09 Março 2011
As mulheres participam das mobilizações democráticas dos países árabes. No entanto, estarão presentes na nova configuração do poder?
A reportagem é de Ana Carbajosa e publicada no El País, 06-03-2011. A tradução é do Cepat.
As revoltas populares no mundo árabe abriram passagem para uma nova era democratizadora na região. Não há retorno, concorda a grande maioria dos especialistas. O que não está tão claro é se na futura troca de poder de ditadores eternos para o povo, as mulheres terão participação ativa, começam a se perguntar algumas feministas árabes. Outras acreditam, contudo, que o impulso revolucionário propiciará mudanças culturais capazes de por um fim ao quase monopólio masculino do poder em muitos países árabes.
"Nos dizem que não é o momento de falar dos direitos da mulher, mas é precisamente agora que temos que trabalhar mais do que nunca essa questão. Homens e mulheres lutamos ombro a ombro para acabar com o regime de Mubarak, mas já começamos a ver que na hora da tomada de decisões políticas são eles os que decidem por nós", sustenta Nihad Abul Qomsan, advogada e presidente do Centro Egípcio para os Direitos da Mulher.
Abul Qomsan faz alusão à famosa foto da reunião do então vice-presidente egípcio Omar Suleiman com o chamado conselho de sábios – acadêmicos, empresários e intelectuais – que deviam discutir o caminho da transição democrática pouco antes de Mubarak cair. Naquela grande sala havia 27 sábios e apenas uma sábia. Dias depois, o novo Governo militar egípcio escolheu um grupo de sete especialistas na área de Direito para emendar a Constituição. Todos eles são homens.
A mulheres como Abul Qomsan, a experiência e o profundo conhecimento de sua sociedade lhes impedem de compartilhar plenamente o entusiasmo revolucionário. "A revolução política é fundamental, mas para que a participação das mulheres nos futuros Governos não seja puramente cosmética falta uma verdadeira revolução social e cultural", disse Shahida el Baz, diretora do Centro de Pesquisa Árabe e Africano com sede no Cairo. Ela é daquelas que, apesar dos temores, pensa que com a revolução política chegarão também as mudanças sociais. "A libertação dos homens está intimamente ligada à das mulheres. Durante uma revolução, as pessoas se transformam ao longo do caminho", pensa El Baz.
Mas tanto umas como outras acreditam que a democracia por si só não bastará para dar uma guinada na situação em que se encontra a mulher no mundo árabe. Uma situação, dizem as especialistas consultadas, que é consequência da falta de liberdades, mas também das práticas culturais e do avanço das correntes religiosas mais conservadoras. Os dados regionais oferecem um panorama desalentador. Os indicadores em relação ao emprego, a participação política ou as diferenças salariais, situam as mulheres árabes no final da fila, comparadas com outras regiões do mundo.
"O problema é que há muitos homens que nem sequer entendem porque as mulheres querem participar da política. Eles estão convencidos de que são capazes de governar para o bem da mulher", explica Dena Assaf, diretora regional do Programa das Nações Unidas para a Mulher, com sede na Jordânia.
Os últimos dados da União Interparlamentar mostram, por exemplo, que os países árabes são a região do mundo onde as mulheres têm menor representação parlamentar. São 12,5% no final de 2010, frente a 21,9% na Europa.
Entretanto, as diferenças por países dentro do mundo árabe são enormes. Uma coisa é o Kuwait, onde as mulheres tiveram que esperar até 2005 para obter o direito de voto e de ser votadas; outra coisa é a Tunísia, onde votam desde 1956.
A educação, sobretudo nas novas gerações não costuma ser o problema. As mulheres árabes enchem as salas de aula das universidades e em alguns países inclusive superam o número de estudantes masculinos. Em média, 59,4% das mulheres árabes receberam uma educação formal, segundo o último Relatório de Desenvolvimento Humano do Mundo Árabe elaborado pela ONU, que destaca também abismais diferenças entre países. Enquanto no Marrocos, por exemplo, mais de 60% das mulheres são analfabetas, na Jordânia essa cifra cai para 13% e no Kuwait para 9%.
Diferenças nacionais à parte, são muitas as mulheres que têm formação e determinação para participar da vida política e econômica do país, como ficou claro nas últimas semanas. Vimo-las nas ruas gritando, agitando cartazes, organizando protestos na internet e fugindo das balas. O problema é que suas capacidades não se refletem em mercados de trabalho que seguem priorizando os homens e nos quais a conciliação com a vida familiar é um conceito quase marciano. Os dados são, novamente, desoladores. Revelam que o mundo árabe é a região do mundo onde menos mulheres participam do mercado de trabalho; apenas 28%, segundo os dados da Organização Internacional do Trabalho.
As mulheres se queixam nas pesquisas de que são excluídas das redes informais extratrabalho – quer seja em cafés, clubes, ou eventos para homens – e que precisamente esse constitui um dos maiores obstáculos na hora de ascender na escala de trabalho que tende a deixar de lado a meritocracia. São problemas muito similares aos de outras partes do mundo, inclusive o Ocidente, só que no caso dos países árabes alguns dos problemas são mais acentuados.
Explicam as especialistas que a combinação, por um lado, de um contexto cultural que favorece que a mulher se dedique exclusivamente ao cuidado da família, e, por outro, uma situação econômica precária com altos índices de desemprego, é nefasta para as mulheres. Os dados da ONU falam também de diferenças salariais da metade ou até de um terço do salário dos homens. Indicam que a imensa maioria das mulheres trabalha no setor de serviços ou na agricultura, ao contrário dos homens, que costumam trabalhar na indústria.
As normas sociais não escritas sobre o que se espera de uma mulher ou o que deve ou não fazer, são também com frequência responsáveis por muitas das limitações que as mulheres sofrem para participar da política ou do mundo empresarial. A liberdade, por exemplo, para muitas mulheres para viajar sozinhas, ou para se alojar em um hotel é reduzida ou inexistente. Em muitos lugares do mundo árabe, se uma mulher sofresse um abuso sexual, a honra de toda a grande família ficaria prejudicada. Assim que qualquer precaução – inclusive se isso significa não viajar sozinha – é pequena desde que previna um mal considerado maior.
Não faltam feministas árabes que culpam o auge do islamismo mais conservador por algumas das restrições que em muitos países só aumentaram na última década. "As vozes islamistas mais tradicionais são ouvidas cada vez com mais força. Antes era coisa de alguns especialistas que falavam em voz baixa. Agora fazem parte de redes multinacionais", sustenta Soukeina Bouraoui, diretora do Centro para a Pesquisa e Formação das Mulheres Árabes, com sede na Tunísia. Bouraoui, como muitos outros especialistas, acredita que o despertar islamista se favoreceu com Governos como o egípcio, que apesar de não permitir a participação política, necessitava deles como ameaça para justificar sua permanência no poder com vistas ao Ocidente e de alguma maneira os alimentava.
A política ocidental na zona – apoio incondicional a Israel, guerra do Iraque... – também tem sua parte de culpa para que o feminismo não seja visto com bons olhos na região, segundo esta advogada tunisiana. "Falar de direitos da mulher é mal visto, porque em seguida te acusam de ser pró-ocidental", assegura.
Para Bouraoui está claro que depois da revolução virá a luta dos grupos políticos pelo poder. Os mais fortes triunfarão, "e posso lhe assegurar que não serão precisamente as mulheres laicas", pensa. "As eleições são dinheiro e as vence quem mais dinheiro tem. Sabe quanto milhões recebem os islamistas do estrangeiro? Eles contam com um apoio multinacional. Se os europeus querem uma verdadeira democracia igualitária, terão que nos apoiar, como fizeram com a Espanha. Aqui o que falta é um Plano Marshall", garante.
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Revolucionárias sim, mas sem poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU