28 Fevereiro 2011
"A ação direta de inconstitucionalidade contra o ensino religioso, patrocinada pela Procuradoria-Geral da República (PGR, é simplesmente imperdoável. Proposta em agosto de 2010, essa ação, imperdoável, está para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)", afirma Eros Roberto Grau, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, ex-ministro do STF, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 01-03-2011.
O ex-ministro do STF, afirma que "não me excedo, por certo, ao insistir em que a Constituição torna obrigatório o ensino confessional, que, não obstante, será facultativo". Segundo ele, "a ação promovida pela Procuradoria-Geral da República é não apenas um panfleto anticlerical. Agride a própria liberdade, além de pressupor que um preceito da Constituição - o parágrafo 1.º do artigo 210 - seja inconstitucional..."
Eis o artigo.
A crítica a certos atos não é necessariamente expressiva de repúdio a quem os tenha praticado. Ainda que a Procuradoria-Geral da República (PGR) inspire respeito enquanto instituição, a ação direta de inconstitucionalidade contra o ensino religioso, por ela patrocinada, é simplesmente imperdoável. Proposta em agosto de 2010, essa ação, imperdoável, está para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em novembro de 2008 o Brasil e a Santa Sé celebraram um Acordo Bilateral cujo artigo 11 estabeleceu que a República Federativa do Brasil deve respeitar a importância do ensino religioso, tendo em vista a formação integral da pessoa. Deve fazê-lo observando o direito de liberdade religiosa, a diversidade cultural e a pluralidade confessional do País. Além disso, o acordo afirma que o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil.
Não há absolutamente nada de novo aí. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, já definira que o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. E, mais, assegurava o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil e vedava quaisquer formas de proselitismo.
Daí que, para que a Procuradoria-Geral da República pudesse ir ao STF sustentar a inconstitucionalidade do acordo celebrado entre o Brasil e a Santa Sé, teria de, por imposição de coerência, sustentar a inconstitucionalidade da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Situação delicada, pois, embora tenha deixado passarem 14 anos de vigência dessa lei sem nenhum questionamento, a Procuradoria-Geral da República foi compelida, ao propor a ação direta de inconstitucionalidade, a contra ela investir. Não o fizesse, e resultaria injustificada a impugnação do acordo. Situação delicada. Bastou a sua celebração entre o Brasil e a Santa Sé para que à Procuradoria-Geral da República o ensino religioso passasse a parecer incompatível com a Constituição...
Assim, após 14 anos de inércia, a PGR pretende que o STF declare "que o ensino religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não confessional, com proibição de admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas". Alternativamente, se o tribunal não concordar com isso, pede que seja declarada a inconstitucionalidade do trecho "católico e de outras confissões religiosas", no parágrafo 1.º do artigo 11 do acordo bilateral.
A Procuradora-Geral da República admite o ensino da religião como formação cultural. Mas a religião há de ser ensinada nas escolas, segundo ela, por professores "não confessionais", ou seja, por professores não vinculados a qualquer religião, sem religião.
A ação proposta pela Procuradoria-Geral da República aponta contra o acordo Brasil/Santa Sé e é, de fato, um panfleto anticlerical. Um panfleto no mínimo anticatólico.
Pois não há dúvida nenhuma de que a Constituição do Brasil garante em sentido amplo a liberdade de ensino religioso. Leia-se o parágrafo 1.º do seu artigo 210: "o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental".
Essa liberdade é, como se vê, entre nós plenamente assegurada: a frequência é facultativa - os pais decidem a esse respeito, possibilitando, ou não, aos filhos formação espiritual - mas a disciplina é obrigatoriamente oferecida a todos os alunos.
Isso é muito próprio à cultura nacional, que a Constituição, para ser legítima, há de refletir. Somos plasmados, os brasileiros, também por uma religiosidade bem nossa, ao ponto de Deus ser brasileiro e os que aqui se proclamam materialistas em maioria não professarem o ateísmo. A laicidade do Estado não significa inimizade com a fé.
A Constituição do Brasil garante amplamente a liberdade de ensino religioso. É francamente avessa ao anticlericalismo. Promulgada "sob a proteção de Deus", como o seu preâmbulo afirma, não reduz a laicidade estatal a ateísmo. Proíbe ao poder público, é verdade, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança - ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (artigo 19, I). Mas seu artigo 213 autoriza expressamente o poder público a encaminhar recursos públicos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Seu artigo 150, inciso IV, b, assegura a imunidade dos templos de qualquer culto à instituição de impostos e o parágrafo 2.º do seu artigo 226 atribui efeitos civis ao casamento religioso, nos termos da lei.
Nossa Constituição, como se vê, recusa o anticlericalismo e, no parágrafo 1.º do seu artigo 210, garante a todos acesso ao ensino religioso. Ensino religioso é ensino ministrado por professores confessionais, observada a pluralidade confessional do País.
Não me excedo, por certo, ao insistir em que a Constituição torna obrigatório o ensino confessional, que, não obstante, será facultativo. A formação humana se completa na formação religiosa por livre opção dos pais. A liberdade de escolher é plena: filhos a cujos pais espiritualidade e religião nada significam não frequentarão a disciplina; aos demais o acesso a ela é assegurado pelo Estado. Insisto, sim, em que a liberdade de ensino confessional é aqui, em todos os sentidos, ampla.
A ação promovida pela Procuradoria-Geral da República é não apenas um panfleto anticlerical. Agride a própria liberdade, além de pressupor que um preceito da Constituição - o parágrafo 1.º do artigo 210 - seja inconstitucional...
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Um panfleto anticlerical - Instituto Humanitas Unisinos - IHU