de insanidade que a todos prejudica indistintamente, pode e deve ser interrompida. Talvez possa começar pela questão psicológica rompendo com o ego, como Dal Marcondes outro colunista de Carta Capital lembrou bem em artigo recente.
Possuir um carro, não faz uma pessoa melhor que fique isso bem claro! Conclusões no sentido oposto também devem ser evitadas, a ausência de um carro na garagem não é um inequívoco sinal de fracasso.
Outro ponto a se levar em conta é a busca pela convivência harmônica entre os habitantes da capital. A prevalência do individual sobre o coletivo é um dos fatores que faz de São Paulo uma cidade difícil de viver. Uma cidade deve ser de todas as pessoas que nela residem ou transitam. Ruas, avenidas, calçadas, pontes e viadutos deveriam ser locais mais agradáveis para o deslocamento cotidiano e não de disputa insana pela ocupação de pequenos espaços a qualquer custo.
Caminhos para mudar essa realidade existem e são até mais simples do que parecem. No campo individual, por exemplo, mesmo que você ame seu carro, evite o seu uso em toda e qualquer circunstância sempre que possível. Você verá que andar a pé, de bicicleta ou de transporte coletivo pode ser bem interessante e agradável.
Por outro lado, é preciso também exigir que as nossas autoridades públicas façam pesados investimentos em transportes coletivos e deixem de gastar dinheiro do orçamento com obras viárias. Quase sempre são obras muito caras que privilegiam e incentivam o uso de carros de passeio. Campanhas e fiscalização maciças para questões como respeito a faixa de pedestres, reforma de calçadas e garantia de acessibilidade vão contribuir para uma gradual e benéfica transformação em prol de uma metrópole mais sustentável e feliz.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Parabéns São Paulo chegamos aos 7 milhões de carros! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU