16 Fevereiro 2011
Quando João Paulo II for declarado “beato” em 1º de maio, isto representará a mais rápida beatificação dos tempos modernos, superando por pouco a de Madre Teresa. É claro que ambos eram celebridades globais cuja morte ocasionou campanhas nas bases pela santificação imediata, e continuam sendo os dois únicos casos recentes em que o período normal de espera para encaminhar uma causa foi deixado de lado.
A reportagem é de John L. Allen Jr. e publicada pelo Natinal Catholic Reporter, 01-02-2011. A tradução é de Luiz Marcos Sander.
À luz da velocidade com que a beatificação de João Paulo II se desenvolveu, algumas pessoas se perguntam por que as coisas estão andando mais devagar no caso de outros notáveis candidatos a santos: por exemplo, Dorothy Day, a fundadora do Movimento Operário Católico, ou o arcebispo salvadorenho Oscar Romero, ou o papa Pio XII, pontífice na época da guerra.
Na verdade, isso levanta a seguinte pergunta: o que faz com que alguém se torne um santo rapidamente?
Em 1983, João Paulo II revisou o processo de canonização para torná-lo mais célere, mais barato e menos dificultoso, em parte porque ele queria destacar modelos contemporâneos de santidade. O resultado é conhecido: João Paulo II presidiu mais processos de beatificação (1.338) e de canonização (482) do que todos os papas anteriores em conjunto.
Desde essas reformas, ao menos 20 beatificações, o passo final antes da santificação, poderiam ser definidas como rápidas, pois ocorreram, grosso modo, dentro de um período de 30 anos após a morte da pessoa. Esse conjunto privilegiado inclui uma mescla de pessoas famosas (Padre Pio e Josemaría Escrivá, fundador da Opus Dei) e relativamente obscuras (Anuarite Nengapeta, mártir congolesa, e Chiara Badano, integrante leiga do Movimento dos Focolares). Esse grupo inclui homens e mulheres, clérigos e leigos, tanto do mundo em desenvolvimento quanto do mundo desenvolvido.
Além da reputação de santidade pessoal e relatos de milagres, há cinco traços que a maioria desses casos de santificação rápida têm em comum:
Em primeiro, lugar a maioria têm por trás deles uma organização plenamente comprometida com a causa, contando tanto com os recursos quanto com a astúcia política para fazer as coisas andarem.
A Opus Dei, por exemplo, ostenta uma lista de hábeis especialistas em direito canônico, e investiu recursos significativos na causa de seu fundador. Um porta-voz da Opus Dei fez uma estimativa de que o total investido no processo de santificação de Escrivá, incluindo a realização de duas cerimônias massivas em Roma – a beatificação em 1992 e a canonização em 2002 – foi de cerca de US$ 1 milhão.
Esse fator por si só ajuda a explicar por que outras causas podem andar devagar. No caso de Dorothy Day, por exemplo, há ambivalência em círculos do Movimento Operário Católico. Algumas pessoas questionam se Dorothy Day iria querer ser santificada, e outras se perguntam se os recursos não seriam melhor investidos no serviço aos pobres.
Em segundo lugar, vários dos casos de santificação rápida implicam uma “primeira vez”, geralmente em termos do reconhecimento de uma região geográfica específica ou de um conjunto de membros sub-representados.
A leiga italiana Maria Corsino foi beatificada em 2001, apenas 35 anos após sua morte, junto com seu marido Luigi Beltrame Quattrocchi, o primeiro casal a ser declarado “beato”. A irmã salesiana nicaraguense María Romero Meneses foi beatificada em 2002, 25 anos após sua morte, como a primeira beata da América Central.
Também chama a atenção o fato de que dos 20 casos de processo acelerado, 12 foram de mulheres. Pode-se sustentar que isso está relacionado a um esforço feito pelas autoridades eclesiásticas de se opor a percepções de que a Igreja Católica seja hostil para com as mulheres.
Em terceiro lugar, às vezes há uma questão política ou cultural simbolizada por esses candidatos que contribui para a percepção de sua urgência.
Por exemplo, a leiga italiana Gianna Beretta Molla foi beatificada em 1994, 32 anos após ter morrido em 1962 (e foi canonizada em 2004). Ela ficou famosa por ter recusado tanto um aborto quanto uma histerotomia que teriam resultado na morte de seu filho não-nascido.
Em outros casos, a questão que se percebia podia ser uma questão interna da igreja. María de La Purísima, irmã espanhola da Congregação da Santa Cruz, foi beatificada em 2010, apenas 12 anos após sua morte em 1998. Autoridades do Vaticano a aclamaram como modelo de preservação das tradições da vida religiosa num período de “tumulto ideológico” subsequente ao Concílio Vaticano II (1962-65).
A ligação entre um candidato e uma causa também pode ajudar a explicar por que as coisas andam devagar. A cautela em torno de Pio XII, por exemplo, está obviamente relacionada a tensões nas relações entre católicos e judeus.
Em quarto lugar, às vezes causas passam pela via rápida porque o respectivo papa sente um investimento pessoal nelas.
Por exemplo, dois sacerdotes poloneses passaram pelo processo celeremente sob João Paulo II: Jerzy Popieluszko, um líder do Sindicato Solidariedade assassinado pelos comunistas poloneses, e Michal Sopocko, o confessor de Santa Faustina Kowalska, místico e fundador da devoção à Divina Misericórdia, com a qual João Paulo II tinha um forte compromisso pessoal.
(A data da cerimônia de beatificação de João Paulo II, 1º de maio, tem sido observada desde 2000 como “Domingo da Divina Misericórdia”.)
Em quinto lugar, os casos de beatificação/santificação rápida desfrutam de apoio hierárquico muito forte, tanto por parte dos bispos da região quanto por parte de Roma.
Badano, beatificada apenas 20 anos após sua morte em 1990, é a primeira beata Focolare. Esse movimento é admirado por sua espiritualidade de unidade e seus esforços no ecumenismo e no encontro entre as religiões, para não mencionar sua lealdade aos bispos e ao papa.
O critério do apoio hierárquico também pode ajudar a explicar por que a causa de Romero não está andando com a mesma velocidade. Por causa de sua associação com a Teologia da Libertação, ele era uma figura polarizadora entre seus colegas bispos latino-americanos, alguns dos quais ainda estão na ativa.
Todos os cinco critérios estão abundantemente presentes no caso de João Paulo II, o que talvez prenuncie um intervalo de tempo muito breve antes que ele seja santificado formalmente. O Padre Pio oferece um termo de comparação – apenas três anos se passaram entre a beatificação em 1999 e a canonização em 2002.
Até certo ponto, a rapidez com que as coisas vão andar pode depender de se a questão associada com a causa de João Paulo II permanecer o impacto que ele causou no mundo e seu carisma pessoal ou se seu legado ambíguo no tocante à crise em torno dos abusos sexuais adquirir maior peso com o passar do tempo.
Algumas pessoas sustentaram que o estudo da vida e do legado de João Paulo II que faz parte do processo de santificação não deu importância suficiente à forma como ele lidou com a crise em torno dos abusos sexuais, como o caso do falecido fundador dos Legionários de Cristo, o padre mexicano Marcial Maciel Degollado. Tendo sido durante muito tempo um favorito durante o papado de João Paulo II, Maciel caiu em desgraça mais tarde quando os Legionários reconheceram que ele era culpado de várias formas de comportamento sexual impróprio.
A Survivors Network of those Abused by Priests [Rede de Sobreviventes das Pessoas Abusadas por Sacerdotes], conhecida como SNAP, emitiu uma declaração afirmando que a hierarquia está “colocando mais sal nas feridas” das vítimas com um “empenho apressado de conferir a santidade” a João Paulo II.
Entrementes, duas notas de rodapé:
• O processo de João Paulo II não chega nem perto de ser o mais rápido de que se tem registro. Essa distinção pertence a S. Antônio de Pádua, que morreu em junho de 1231 e foi canonizado menos de um ano mais tarde pelo papa Gregório IX. Antônio até superou seu mestre, S. Francisco de Assis, canonizado 18 meses após sua morte em outubro de 1226.
• A despeito de percepções de que o papa Bento XVI teria desacelerado a fábrica de santos, na verdade ele está produzindo novos “beatos” num ritmo mais rápido. João Paulo II aprovou 1.338 beatificações ao longo de 26 anos, o que dá uma média de 51 por ano; Bento XVI aprovou 789 beatificações, ou 131 por ano.
Entretanto, Bento XVI não está canonizando pessoas com o mesmo frenesi. As 482 canonizações de João Paulo II resultam em mais de 18 por ano, enquanto as 34 de Bento XVI até agora representam uma média anual de um pouco menos de sete.
Essa discrepância poderia sugerir que até mesmo João Paulo II talvez tenha de ficar esperando, ao menos um pouco, até ser dotado formalmente de um halo.
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A beatificação de João Paulo II. A maioria dos casos de santificação rápida tem cinco traços em comum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU