13 Fevereiro 2011
A renúncia de Mubarak significa não só seu desaparecimento da cena pública egípcia, mas algo muito mais importante: a derrubada de um regime que, pouco depois da morte de Nasser, em 1970, havia se transformado no grande gendarme regional dos Estados Unidos e no guarda-chuvas protetor de Israel, convalidando com seu ascendente sobre o mundo árabe, o lento genocídio da nação palestina.
A reportagem é de Atilio A. Boron, publicada no jornal Página/12, 12-02-2011. A tradução é de Anne Ledur.
Tal como escreveu um dos ideólogos do império no The New York Times, Thomas Friedman, “o Egito nunca voltará a ser o que foi”. Efetivamente: e essa é a dor de cabeça que os administradores imperiais têm hoje, porque o delicado tabuleiro político do Oriente Médio foi pelos ares. Era uma mesa de três pernas: Irã, Egito e Israel. A primeira perna foi quebrada pela revolução islâmica, em 1979. Removida a perna egípcia, o tabuleiro da região crucial do planeta em matéria petroleira se desbaratou irreparavelmente. Os Estados Unidos, suporte financeiro e político do regime por quarenta anos, demonstrou sua impotência quando as massas egípcias se adonaram das ruas e praças, e teve que se resignar a ser um espectador surpreso da crise, uma lição da qual os povos de todo o mundo deveriam tomar nota.
Agora, o tantas vezes mencionado “efeito dominó” deixou de ser um pesadelo dos imperialistas para se transformar em uma realidade: não tinha passado uma hora da notícia da renúncia de Mubarak quando as massas dominavam as ruas das principais cidades do Oriente Médio - e de maneira multitudinária na Argélia - para celebrar a caída do regime. Já os tiranos da Jordânia e do Iêmen se viram obrigados a fazer algumas pequenas, oportunistas e demagógicas concessões. E na mesmíssima Arábia Saudita – onde os partidos políticos estão expressamente proibidos – anteontem se anunciou publicamente a formação do que, para pasmo universal, não foi exatamente dissolvido e seus líderes encarcerados pelo regime. O rei Abdullah, grande amigo dos Estados Unidos e a quem, para delícia o complexo militar-industrial, acaba de adquirir armamentos pelo valor de 60 milhões de dólares, está oportunamente pondo suas barbas de molho para evitar ser barbeado à seco por seus opositores.
Em dezoito heroicas jornadas de luta o povo egípcio foi o grande protagonista de um acontecimento que o velho Hegel não teria duvidado em caracterizar como de significação “histórica-universal”. Pôs uma dobradiça na história moderna do mundo árabe.
Não se conquistou ainda a democracia, cuja vitória requererá enormes esforços: uma presença constante nas ruas, aperfeiçoar as estruturas organizativas entre as usinas do regime, ou nos titubeios de um setor da oposição que simplesmente aspira liberalizar modicamente o regime político, preservando o modelo neoliberal causador do holocausto social do Egito contemporâneo. Se ganhou uma primeira grande batalha, mas muitas mais virão. Esse fevereiro de 2011 bem poderia resultar na reedição de outro, acontecido em 1917, na Rússia, onde também se ganhou uma batalha crucial, que oito meses mais tarde, dá nascimento a uma revolução que, com suas conquistas e seus defeitos, mudou o curso da História contemporânea.
É cedo demais para formular prognósticos de longo prazo. Mas, quem poderia agora se atrever a descartar a possibilidade de que o mundo árabe também tenha seu outubro?
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O outubro árabe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU