15 Março 2011
"Enquanto a terra treme e o planeta geme exigindo medidas urgentes e inadiáveis, do ser mais destruidor do planeta, o humano, por aqui, nas aldeias Kaiowá Guarani, a fome avança como um tsunami, em consequencia da irresponsabilidade criminosa de quem confinou a população indígena e agora a deixa minguar de fome. É inconcebível que se continue propagandeando o agronegócio produtor de alimentos - para os animais na Europa e outras partes do mundo, e não se tenha alimento para as comunidades indígenas que tiveram seus territórios roubados e sua economia destruiída", escreve Egon Heck, coordenador do CIMI-MS, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
"Se é para salvar o planeta deve ser sério. E primeiro terá que salvar os milhares de Indígenas que estão sendo massacrados em nosso estado.Eles, os Povos Indígenas sejam de que tribo forem, são originais e não serão jamais peças de atração exótica."(Silvio da Silva – CRB-MS)
"Este ano a Funai ainda não entregou cesta básica. São quase três meses de fome e espera". O clamor chega das diversas aldeias e acampamentos indígenas do Mato Grosso do Sul, e em especial dos Kaiowá Guarani, da região de Dourados. O grito da fome como ondas gigantes vai se propagando pela região. Em carta encaminhada ao Ministério Público de Dourados e Funai, o Conselho da Aty Guasu manifesta sua enorme preocupação e alerta "Nosso povo está passando muita fome, não por culpa nossa, mas porque tiraram nossas terras, acabaram com nossa possibilidade de produzir nosso alimento, e agora estamos nos braços da fome e da dependência. E o mais grave, como não recebemos ainda nenhuma cesta básica este ano, nossas crianças estão perdendo peso, correndo o risco de uma nova mortandade por desnutrição." Concluem a carta dizendo "Se não vier com urgência, nós do Conselho da Aty Guasu vamos fazer um documento e espalhar no mundo inteiro dizendo que querem que a gente morra de fome."
Às centenas de telefonemas direcionados para a Funai, a resposta que as lideranças das aldeias e acampamentos indígenas recebem é sempre a mesma – os alimentos estão comprados, porém não tem transporte para trazê-los até aqui". O que os indígenas não entendem é como tem centenas e centenas de caminhões carregados de soja passando por suas aldeias e não existe transporte para trazer os alimentos da cesta básica.
Assassinato do cacique Veron: o julgamento continua
Aos poucos os lideres religiosos – nhanderu, juntamente com outras lideranças de aldeias Kaiowá Guarani vão chegando à Terra Indígena Takuara. Para ali chegar tem que atravessar um imenso canavial, que simboliza a travessia de mais de quinhentos anos de opressão e extermínio. Mas eles chegam esperançosos e revoltados. Com fome e sede de justiça e de pão. Com a alma Guarani em busca de sua terra sem males.
Depois da celebração e alegria pela vinda de lideranças de várias aldeia para o grande encontro de socialização do julgamento havido em São Paulo, dias 21 a 25 de fevereiro, quando foi reconhecido a crueldade, tortura e a formação de quadrilha que praticou violência, ferimentos e morte do cacique Marcos Veron, foi o momento de fazer o "purahei" – ritual de homenagem e justiça, na sepultura do Cacique na aldeia de Takuara. Ao som dos mbarakás, das takuaras e os cânticos espirituais aos lideranças seguiram para o barracão construído para a realização da "Aty Guasu", pela justiça e memória dos que derramaram seu sangue na luta pela terra.
Na carta para as autoridades e amigos do mundo inteiro os participantes assim expressaram suas exigências:
Exigimos
O julgamento imediato do mandante do crime, Jacinto Honório da Silva Filho e do principal responsável pelo assassinado, Nivaldo Alves de Oliveira, que se encontra foragido. São ao todo 24 réus a serem julgados pela violência e morte do cacique Marcos Veron.
Que a polícia federal agilize a conclusão dos inquéritos de lideranças Kaiowá Guarani assassinados na luta pela terra, para que os responsáveis sejam julgados e punidos o quanto antes.
Que sejam concluídos e publicados com urgência os relatórios de identificação de todas as terras Kaiowá Guarani, que é indispensável para começar a reverter a situação de violência. Assim, as comunidades voltarão a viver em paz dentro de seus tekohá.
Continuaremos nos reunindo, fazendo as nossas rezas e discussões em nossas Jeroky Guasu e Aty Guasu. Esperamos continuar contando com a compreensão e apoio sempre maior de amigos e novos aliados no Brasil e no mundo." (Aldeia Takuara, 13 de março de 2011, Juti – MS. – Carta dos nhanderu e lideranças Kaiowá Guarani)
Apesar de tudo a vida Guarani segue sua trajetória secular, de resistência e afirmação de sua cultura. Nos próximos dias acontecerá o segundo encontro dos Guarani da América do Sul, promovido pelos Ministérios da Cultura dos quatro países – Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia. São esperados em torno de mil Guarani na aldeia Jaguaty, no departamento de Amambay, no Paraguai.
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O tsunami da fome nas aldeias do Mato Grosso do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU