22 Fevereiro 2011
O arrependimento pelos crimes de abuso sexual por parte de sacerdotes não significa que a igreja irlandesa possa retornar ao status quo anterior, disse o arcebispo Diarmuid Martin a sobreviventes de abuso durante uma celebração com orações no dia 20 de fevereiro da qual participou um cardeal americano.
A reportagem é de Michael Kelly e publicada pelo Catholic News Service, 21-02-2011. A tradução é de Luiz Marcos Sander.
Entretanto, buscar o perdão pode ser um passo importante rumo à cura e superação da dor sentida pelos sobreviventes, acrescentou ele enquanto o cardeal Sean P. O’Malley, de Boston, escutava durante a "Liturgia de lamentação e arrependimento" na pró-catedral de Dublin.
Ambos os prelados pediram desculpas pelo fato de a igreja ter deixado de reagir a relatos de abusos durante a celebração da tarde, da qual participaram cerca de 1 mil sobreviventes, suas famílias e seus apoiadores.
Muitos dos participantes ficaram visivelmente emocionados quando Martin e O’Malley lavaram os pés de oito sobreviventes como sinal de humildade.
"A Arquidiocese de Dublin nunca mais será a mesma", disse Martin. "Ela sempre vai carregar essa ferida dentro de si. A Arquidiocese de Dublin nunca poderá descansar até o dia em que a última vítima encontrar paz e poder rejubilar por ser a pessoa que Deus, em seu plano, quer que ela seja."
O’Malley estava em Dublin realizando uma visita apostólica da arquidiocese na esteira de um escândalo em que se constatou que os dirigentes da igreja pouco estavam fazendo para investigar alegações de abusos e trabalhando para colocar relatos de abusos debaixo dos panos para proteger os clérigos envolvidos e a reputação da igreja. Outros prelados também visitaram várias dioceses irlandesas e congregações religiosas como parte da visita apostólica.
"Em nome do Santo Padre, peço perdão pelo abuso sexual de crianças perpetrado por sacerdotes e por falhas passadas da hierarquia da igreja, aqui e em Roma, por deixar de reagir apropriadamente ao problema do abuso sexual", disse O’Malley à comunidade em suas observações finais.
"Fazer uma expiação pública pelas falhas da igreja é um elemento importante do pedido de perdão às pessoas que foram prejudicadas por sacerdotes e bispos, cujas ações – e omissões – causaram dano grave à vida de crianças confiadas ao cuidado deles", disse ele.
Planejado principalmente por sobreviventes, a celebração começou com os dois prelados prostrados perante uma comunidade silenciosa. Um punhado de protestadores se reuniu do lado de fora, insistindo que não poderiam "perdoar nem esquecer" o abuso.
Marie Collins, que sofreu abuso aos 12 anos em 1960 e foi uma das primeiras sobreviventes na arquidiocese a se manifestar publicamente, disse ao Catholic News Service (CNS) que a cerimônia era para "pedir o perdão de Deus por pecados e crimes de abuso sexual, físico, emocional e espiritual perpetrados na Igreja Católica contra os jovens".
"Conscientes de que somos membros do corpo de Cristo, arrependemo-nos coletivamente desses grandes males", disse ela.
Martin expressou respeito pelos sobreviventes que tiveram a coragem de levantar sua voz e não se deixaram silenciar pela igreja.
"Alguns e algumas de vocês, em sua dor e repugnância, devem ter rejeitado a igreja que amaram no passado, mas, paradoxalmente, a rejeição de vocês pode ter ajudado a purificar a igreja desafiando-a a encarar a verdade, deixar de lado a negação, reconhecer o mal que foi feito e a mágoa que foi causada", disse ele.
"Eu, como arcebispo de Dublin e como Diarmuid Martin, estou aqui neste silêncio e peço o perdão de Deus e os primeiros passos do perdão de todos os sobreviventes de abuso", disse ele.
Excertos de documentos jurídicos que revelaram o alcance do abuso sofrido por crianças em instituições dirigidas pela igreja e em paróquias foram lidos em voz alta durante a celebração. A dor ainda sentida por muitos sobreviventes se tornou perceptível não só nas reflexões das pessoas envolvidas na cerimônia, mas também quando ela foi interrompida em três ocasiões diferentes por sobreviventes que queriam compartilhar suas experiências e seu sentimento de terem sido traídos.
O cardeal Desmond Connell, arcebispo aposentado de Dublin que foi veementemente criticado em relatórios judiciais por causa da maneira como tratou de casos de abuso, ficou sentado em silêncio nos fundos da catedral e ouviu o arcebispo Martin denunciar a reação da igreja ao abuso como "um silêncio em que faltaram a coragem e a verdade".
O’Malley disse que, durante sua visita, descobriu "uma oportunidade para a igreja local reagir à crise de uma forma que venha a edificar uma igreja mais santa que se esforça para ser mais humilde ao mesmo tempo em que se torna mais forte".
"Embora, compreensivelmente, tenhamos percebido muita raiva e ficado sabendo de muito sofrimento, também presenciamos um desejo sincero de fortalecer e reconstruir a igreja local. Vimos que existe um recurso enorme, um reservatório de fé e um desejo genuíno de trabalhar pela reconciliação e renovação", disse ele.
Perto do fim da celebração, uma "vela de proteção" foi abençoada e acesa a partir do Círio Pascal como sinal de esperança para o futuro. Ela permanecerá "como um sinal para todas as pessoas que prestam culto" na catedral, disse Martin.
Falando ao CNS após a celebração, o arcebispo descreveu o evento como "muito tocante".
"Você realmente teria de ter um coração endurecido para não ficar comovido com a honestidade e dignidade dos sobreviventes", disse ele.
O’Malley disse ao CNS que esperava que sua "presença sublinhasse o quanto o Santo Padre está levando a sério a necessidade de cura e renovação na Irlanda".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Liturgia de lamentação e arrependimento" em Dublin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU