08 Fevereiro 2011
Eugene Cullen Kennedy, professor emérito de psicologia na Loyola University, em Chicago, analisa o processo de beatificação de João Paulo II, em artigo publicado pelo National Catholic Reporter, 27-01-2011. A tradução é de Benno Dischinger.
Eugene Cullen Kennedy é autor do livro The Unhealed Wound: The Church and Human Sexuality.
Eis o artigo.
As metáforas nos enriquecem por suas conotações – pelas ricas alusões que elas transmitem como riqueza de testemunhos em função de uma ampla e profunda verdade sobre uma pessoa ou um evento.
Uma das metáforas mais comuns aplicadas ao Papa João Paulo II, a ser em breve beatificado, nos narra certas contemplações hagiográficas de apologistas como George Weigel, o qual, como biógrafo com livros à venda, tem um conflito de interesses tão grande como uma tora vermelha em seu olho.
O último papa – cujas heróicas posturas, como cardeal arcebispo, contra o comunismo polonês indubitavelmente mudaram a história, solapando as bases do abalado universo da União Soviética – tem sido exaltado como o mais gélido dos frios guerreiros.
A metáfora que espontaneamente brota para descrevê-lo como papa é, em todo caso, a de "Rock star" [Astro do Rock]. Isso vale considerando que, como os fãs do rock pelo mundo afora, os seguidores de João Paulo II correram atrás de ingressos para a cerimônia de sua beatificação.
O título de "Rock star" também é aplicado ao ex-presidente Bill Clinton e a outros que, por seu marcante estilo carismático, sugavam todo o ar de qualquer ambiente ou espaço em que entram. "Estrelas do rock" jamais necessitam de um ato de entrada ou abertura para preparar o público para seu aparecimento.
Eles exigem, em todo o caso, bastante trabalho. Você precisa prestar-lhes total e plena atenção enquanto eles estão no palco e você vai sentir que suas reservas de energia vão sendo totalmente absorvidas, enquanto você é chamado para encher e reencher os tanques, semelhantes a piscinas, das necessidades pessoais desses "rock stars".
O que vem a ser exatamente essa necessidade? Não se trata de algo que valha para você como pessoa, mas para eles como personalidades que correm numa não questionada lealdade e num incondicional amor. "Rock stars" cintilam atrativamente, dando às suas audiências o equivalente a um duplo cheeseburger acompanhado de fritas. Mas, não para ser levadas consigo; devem comê-las ali mesmo.
João Paulo terá sido aclamado acidentalmente como "rock star", ou isso expressa o sensus fidelium [o sentir dos fiéis], o natural julgamento dos crentes sobre este papa que se posicionava tão alto e sorria tão enigmaticamente para as multidões que se estendiam em torno dele até o horizonte?
A metáfora sugere outras questões. Se João Paulo sabia como tornar a si mesmo – ou parte de si mesmo – presente a uma multidão, quanto de si mesmo ele jamais terá realmente revelado a quem quer que seja? Até que ponto você conheceu o homem real, Karol Wojtyla?
Foram essas questões não respondidas sobre este papa que talvez tenham fascinado, embora parecendo transpirar tão pouco calor real para os fiéis a quem, além de seu sorriso eslavo, ele jamais parecia olhar diretamente?
O que foi esse homem em seu interior – pois isso deve ser o teste básico para os feridos – como quando, - clamando ser um campeão do personalismo, - ele pregou sobre a personalidade humana como realidade dividida, antes do que unida? O que é que ele foi quando, em suas românticas, porém auto-contidas reflexões sobre a sexualidade humana, ele falou tão abstratamente porém com tanta certeza que a abstenção do sexo seria o maior ideal, mesmo para casais desposados?
Quem foi este homem que cantou as glórias da Mãe Dolorosa, mas considerou a mulher real como situada além da ponta de seu dedo e esteve determinado, como se o destino do mundo dependesse disso, de mantê-las fora do sacerdócio? Quem foi este homem que sempre defendeu a Humanae Vitae de Paulo VI, mas se manteve ausente do voto final da comissão do Vaticano II que recomendava uma amenização da posição da Igreja sobre o controle da natalidade?
Quem foi este homem que afastou o olhar do emergente escândalo de abuso sexual de seu clero, enquanto protegeu e defendeu o "deus-pai’ de todos os que cometem abuso sexual, o Padre Marcial Maciel Degollado? Quem foi ele quando deu as boas vindas ao Cardeal Law para uma sinecura romana, depois que Law foi forçado a renunciar ao arcebispado de Boston devido ao seu modo de lidar com os padres que cometiam abuso sexual?
Não resta dúvida que João Paulo II foi um grande homem, mas ele deixa um vazio demasiado grande de frieza sobre sua personalidade, para que se deva apressar sua beatificação. Ele provavelmente compete com outras grandes figuras salvadoras do mundo do século vinte, como Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill, cada um dos quais foi um "rock star" em sua própria época.
A personalidade de cada um deles, - como é válido para qualquer grande homem, - gerou grande incrustação de narcisismo, marcada por auto-absorção e necessidade de constante adulação que exauria qualquer um em torno deles, incluindo seus familiares.
Talvez o Papa João Paulo II deixe diversas pessoas frias porque os elementos de narcisismo em sua própria personalidade os levam a invisivelmente telegrafar para outros.
Será que isso o impediria de ser beatificado? Provavelmente não, mas talvez isso gere outras idéias sobre encaminhamentos apressados para sua posterior canonização.
O Papa Bento talvez pondere a enorme auto-absorção de seu predecessor, seu senso de ator nos momentos oportunos e seus arranjos para que ninguém estivesse junto dele quando era fotografado, e se admire porque, grande ou não, ele ainda deixa alguns católicos frios.
Os narcisistas emitem brilho intenso, mas também lançam uma sombra bastante fria. Talvez seja por isso que tantos fiéis concluam pesarosos: "Joãozinho querido, nós mal te conhecemos"...
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A beatificação de João Paulo II deixa muitos católicos indiferentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU