10 Março 2011
"Se alguém me pede uma missa ou uma confissão, eu vou continuar a atender", disse nesta segunda-feira o sacerdote Nicolás Alessio, a quem a Igreja de Córdoba, na Argentina, expulsou de suas fileiras, porque, ao declarar-se publicamente a favor do matrimônio igualitário, cometeu "recusa pertinaz da doutrina".
A reportagem e a entrevista são de Soledad Vallejos e estão publicadas no jornal Página/12, 08-03-2011. A tradução é do Cepat.
O afastamento obrigatório de Alessio do ministério público sobreveio após um processo canônico iniciado pelo arcebispo Carlos Ñáñez, em julho do ano passado, poucos dias antes de a lei ser sancionada. A sentença estabelece, pontualmente, que Alessio está proibido de "exercer em público a potestade sagrada", que implica em celebrar missas e qualquer outro sacramento católico, ouvir confissões e dar a comunhão.
Com a decisão, "a Igreja segue sendo coerente com a atitude que teve no ano passado", assinalou Alessio em conversa com o Página/12: "É antidemocrática, autoritária e se opõe a todos os que pensam diferente". Por isso, mesmo que não queira continuar pertencendo à instituição, assegura que continuará exercendo seu ministério sacerdotal.
A pena imposta, à qual ele se refere como "censura", só ratifica "o que eles pensavam: que o matrimônio igualitário é uma aberração, que os homossexuais são doentes perigosos de quem é preciso ter pena, mas não reconhecer-lhes direitos".
Enquanto a instituição segue sem admoestar a "sacerdotes pederastas" como o bispo Edgardo Storni ou o sacerdote Julio César Grassi, ele está sendo castigado por "pensar diferente". "Desta maneira, a hierarquia ratifica o que pensa, e, além disso, busca disciplinar outros que possam pensar diferente". O sacerdote, de 53 anos, também foi ordenado a abandonar a casa paroquial na qual viveu os últimos 27 anos.
Quando você diz que sua expulsão tem o objetivo de disciplinar, indica que há outras vozes dissonantes dentro da instituição?
Aqui em Córdoba fomos um grupo de sacerdotes que apoiamos o matrimônio igualitário, por exemplo. Mas no resto do país também há. E, além disso, há fiéis cristãos e religiosas que apoiaram e apóiam a questão. Mas com esta medida querem impor o medo. Querem deixar claro que quem pensa diferente e se anima a dizê-lo se torna um alvo para ser processado e censurado.
O arcebispo Ñáñez o havia impedido de celebrar o ministério em sua paróquia já em meados do ano passado, quando começou o julgamento.
Essa era uma medida cautelar enquanto se substanciava o julgamento. Agora que o julgamento termina, dita-se a sentença e a cautelar se torna definitiva. Sou proibido de exercer o ministério em qualquer lugar público. Obviamente que não me interessa, eu fugi do estado clerical. Não quero ser cúmplice desta estrutura. Mas, por outro lado, uma senhora me pediu uma missa em seu bairro para estes dias. Vou presidi-la, porque não reconheço a legitimidade da proibição. Meu ministério é do Povo de Deus, não dos bispos. Se alguém me pede que ouça sua confissão, se me pedem por um doente que necessita da unção dos enfermos, não terei pruridos em administrar estes sacramentos, porque o ministério é um dom para as pessoas e não algo controlado pelos bispos.
Estes meses transcorreram assim?
Sim, tratando de não criar muita tensão na comunidade paroquial. Por isso deixei as missas de fim de semana e deixei que continuasse o sacerdote interventor. Mas não me afastei da comunidade.
Como será sua vida daqui para frente? Como sobreviverá?
Meu trabalho era este. Tenho trabalho por pelo menos mais dois anos, como assessor na Câmara dos Deputados, no bloco do partido de Luis Juez. Assessoro temas relacionados à educação a deputada Susana Mazzarella, que ainda tem dois anos de mandato. Daqui a dois anos, terei que buscar outro trabalho, porque a verdade é que se fica assim, na rua.
Foi fácil começar a trabalhar no mundo político?
Não, mas tive uma trajetória de muitos anos de compromisso com os mais pobres, com os movimentos piqueteiros, com as fábricas recuperadas. Minha militância social tem uma longa trajetória.
Nenhuma dessas coisas havia produzido atritos com a hierarquia eclesiástica?
Não. Mas tivemos diferenças, sobretudo, com o cardeal (Raúl) Primatesta. Mas nunca aconteceu algo como este absurdo por pensar diferente. O que o arcebispo Ñáñez fez é um despropósito, não tem sentido. Somente uma instituição terrivelmente autoritária pode levar adiante este processo.
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"Vou continuar a exercer o meu sacerdócio’, diz sacerdote argentino processado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU